Série Modernidade | A Tecnologia e o Homem na Modernidade

O homem e a tecnologia se tornam um na atualidade

Renan Magalhaes
O Veterano
6 min readJul 14, 2021

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Quando se ouve no termo modernidade, pensa-se em tecnologia de ponta, com grande interação entre homem e máquina. Porém, essa ideia é recente em termos históricos, tendo seu começo no século XIX, com o cientificismo, e perdurando até hoje.

Por boa parte da história, o conhecimento humano baseou-se na crença em deus (ou deuses) e no entendimento de que os fenômenos naturais eram consequência de sua(s) vontade(s). Assim, havia pouco estímulo para inovações, pois acreditava-se que o destino da humanidade estava na vontade de seres superiores e não em nossa capacidade de manipulação dos meios. De tal forma, a vida do homem se manteve em simbiose com a natureza imediata e com o uso de algumas ferramentas e construções básicas.

Este paradigma começou a mudar a partir do século XIV, devido à criação da prensa móvel, que permitiu uma proliferação maior de textos escritos. Com um acesso ampliado a textos filosóficos, principalmente da Grécia antiga, e à própria Bíblia, permitindo novas interpretações sobre os escritos sagrados, há o rompimento com o Deus cristão como centro do universo humano — como visto no teocentrismo -, passando a própria humanidade a ocupar esse lugar — eis o nascimento do antropocentrismo.

Começou, a partir de então, a fase do humanismo — que supostamente perdura até hoje — na história ocidental. Este pode ser definido como um movimento intelectual que valoriza o ser humano e o dever em desenvolver suas potencialidades ao máximo. Uma das capacidades mais valorizadas, se não a mais valorizada, é a racionalidade. Tal capacidade tem seu auge na filosofia, na ciência e na inovação, que geram uma ruptura fundamental do homem com o meio. Uma vez que o ser humano se separa do meio ambiente e se enxerga como uma entidade que pode manipulá-lo, tudo ao seu redor está para servi-lo, e uma boa manipulação da natureza resulta em uma melhora da qualidade de vida da população. Essa relação de domínio racional sobre o meio define o ser humano na modernidade. Homens e máquinas fazem tudo juntos, mas essa simbiose se tornou cada vez mais notável após cada Revolução Industrial, que trouxe grandes saltos tecnológicos e mudanças no estilo de vida do cidadão comum.

Revoluções Industriais

Na Primeira Revolução Industrial, o desenvolvimento tecnológico foi leve comparado às posteriores, porém foi o que mais representou uma ruptura histórica. Seu principal fenômeno foi a introdução das máquinas no processo produtivo, com a indústria têxtil adotando as máquinas de tear automático. A partir de então, a tecnologia e a automatização das etapas do processo produtivo geraram grandes aumentos na riqueza das regiões industrializadas e, cada vez mais, o mundo se tornou dependente da tecnologia para gerar ganhos econômicos e de qualidade de vida. Por exemplo, a simples criação de uma máquina que tece automaticamente e mais rápido permitiu o crescimento econômico gigantesco da Grã-Bretanha frente ao mundo, e como consequência, a possibilidade da criação de um igualmente colossal império mundial. Os custos diminuíram e as receitas aumentaram, gerando um aumento de lucros sem precedentes para os donos dos meios de produção. Uma vez que o avanço da ciência aplicada ao meio de produção gerou tamanhos ganhos materiais e de poder, houve forte incentivo por parte de governos e empresas em investir mais na pesquisa científica. Em compensação, novas tecnologias foram geradas, aumentando os lucros da iniciativa privada e o poder do governo responsável, de forma a criar um ciclo que explica a história da tecnologia e do homem a partir de então.

Na Segunda Revolução Industrial, além da grande variedade de novas tecnologias invadindo o sistema produtivo e a vida cotidiana das pessoas, houve a difusão da industrialização por diversos países — diferentemente da anterior, que se restringiu principalmente à Inglaterra. Nela, houve a introdução de tecnologias que são a base da ruptura tecnológica da modernidade. Aço, petróleo e sobretudo eletricidade fundamentam a grande maioria dos equipamentos que usamos. De tal modo, esse foi o evento que começou a nos aproximar de onde estamos hoje, com o encurtamento das distâncias impulsionado pelo uso do petróleo como combustível ao invés do vapor, e a constante invenção de aparelhos que usam eletricidade, tão presentes no nosso dia a dia. Essa fase de desenvolvimento encontrou seu fim na Segunda Guerra Mundial, momento em que um novo nível de desenvolvimento passou a ser alcançado.

A Segunda Guerra Mundial representou um salto no conhecimento científico em diversas áreas, principalmente na biologia e na engenharia. Várias tecnologias comuns do dia a dia tiveram seu começo no uso de guerra — como o radar, cujo primeiro uso foi para detectar aviões da Luftwaffe a longas distâncias. As guerras não costumavam significar evoluções tecnológicas, porém as duas Guerras Mundiais e a Guerra Fria foram diferentes por uma série de fatores. O primeiro foi o fato de não acabarem até um lado demonstrar uma vantagem tecnológica significativa. A segunda foi o fato de estarem em lados opostos países com crenças na capacidade de desenvolvimento de novos conhecimentos e que estimulavam pesquisas de guerra. Logo após a segunda guerra mundial, na década de 1950, houve outro momento de grande mudança tecnológica, com o advento da terceira revolução industrial — também chamada de Técnico-Científico-Informacional. Essa revolução alterou drasticamente a forma como o homem se relaciona com o meio e tornou o espaço-tempo mais efetivo. Carros, trens e aviões se tornaram mais rápidos, assim como a informação, de forma a tornar o fenômeno da globalização possível. Diferentemente das anteriores , a terceira revolução industrial se concentrou na indústria terciária e de ponta. Assim, os países que participaram mais intensamente das revoluções anteriores acabaram por desenvolver grandes empresas de tecnologia, e a maioria de sua mão de obra se tornou altamente qualificada, com boa parte da população empregada no setor terciário e as indústrias de base sendo mais automatizadas com a introdução dos robôs. A terceira revolução industrial gerou o mundo no qual vivemos hoje, mas estamos prestes a ter uma nova ruptura devido ao surgimento de um serviço revolucionário: a Internet.

O Mundo Digital

Quando se pensa em tecnologia no dia a dia, smartphones, computadores, videogames etc. vêm à mente. Contudo, há 20 anos não existiam smartphones, e os demais citados eram bem inferiores às suas versões atuais. A vida cotidiana se tornou tão dependente de telas brilhantes, da conexão à Internet e das redes sociais que se tornou difícil imaginar como era a vida antigamente. Em tempos de pandemia, percebemos mais ainda como tais ferramentas permitem que muitos trabalhos sejam feitos à distância, totalmente automatizados. Assim, é justo afirmar que vivemos na era da informação, pois, como os trabalhos braçais já foram ou estão sendo substituídos por máquinas, tudo que resta para ser feito é o controle de dados, sejam eles novos ou antigos. Ao mesmo tempo que a tecnologia nos libertou de trabalhos cansativos de subsistência e permitiu que possamos aproveitar entretenimento nunca antes visto, tornamo-nos extremamente dependentes — boa parte de nossas vidas se passa através de mundos inteiramente algorítmicos.

Com tecnologias digitais cada vez mais poderosas e um entendimento maior das questões físicas, biológicas e psicológicas pela ciência, estamos entrando em uma nova revolução industrial e tecnológica de ponta. A criação de novas inteligências, como a inteligência artificial, juntamente à tentativa de integração de conteúdos inteiramente digitais com informações biológicas e físicas, pode gerar, em pouco tempo, um mundo totalmente diferente daquele com que estamos habituados, da mesma forma como alguém que viveu no século XV ficaria abismado com o mundo contemporâneo.

Não podemos prever como será o futuro, mas o que se percebe cada vez mais é que será progressivamente dominado pela tecnologia. O ser humano já desenvolveu máquinas que o superam em aspectos físicos, mas também pode desenvolvê-las em aspectos intelectuais, podendo levar o mundo a um nível de desenvolvimento inimaginável. O que será do homem e sua relação existencial ou cotidiana com essas tecnologias, apenas o tempo dirá.

Referências.

HARARI. Yuval; Sapiens, Uma Breve História da Humanidade. Porto Alegre, RS: L & PM.2016.

HARARI. Yuval; Sapiens, Homo Deus. São Paulo, Companhia de Letras. 2016.

SCHWAB. Klaus, A Quarta Revolução Industrial. São Paulo. 2016.

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Renan Magalhaes
O Veterano

Bacharel de Economia pela EPGE-FGV Rio, gosto de aprender sobre os mais diversos assuntos em um empenho de tentar compreender melhor o mundo e as pessoas