Série Finanças | Mercado Financeiro e Tendências ESG

Como as tendências ESG vem se tornando cada vez mais importantes no mundo dos investimentos e por que as empresas estão cada vez mais preocupadas em se adequarem a essa nova realidade

Gabriel Martins Mendes
O Veterano
5 min readFeb 20, 2021

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Foto tirada por Micheile Henderson e disponível em Unsplash

Desde as eleições americanas, com a vitória do candidato democrata Joe Biden sendo anunciada em novembro de 2020 pelos principais veículos midiáticos dos Estados Unidos (EUA), muito vem sendo falado acerca das pautas ESG (Environmental, Social and Governance) — ou seja, pautas relacionadas a boas práticas ambientais, sociais e de governança corporativa. Isso se deve a suas propostas de investimentos massivos na área de energia renovável, bem como o reingresso dos EUA no Acordo de Paris, medidas estas que tendem a beneficiar principalmente aquelas empresas que adotam tais práticas ESG.

Por mais que todo esse interesse recente em empresas ESG se dê por motivos pontuais e externos, como o resultado das eleições presidenciais estadunidenses, é importante nos atentarmos para as vantagens de ser sócio de empresas que adotam práticas ESG. Um estereótipo muito comum quando se trata de práticas ESG, é que as empresas que possuem preocupações nestas áreas e adotam tais práticas, não se importam com o lucro ou não são rentáveis. Na verdade, isso não passa de uma visão equivocada ou, quem sabe, de uma interpretação errônea dos princípios ESG. O estudo “From the Stockholder to the Stakeholder: How Sustainability Can Drive Financial Outperformance” (em tradução livre, “Do acionista para o interessado: como a sustentabilidade pode impulsionar o desempenho financeiro”), da Universidade de Oxford, coletou dados de 200 fontes científicas diferentes, comparou a lucratividade de uma abordagem ESG com a de uma abordagem “convencional” (geralmente preocupada apenas com o lucro) e concluiu que as empresas com princípios e práticas ESG tinham menores custos operacionais e maior lucratividade a médio e longo prazos, além de assegurar maior perenidade operacional do business da empresa. Este estudo também mostrou que a adoção de padrões de desenvolvimento ESG proporciona maior resiliência em crises (financeiras e não-financeiras) e menor custo de captação de capitais (crédito).

A lógica por trás dos resultados deste estudo pode ser encontrada nas consequências relativas aos objetivos deste tipo de empresa: gerar lucro de forma consciente. Em outras palavras, isso significa ser remunerada (por meio do lucro) ao mesmo tempo em que agrega para e resolve algum problema da sociedade. Nesse sentido, gera um impacto positivo para o meio ambiente, para a sociedade e para os sócios, contribuintes e fornecedores.

Desta forma, há um incentivo e um interesse maior em se relacionar com estas empresas. Assim, os sócios e colaboradores são estimulados a trabalhar mais felizes (e, consequentemente, com maior eficiência), dado que esse comportamento tende a gerar melhores resultados para a empresa e isso acaba retornando, de diversas formas, para eles próprios. Além do mais, mantendo um relacionamento saudável, onde ambas as partes são beneficiadas, os fornecedores se mostram muito mais compreensíveis e abertos a negociações, especialmente em momentos de crise.

Além do mais, os hábitos de consumo ao longo de todo o globo estão cada vez mais exigentes quanto às boas práticas ambientais e sociais das empresas. Dado este cenário, as empresas que adotam práticas ESG possuem uma outra vantagem competitiva: para os chamados “consumidores conscientes”, os produtos destas empresas são preferíveis aos de empresas que não adotam práticas ESG, mesmo que as últimas possuam um maior valor agregado. Desta forma, essas empresas não só possuem um público fiel e disposto a pagar mais caro por seu produto — desde que este gere um impacto positivo ou pouco impacto negativo no meio ambiente e na sociedade — como, ainda, este público é crescente. Em especial, uma pesquisa realizada pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) indica um aumento do número de consumidores conscientes no Brasil, bem como um número significativo de brasileiros “em transição” para hábitos de consumo mais conscientes.

Imagem disponível em Pesquisa do SPC

As mencionadas vantagens não são ignoradas pelo mercado, que, portanto, acaba precificando com ágio as empresas que aderem às pautas ESG. O estudo “O Valor do ISE”, realizado em 2012 pela BM&F Bovespa em parceria com o Centro de Estudos em Sustentabilidade da EAESP FGV-SP fez uma análise comparativa entre o desempenho de fundos de ações classificados como Investimos Sustentáveis e Responsáveis (ISR), pelo European Sustainability Forum, e o Ibovespa, o índice brasileiro de ações mais genérico e com maior abrangência. Este estudo analisou os dados relativos ao período compreendido entre 2006 e 2012 e mostrou que o retorno acumulado dos fundos ISR foi superior ao do Ibovespa em todos os 6 anos de abrangência do estudo, como pode ser observado na tabela abaixo:

Tabela tirada e disponível em O Valor do ISE

E, como um retorno maior geralmente está associado a um risco maior, este estudo ainda comparou a volatilidade (anualizada) entre os mesmos Fundos ISR e o Ibovespa- tendo em vista que a volatilidade costuma ser um bom parâmetro para se avaliar, de maneira objetiva, o risco de um investimento. Os resultados foram surpreendentes: mesmo apresentando um retorno maior, a volatilidade foi menor, o que indica, por definição, um risco menor (como pode ser observado na tabela abaixo).

Tabela tirada e disponível em O Valor do ISE

Por último, mas não menos importante, vale lembrar que quando compramos ações de determinada empresa, estamos virando sócios (minoritários) dela e, dessa forma, ser sócio de empresas que estão realmente preocupadas em contribuir positivamente para a sociedade e para o meio ambiente — o que costuma ser bastante reconfortante do ponto de vista individual. Obviamente, não são todos os investidores que compartilham deste sentimento, dado que se trata de algo verdadeiramente subjetivo. Por outro lado, isso não deve ser menosprezado ao estudarmos e avaliarmos uma empresa e decidir tornarmos sócio dela ou não mesmo que não nos importemos com o grau de sustentabilidade de uma empresa e seus produtos nesse sentido, quando esta se envolve em escândalos de qualquer tipo, o valor das suas ações é seriamente afetado.

Para exemplificar esta situação, temos a Ambev, que, para ajudar a sociedade no combate à Covid-19, produziu e doou álcool em gel para hospitais e para o governo (tanto federal quanto estadual); além de cilindros de oxigênio para o estado do Amazonas e doará as caixas térmicas que seriam usadas durante o carnaval, para armazenar vacinas. Em outra situação, temos a Vale, que observou uma desvalorização de cerca de 25% no dia útil seguinte ao rompimento da Barragem de Brumadinho, em Minas Gerais.

Colagem feita a partir de prints de notícias encontradas no Google (Época Negócios, Valor Econômico, Valor Investe, Agência Brasília, Agência Brasília e Folha de São Paulo)
Colagem feita a partir de um print de uma notícia encontrada no Google (Agência Brasil) e do gráfico das ações da Vale (VALE3) encontrado no TradingView

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