Série Finanças | O Maravilhoso Mundo da Renda Variável

Um panorama sobre os principais investimentos de renda variável

Gabriel Martins Mendes
O Veterano
9 min readMar 10, 2021

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Desde 2016, quando Michel Temer apresentou a proposta de uma Reforma na Previdência Social, que trouxe à tona a insustentabilidade das antigas regras relativas à aposentadoria, o universo dos investimentos vem se tornando cada vez mais atrativo e, de certa forma, necessário. Este é extremamente amplo e diverso, mas pode ser dividido em duas categorias distintas: a Renda Fixa e a Renda Variável. A melhor definição, na minha opinião, foi a que o Fábio Faria, Criador do Canal do Holder, utilizou na segunda live da Semana do Buy and Hold (os principais pontos discutidos na live também foram abordados no material de apoio relativo à mesma). Segundo ele, os investimentos de Renda Fixa são aqueles que você sabe, a priori, quanto vai receber no futuro (vencimento do título). Esse retorno pode ser expresso na forma de uma taxa nominal pré-fixada (ex: 10% a.a.), de uma porcentagem do CDI (taxa de juros diária do mercado interbancário) ou de um índice acrescido de uma taxa nominal (ex: IPCA + 5% a.a. — o IPCA é um índice que tenta medir a inflação no Brasil). Já os investimentos de Renda Variável são aqueles que você NÃO sabe, a priori, quanto vai receber no futuro. Os investimentos de renda variável não têm um vencimento, logo você pode resgatá-lo “a qualquer momento”, tendo seu retorno variando de acordo com as expectativas do mercado, as concretizações certas e contrárias a essas expectativas, as condições macroeconômicas, o tempo que você vai ficar posicionado naquele investimento, dentre outros.

Para deixar esse conceito um pouco mais claro, a definição encontrada na Wikipédia é interessante (a fonte não é das melhores, mas a definição compensa): “Ativos de Renda Variável são aqueles cuja remuneração ou retorno de capital não pode ser dimensionado no momento da aplicação, podendo variar positivamente ou negativamente, de acordo com as expectativas do mercado”.

Pelo próprio título do presente texto é possível perceber que sou um grande fã do mundo da Renda Variável. Não à toa, mais de 90% dos meus investimentos pessoais são de renda variável. Isso se dá por um aspecto muito característico desse tipo de aporte financeiro: o risco do retorno, ou seja, o reconhecimento dos riscos e das incertezas que envolvem este tipo de investimento, que, por sua vez, podem resultar em um retorno muito maior, muito menor ou até mesmo em linha com o que você tinha em mente quando investiu. Por causa dessa maior incerteza e, consequentemente, maior risco associado, os investimentos de renda variável costumam a ter um maior retorno, além de contar com algumas vantagens tributárias (diferentemente da renda fixa, a variável conta com algumas isenções interessantes).

As Ações

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O principal e mais conhecido investimento de renda variável são as Ações. Segundo a XP Investimentos, as “Ações representam uma fração do capital social de uma empresa. Ao comprar uma ação o investidor se torna sócio da empresa, ou seja, de um negócio. Passa a correr os riscos desse negócio bem como participa dos lucros e prejuízos como qualquer empresário”. Apesar de, no senso comum, as pessoas enxergarem as ações apenas com um viés muito especulativo, como um meio de enriquecer rapidamente, isso não corresponde à realidade: a Bolsa de Valores comporta as mais variadas estratégias e os mais diversos tipos de investimentos. Seguindo a mentalidade holder, ou seja, a de comprar e acumular ações para se tornar sócio (mesmo que minoritário) de boas empresas e ganhar com o crescimento e/ou distribuição de dividendos (lucro distribuído pelas empresas aos seus acionistas), investir em ações se torna uma boa alternativa a empreender: em vez de abrir uma cervejaria artesanal, é possível ser sócio da Ambev (ABEV3), que já tem marcas conhecidas, uma base de clientes muito grande e um ganho absurdo de escala (por ser uma empresa com uma produção muito grande, consegue produzir com menos custos, maiores margens e preços mais competitivos); em vez de abrir uma loja de varejo, é possível ser sócio da Magazine Luiza (MGLU3), que além de ser beneficiada pelos ganhos de escala, tem uma equipe focada em pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias, que por sua vez acabam lhe trazendo diversas vantagens em relação aos seus concorrentes; ao invésde abrir uma petroleira, algo inacessível para a imensa maioria das pessoas (que não dispõem de milhões para viabilizar tal projeto), podemos ser sócio da Petrobras (PETR4) com valores a partir de R$ 24,40 (preço de hoje, 24/02/2021).

Vale ressaltar que, quando as empresas resolvem emitir ações e disponibilizá-las na Bolsa de Valores, elas passam a ser estruturadas no formato de sociedades anônimas (SA), ou seja, um modelo de empresa com fins lucrativos que está sujeita à Lei das SA. Esta determina, dentre outras coisas, a existência de um estatuto social e órgãos administrativos, e a regulação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que determina, por exemplo, a elaboração e divulgação das demonstrações financeiras — permitindo que os minoritários, possíveis minoritários e o mercado como um todo tenham acesso às informações, consolidadas, dos dados contábeis da empresa. As ações não são os únicos investimentos de renda variável, que é composta por diversas classes de ativos, dentre os quais se destacam os Fundos Imobiliários, as Stocks, os REITs e, mais recentemente, as criptomoedas.

Os Fundos Imobiliários

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O Fundo de Investimento Imobiliário (FII) é uma comunhão de recursos destinados à aplicação em ativos relacionados ao mercado imobiliário e, devido à baixa liquidez dos ativos, são constituídos na forma de um fundo de investimento fechado. Ou seja, para “resgatar” o valor investido nesse fundo de investimento, é necessário vender suas cotas — a menor parte do capital social de um FII — a terceiros, por meio da Bolsa de Valores; enquanto nos fundos convencionais, quando os cotistas resgatam seus investimentos, o dinheiro recebido é proveniente da venda de ativos pelo fundo.

Os FIIs são uma alternativa bem interessante aos investimentos direto em imóveis, pois da mesma forma que se investe em imóveis pensando no recebimento dos aluguéis como uma fonte de renda, os fundos imobiliários são obrigados (pela Instrução CVM n°472–2008) a distribuir semestralmente 95% do seu resultado financeiro líquido acumulado (embora essa distribuição costume ocorrer mensalmente). Além disso, os FIIs apresentam algumas vantagens em relação ao convencional investimento direto em imóveis, dentre as quais cito: a compra/acumulação de cotas de fundos imobiliários, bem como o recebimento de proventos (“aluguéis”), são isentos de Imposto de Renda; os fundos imobiliários são extremamente líquidos, ou seja, possuem uma facilidade muito grande de serem convertidos em dinheiro sem perdas significativas de valor; o intervalo entre a venda das cotas de um fundo imobiliário e o recebimento do dinheiro é de apenas 2 dias úteis e não é necessário contratar um advogado, uma corretora imobiliária ou pagar as taxas cartoriais para concluir a venda (e o mesmo serve para a compra); as cotas da maioria dos FIIs custam em torno de R$ 100,00, torando-os muito mais acessíveis (tanto na compra quanto na venda) que os investimentos diretos em imóveis; os fundos imobiliários possuem uma gestão própria e extremamente profissional, evitando, assim, o incômodo relativo à documentação, à manutenção e às cobranças (em caso de inadimplência); e por último, mas não menos importante, os FIIs investem em imóveis de melhor qualidade e comumente pouco acessíveis, como shopping centers, lajes corporativas (em áreas nobres de São Paulo) e galpões logísticos, além de terem inquilinos (como por exemplo, a Ambev, a Lojas Renner, dentre outras grandes empresas) com uma qualidade muito superior à dos imóveis “tradicionais”.

Da mesma forma que empreender possui um risco e um retorno esperado completamente diferentes de comprar uma quitinete e colocá-la para alugar, investir em ações também tem um risco e um retorno esperado muito diferentes de investir em fundos imobiliários, mesmo ambos sendo investimentos de renda variável. Isso se dá, principalmente, pelos ativos reais aos quais cada classe está relacionada e também por possuírem características muito diferentes umas das outras. Desse modo, faz sentido classificarmos e estudarmos estes ativos de maneiras diferentes: na avaliação das ações, devemos considerar, além do operacional e dos projetos da empresa, o tamanho e os ganhos de escala da empresa, o nível de reinvestimento do lucro na expansão, melhoria operacional e aquisição de novas empresas e o endividamento das empresas; já nos fundos imobiliários, pouco importa o valor de mercado do fundo, a porcentagem do lucro que é retido para crescimento (afinal, eles são obrigados a distribuir, no mínimo, 95% da sua geração de caixa do semestre) nem seu nível de endividamento (FIIs não podem contrair dívidas para se alavancarem), mas é essencial avaliar os tipos e a qualidade dos imóveis, a diversificação geográfica (bem como a de inquilinos, a fim de reduzir os riscos específicos em ambos os casos) e a geração de renda que o FII deve entregar nos próximos anos.

As Stocks e os REITs (Real Estate Investiment Trust)

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Para a surpresa de zero pessoas, esses tipos de investimentos não surgiram e nem são exclusivos do Brasil: pelo contrário, o mercado brasileiro ainda tem muito o que amadurecer e se desenvolver, especialmente se o compararmos com os principais mercados globais, como o estadunidense e o europeu. Como os Estados Unidos (EUA) são responsáveis por cerca de 50% do mercado financeiro global, eles acabam sendo tomados como referência em diversos aspectos. No mercado norte-americano, os principais ativos negociados são as Stocks e os Reits (empresas que possuem foco em investimentos imobiliários), ou seja, os equivalentes às ações e aos fundos imobiliários. Entretanto, o risco (e, consequentemente, o retorno esperado) são bem diferentes dos seus equivalentes brasileiros, pois estão sujeitos à legislação e à tributação dos EUA, que, por penalizarem menos suas empresas e serem parte de um mercado mais consolidado, elas apresentam um risco bem menor. Se engana quem pensa que esse menor risco vem de graça: stocks e reits são negociadas com ágio (mais caras) e, por isso, é esperado um retorno menor ao longo do tempo (contudo, isso não significa que esse retorno seja pequeno ou insuficiente comparado ao risco inerente ao investimento).

As Criptomoedas

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Por outro lado, pensando em classes de investimentos bem mais arriscadas e com um retorno potencial bem mais alto, as criptomoedas se encaixam bem nesse perfil. Segundo a Bússola do Investidor, as criptomoedas são moedas virtuais criadas por sistemas computacionais descentralizados (ou seja, independentes de qualquer Banco Central) usando a tecnologia da blockchain. A blockchain é um sistema que funciona como um grande livro virtual em que cada bloco (o equivalente às páginas de um livro tradicional), além de conter as informações relativas às transações ocorridas em um determinado intervalo de tempo e uma “impressão digital” própria (que permite sua identificação), também contém a “impressão digital” do bloco anterior e, consequentemente, de todos os blocos anteriores (daí que vem o nome blockchain, que na tradução literal significa blocos encadeados), tornando o sistema à prova de fraudes (tanto que desde sua criação, em 2008, a blockchain nunca foi hackeada). A blockchain e o Bitcoin (a primeira criptomoeda) surgiram simultaneamente e vêm evoluindo desde então; as criptomoedas estão se tornando cada vez mais utilizadas (recentemente está havendo grandes avanços na aceitabilidade das criptos como meio de pagamentos, sendo aceitas tanto pela Tesla, pela Mastercard e pelo PayPal), o Bitcoin vem se consolidando com reserva de valor (recebendo inclusive o apelido de ouro digital) e a blockchain vem sendo cada vez mais usada, com a expansão dos contratos inteligentes (para saber mais sobre os contratos inteligentes).

Como foi possível perceber ao longo deste texto, o mundo da renda variável encanta por comportar uma variedade tão grande de classes de ativos completamente distintas entre si, agradando os mais variados gostos do freguês. Todavia, a renda variável não é um mar de rosas, é preciso ter estômago para aguentar a volatilidade (especialmente nas quedas) do mercado, por isso é importante estarmos sempre estudando e conhecendo mais dos ativos dos quais nos tornamos sócios. Além do mais, precisamos reconhecer que, ainda que estudemos e nos dedicamos, é impossível prever o futuro. Em fevereiro de 2020, ninguém previa que no mês seguinte o mundo ia se dar conta da crise sanitária que estamos enfrentando. Nesse sentido, montar uma carteira bem diversificada e seguir uma estratégia bem definida são atitudes essenciais para nos permitir tomar maiores riscos em uma pequena parte do portfólio, buscando retornos extraordinários, ao passo que nos permite atravessar esses momentos de incertezas e pessimismo da melhor forma possível.

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