Série Finanças | ESG: Os fundamentos por trás das aparências

Pela Liga de Mercado Financeiro da FGV

O Veterano
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6 min readFeb 13, 2021

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Photo by Stephen Dawson on Unsplash

Nas últimas décadas, temos visto cada vez mais as novas gerações levantando temas até então intocados: o aquecimento global, a inclusão de grupos sociais desfavorecidos, a responsabilidade cívica, entre outros. Tais bandeiras foram sempre postas em oposição aos interesses capitalistas/corporativos fadados à eterna busca pelo lucro, de modo a sacrificar os recursos naturais do planeta no processo; além de preservar instituições conservadoras na sociedade.

Entretanto, o mercado se mostrou atento. Em um alinhamento de interesses, vem ganhando força nos últimos anos o ESG. Acrônimo de “Environmental, Social and Governance”, o termo se refere a uma série de critérios distintos utilizados por investidores em sua busca pelas melhores empresas para se conceder crédito ou comprar ações. A ideia é premiar as companhias que se mostram atentas aos desafios do meio ambiente e da sociedade. Em outras palavras, a noção do acionista ou do credor é substituída pela do stakeholder, ou seja, de qualquer um que seja impactado pelas ações da empresa, da diretoria aos funcionários terceirizados. Mas surge a questão: seria esse mais um esforço coordenado em prol do bem-estar ou há, de fato, fundamento em finanças para tais critérios?

As bases do ESG

Olhando tanto para os fundamentos envolvidos quanto para os resultados atingidos, a resposta aparenta ser favorável à nova tendência. Comecemos pela questão geracional. No relatório “ESG as a workforce strategy” elaborado pela Marsh & McLennan, em 2029 72% da força de trabalho global será composta pelas gerações Millenial e Z, estas muito mais engajadas em pautas como a sustentabilidade e a inclusão de minorias. Com isso, como indica o mesmo estudo, os futuros trabalhadores não só demonstrarão maior interesse e engajamento para com as empresas que compartilhem dos mesmos ideais, mas também tenderão a ser mais produtivos em sua ocupação, movidos pelo propósito de tornar o planeta e a sociedade lugares melhores para a população.

Além disso, há a questão do investimento a longo prazo. Empresas que prezam pelo meio-ambiente, pela qualidade de vida da comunidade ao seu redor e por uma gerência diversa podem estar cultivando ganhos de produtividade no futuro. Vejamos o porquê. Em relação ao meio-ambiente, o motivo é evidente. Grande parte dos modelos de negócios passam direta ou indiretamente pelos recursos disponíveis no planeta, fazendo ações de sustentabilidade atuais garantirem as receitas futuras. Passando para as ações em prol da comunidade, observa-se uma prestação de serviços terceirizados à empresa não só mais confiável como também de maior qualidade, além de uma expansão e valorização do nome da companhia. Em relação à gerência e ao conselho, argumenta-se que uma direção com maior participação de mulheres, negros, homossexuais, etc., apresenta uma tomada de decisão mais holística além de ser mais sensível à demanda dos consumidores, uma vez que compõe um espectro social semelhante ao de seu grupo de clientes. Quando os investidores se deparam com esse conjunto de aspectos, deduzem que a empresa analisada possui uma probabilidade muito maior de se firmar com o tempo, já que seu modelo de negócios é muito mais sustentável a longo prazo. Em outras palavras, costuma-se dizer que o custo de capital da empresa é menor, e ela se torna mais valiosa aos olhos do investidor.

A questão dos incentivos

Sendo analisada numa ótica econômica, a questão do “ganho social” torna-se ainda mais complexa. De fato, estabelecer critérios para julgar o quão adequado é o modelo de negócios de uma companhia no que diz respeito ao ambiental, ao social e à governança talvez seja a melhor forma de se ter uma métrica consistente. Há anos, muitos economistas nos alertam sobre os perigos de crer que algum agente está sendo benevolente em suas ações.

“The difficulty of exercising “social responsibility” illustrates, of course, the great virtue of private competitive enterprise — it forces people to be responsible for their own actions and makes it difficult for them to “exploit” other people for either selfish or unselfish purposes. They can do good — but only at their own expense. — como dito por um dos maiores economistas do século XX, Milton Friedman. Devemos imaginar que, numa economia de livre mercado, cada agente age pelo seu interesse próprio. No entanto, deve-se desmistificar a ideia que as corporações capitalistas estão dispostas a qualquer coisa em troca de um mínimo ganho na margem de lucro.

Por exemplo, no que diz respeito às questões ambientais, vale mais a pena para uma companhia adotar critérios rigorosos de atuação nesse quesito do que agir deliberadamente. As consequências das ações dessa companhia serão sentidas por toda a sociedade. Para compreender o escopo de atuação de uma empresa, deve-se pensar não só naquilo em que ela atua diretamente, mas também nas possíveis externalidades de suas ações e em como estas impactam todos os stakeholders. No dia 25 de janeiro de 2019, a Barragem I, da Vale, em Brumadinho, rompeu. Nesse caso, fica claro que as ações de uma empresa não se limitam a decisões totalmente endógenas. O impacto deste trágico evento foi muito maior do que simplesmente o lucro não realizado das operações da barragem. Quando temos critérios claros a serem obedecidos, fica mais fácil perceber quem está destoando.

Mas, se todo agente age por interesse próprio, por que deve-se imaginar que alguma empresa fará algo em prol da sociedade? A resposta é simples: a empresa também sai ganhando. Não só em termos de lucro, mas também passa a ser muito mais bem vista pelo resto da sociedade — o que, invariavelmente, facilita sua atuação no seu nicho específico. Logo, quando se tem métricas claras sobre as diretrizes que uma companhia deve seguir (ESG), torna-se mais fácil separar o joio do trigo. Por muitos anos, houve uma margem enorme de interpretação para determinar quem está agindo da melhor forma.

ESG na prática

Ao observar-se os resultados obtidos até agora, percebe-se uma brecha para um crescimento cada vez maior da tendência. Em 2015, os autores Friede, Bush & Bassen publicaram um estudo analisando mais de 2000 artigos acadêmicos focados em avaliar se investir de acordo com critérios ESG é mais lucrativo ou não. 63% dos artigos se mostraram favoráveis, 8% concluíram o oposto e 29% se mostraram neutros. Em outro estudo, feito pela Morningstar, no qual foram analisados 745 fundos sustentáveis e 4900 fundos tradicionais durante 5 anos, chegou-se a um retorno anual médio maior por parte destes primeiros (7,3% contra 6,1%). Por fim, vale notar que durante a atual pandemia tal diferença de rentabilidade entre empresas voltadas para ESG e empresas comuns foi acentuada: o índice S&P 500 ESG Index vem superando o S&P 500 desde o início de 2020. A tese por trás de tal movimento é a de que durante a crise do coronavírus passou-se a valorizar mais as companhias comprometidas com pautas sustentáveis e sociais, além do fato de que as techs foram impulsionadas pela crise global em oposição às empresas de óleo e gás.

Entretanto, ainda há motivos para cautela. Os diversos estudos referentes à rentabilidade podem indicar correlação, mas não necessariamente causalidade, entre as práticas ESG e a lucratividade. Uma companhia competente em ser sustentável, incluir minorias e ser zelosa com a comunidade geralmente é competente em ser lucrativa também! Além disso, devido ao fato do movimento ser tão recente, ainda é muito difícil isolar da análise os fenômenos especulativos e macroeconômicos. Inclui-se à lista de problemas o fato já mencionado do ESG estar muito atrelado às empresas de tecnologia, estas em alta nos últimos tempos. Por fim, ainda há a questão da materialidade: a atuação pautada nesses princípios varia fortemente entre os setores da economia. Para se citar um exemplo, a prática ESG de uma fintech tem pouca relação com a de uma empresa varejista, por isso é extremamente problemático comparar o impacto das duas.

Estamos adentrando em um terreno desconhecido, onde ainda há falta de padronização metodológica e de resultados sólidos. Porém, não há dúvidas de que este é um tema que merece atenção por parte dos investidores. Afinal de contas, o ESG tem fundamentos e resultados promissores. É uma excelente chance de haver um alinhamento de interesses entre o mundo corporativo e a sociedade.

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O Veterano é um jornal estudantil criado por alunos da Escola Brasileira de Economia e Finanças em 2020.