Série Moda | Your Outfit is Way Too Hot!

Além das Roupas: Moda e Aquecimento Global

O Veterano
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7 min readDec 23, 2020

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Por Gabriel Oliveira

Obs.: Informações sobre o autor são encontradas no final da coluna

Ilustração Por Gabriel Oliveira

Você já parou para se perguntar o que é sua roupa? O que é sua roupa além de tecido, corte e costura? Além de uma ferramenta profissional? Além de um meio para a expressão pessoal, rituais culturais e organização social?

A nossa roupa vai além do que a visão pode ver, mas isso não nos impede de abrir os olhos para enxergar a realidade. Cada peça de roupa produzida possui uma trajetória que traz mais em sua composição do que apenas um pedaço de pano. Entre diversos fatores presentes na produção de uma roupa, um deles é o impacto ambiental, o que reflete, entre outras coisas, no agravamento do aquecimento global.

Segundo a Circular Fibres Initiative, a indústria têxtil emite em torno de 1.2 bilhões de toneladas de dióxido de carbono por ano, o que corresponde a 10% da emissão humana e é superior à soma das emissões todos os voos internacionais e do frete marítimo, segundo o Environment Programme da ONU.

Outro aspecto que aproxima a indústria têxtil do aquecimento global é a poluição por microfibras. Segundo a Fundação Ellen MacArthur, entre 2015 e 2050 podem ser adicionadas 22 milhões de toneladas de microfibras nos oceanos, e apesar de nem toda essa quantidade ser proveniente da indústria têxtil, é estimado pela União Internacional pela Conservação da Natureza (IUCN) que 35% dos microplásticos do oceano são resultantes da lavagem de tecidos sintéticos. E por falar em tecidos sintéticos, o poliéster, a fibra sintética mais comum, é utilizado em 60% das roupas produzidas mundialmente, segundo o Greenpeace.

Nos últimos anos, muito tem se falado sobre como a poluição dos oceanos por microfibras afeta o ecossistema marinho, e até mesmo a saúde humana, mas talvez a relação desse tipo de poluição com o aquecimento global não seja tão clara. Brooke Bauman afirma que, historicamente, “o oceano tem retido de 30% a 50% de emissões de dióxido de carbono de atividades humanas”, mas, por outro lado, pesquisadores da Ocean University of China descobriram que uma quantidade maior de microplásticos no oceano diminui tal retenção ao impactar o ecossistema marinho. Isto é, essa poluição reduz o crescimento de microalgas e, assim, a eficiência da fotossíntese, interferindo na habilidade de plânctons de remover dióxido de carbono da atmosfera.

Até agora, pôde-se ver que a indústria têxtil impacta negativamente o meio ambiente tanto durante a produção de roupas, quanto durante seu uso. Mas o problema não para por aí. De acordo com o Environment Programme da ONU, o equivalente a um caminhão de lixo de material têxtil é, por segundo, incinerado ou enviado para aterros. Além disso, 85% do total de material têxtil é enviado para aterros, de acordo com a United Nations Economic Commission for Europe (UNECE).

É sempre relevante lembrar que a incineração de materiais libera dióxido de carbono na atmosfera, intensificando o aquecimento global — e isso não é diferente para resíduos têxteis. Mas, além disso, o simples fato de existir material têxtil nos aterros é bastante danoso. Grande parte dos tecidos não pode se decompor naturalmente por causa dos materiais químicos utilizados em sua produção ou porque são feitos de fibras sintéticas, que não são biodegradáveis. Desse modo, esses tecidos se degradam lentamente e, durante esse processo, liberam alta quantidade de metano (outro gás de efeito estufa) na atmosfera ao longo dos anos.

Getty Images. Vivienne Westwood Fall 2000 Fashion Show.

Agora que sabemos — alguns dos — problemas causados pela indústria têxtil e sua relação com o aquecimento global, como mitigá-los? Quem deve ser responsável pela mudança?

A verdade é que todos nós podemos agir em prol de um consumo de moda o mais responsável possível. Consumidores têm um grande poder em suas mãos e, agindo em conjunto com os negócios de moda, podem fazer uma grande mudança no cenário atual.

Existem algumas medidas que os consumidores podem tomar para consumir de forma mais consciente e reduzir o seu impacto ambiental de consumo de moda. A primeira delas é procurar roupas já existentes (de segunda mão). Por não precisarem ser produzidas, evitando a poluição do processo de produção, elas são as mais sustentáveis que existem e, ao comprar essas roupas, o consumidor prolonga o ciclo de vida do produto e, consequentemente, o tempo até que essas roupas sejam descartadas. Além disso, muitas pessoas acabam vendendo roupas nunca usadas ou usadas pouquíssimas vezes, o que é um bom negócio para quem compra, que provavelmente vai encontrá-las por preços menores do que em lojas.

Outra medida muito importante é se atentar para a composição das roupas antes de comprá-las. Dar preferência a fibras naturais é sempre melhor, em termos de sustentabilidade. Essas fibras tendem a ter um menor impacto ambiental em sua produção em comparação a fibras sintéticas, além de serem biodegradáveis. Em especial, as melhores opções entre as fibras naturais são o linho, o algodão reciclado e o algodão orgânico, este utilizando 91% menos água em sua produção do que o algodão comum, de acordo com a Textiles Exchange, e reduzindo a poluição da água em 98%, conforme afirma a Water Footprint. Além do maior consumo e poluição de água devido ao uso de agrotóxicos, a produção de algodão convencional danifica o solo e impacta gravemente a saúde dos agricultores desta matéria-prima. Fibras naturais como viscose e fibra de bambu também possuem um processo de produção mais poluente.

Além dessas opções, uma alternativa que vem ganhando popularidade nos últimos anos é o cânhamo, uma fibra natural bastante versátil, mas que gera polêmica por ser uma planta de Cannabis, apesar de não ser a mesma coisa que a maconha.

Ao prestar atenção à composição das roupas, é importante ter em mente que muitas peças possuem composição mista, isto é, são compostas por mais de um tipo de tecido. É recomendável que tecidos que sejam uma mistura de fibras naturais com fibras sintéticas sejam evitados, pois a reciclagem desse tipo de material é dificilmente realizada, além de gerar poluição durante sua produção, seu uso e após o seu descarte.

Entretanto, é importante apontar que alguns tipos de roupa possuem uma melhor usabilidade quando feitas com fibras sintéticas, como é o caso de roupas para atividades físicas e roupas de banho. Ao lembrar disso, também é importante lembrar que quando se fala em sustentabilidade, se fala sobre reduzir o impacto ambiental de forma possível e praticável, pois ser plenamente sustentável hoje é virtualmente impossível — e isso se aplica ao consumo desse tipo de vestimenta.

Felizmente, nos últimos anos, novas tecnologias que podem nos auxiliar a tornar essas roupas mais sustentáveis têm surgido, como é o caso da poliamida Amni Soul Eco, a primeira poliamida biodegradável do mundo — e invenção brasileira! -, mas que infelizmente ainda não é amplamente utilizada em confecções.

Outros materiais que podem ser utilizados para a produção de peças mais sustentáveis são as fibras Tencel, da austríaca Lenzing. Essas fibras são produzidas em circuito fechado, ou seja, os resíduos do processo de produção são reutilizados, reduzindo, assim, o impacto ambiental. Além disso, essas fibras também são biodegradáveis e de fontes naturais.

Os consumidores também podem comunicar às marcas suas demandas em relação à sustentabilidade. Um conceito básico de mercado é a lei da oferta e da demanda, o que, grosso modo, significa que negócios devem ouvir e suprir as demandas do mercado. E então pode-se falar sobre o papel dos negócios na produção de uma moda mais sustentável.

De fato, fica difícil para consumidores consumirem de forma mais consciente se produtos sustentáveis são escassos. É papel também das empresas ajustar seus modelos de produção para modelos mais sustentáveis, além de procurar ofertar produtos que se encaixam nessa categoria. Demanda sem oferta não gera resultados desejados para um consumo mais sustentável.

Da mesma forma, governos deveriam ter políticas de incentivo para negócios que produzem artigos têxteis de menor impacto ambiental ou que viabilizem um consumo mais consciente. Instrumentos legais como incentivos fiscais e programas de recompensas, por exemplo, seriam atrativos para as empresas. Governos também podem investir em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e em aceleração de negócios sustentáveis. Assim, muitas empresas poderiam se sentir financeiramente encorajadas a se adaptar ou investir em negócios de moda em direção a uma economia sustentável.

Ao realçar tantos impactos ambientais negativos da indústria têxtil, não se pode, entretanto, deixar de apontar sua grande importância econômica e social, já que este é o terceiro maior setor de manufatura do mundo, empregando diretamente 75 milhões de pessoas e avaliada em 2.4 bilhões de dólares, segundo o World Bank.

Logo, é evidente que a indústria têxtil precisa sofrer ajustes para que, no longo prazo (e talvez nem tenhamos tanto tempo assim), possa continuar desempenhando um papel tão importante para a sociedade sem ser, ao mesmo tempo, tão danosa ao meio ambiente e, consequentemente, à própria espécie humana.

É imperativo repensar os sistemas de produção e os hábitos de consumo, o que representa não apenas a necessidade de esforço coletivo por parte da sociedade, dos negócios e dos governos, mas também uma responsabilidade de cada um de nós.

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O Veterano é um jornal estudantil criado por alunos da Escola Brasileira de Economia e Finanças em 2020.