Série Questões Raciais | Racismo Ambiental — De Rosana Fernandes

Porque não existirá um futuro sustentável sem equidade racial?

O Veterano
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5 min readNov 20, 2021

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Foto no Pixabay

Você já ouviu falar sobre o termo racismo ambiental? A reflexão sobre tal tema surgiu a partir dos estudos e pesquisas liderados pelo Dr. Benjamin Franklin Chavis Jr, em 1981. Homem negro, defensor dos direitos humanos e que chegou a ser assistente de Martin Luther King Jr. Ele cruzou dados sobre a relação entre resíduos tóxicos e a população negra norte-americana, a partir disto, trouxe a reflexão sobre mais esta forma de exclusão e discriminação racial.

”Racismo ambiental é a discriminação racial no direcionamento deliberado de comunidades étnicas e minoritárias para exposição a locais e instalações de resíduos tóxicos e perigosos, juntamente com a exclusão sistemática de minorias na formulação, aplicação e remediação de políticas ambientais.”, declarou Dr. Benjamin.

As pesquisas do Dr. Benjamin Chavis serviram para denunciar a exclusão e direcionamento de comunidades étnicas minorizadas para regiões desfavorecidas geograficamente, tornando-as assim mais vulneráveis aos impactos negativos pela ausência de políticas ambientais, por exemplo.

A discriminação racial e o meio ambiente

Como exemplos da exclusão sistemática gerada pelo racismo ambiental temos casos recentes, deste ano de 2021, como o da contaminação da água por chumbo na comunidade de Benton Harbor, cidade que fica a apenas 160 Km de Chicago e possui 85% da população negra, que foi historicamente conduzida para áreas mais danificadas pela exploração, desenvolvimento industrial e consequentemente, contaminações tóxicas.

Essa realidade não é uma exclusividade norte-americana, no Brasil, onde de acordo com dados do IBGE (2018), pretos e pardos permaneciam entre os 75,2% mais pobres, vê-se a mesma consequência: a manutenção da população negra como maioria entre moradores de regiões periféricas, onde há significativo impacto da ausência de efetividade de políticas públicas em prol da qualidade de vida e moradia digna.

Conforme dados do ranking de saneamento básico 2019, realizado pelo Instituto Trata Brasil, o país ainda possui 35 milhões de pessoas sem acesso à água tratada; 47,6% da população, o equivalente a 100 milhões de pessoas sem coleta de esgoto.Além disso, apenas 46% do esgoto produzido no país vem sendo devidamente tratado.

Apesar destes marcos atingirem a população como um todo, não há como não racializar o debate. É preciso levar em conta a presença majoritária da população negra justamente nestes espaços de exclusão socioeconômica e ambiental, pois como maioria na base da pirâmide social e econômica, uma das principais consequências é a concentração desta parcela da população em áreas periféricas, favelas e também em cenários de maior vulnerabilidade social, como a população de rua.

Além da situação urbana, também não podem ser esquecidas as condições de vulnerabilidade e exclusão ambiental às quais estão submetidas populações indígenas e comunidades tradicionais quilombolas, que presenciam invasões e vivenciam negligências ambientais como as geradas pela exploração de minérios, desmatamento e impactos da poluição de rios.

Conforme apontado pela Ong SOS Mata Atlântica, em 2016, um mapeamento em 111 rios brasileiros classificou a qualidade da água como ruim ou péssima para quase 24% deles, impedindo assim o aproveitamento de recursos hídricos para consumo humano e até mesmo para irrigação de lavouras, o que reflete diretamente sobre o dia a dia desta parcela da população negra quilombola e indígena.

Sem atenção e cuidado com o meio ambiente e garantia de dignidade e condições básicas para sobrevivência destas comunidades, mais uma vez expõe-se negros e indígenas ao risco iminente de extinção socio cultural. Não enxergar a importância e não racializar o debate também sobre o cuidado com estes territórios é assumir o compromisso de que estas vidas e esta cultura não importa para a sociedade.

Porque é urgente falar sobre racismo ambiental atualmente?

Em tempos de debates sobre sustentabilidade e da realização da Cop26 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2021), onde governos tratam sobre compromissos coletivos para redução das emissões de carbono e ações preventivas para redução do aumento da temperatura global; é importante fortalecer a consciência de que o cuidado com o meio ambiente e ações de sustentabilidade precisam estar atreladas também ao cuidado e promoção de equidade racial.

Isso porque, como já vem acontecendo, conforme os exemplos trazidos aqui, inúmeros outros casos por todo o mundo e levantamentos apontados pela ONU o maior impacto sobre as mudanças climáticas seguirá recaindo sobre populações mais vulneráveis, compostas principalmente por grupos étnicos minorizados, históricamente discriminados e ainda impactados pela cultura exploratória e colonialista.

Enquanto as relações de capital ditarem uma hierarquia e supremacia hegemônica branca, ainda inspirada nos princípios colonizatórios, onde vencem aqueles que possuem mais capital para comprar e ocupar territórios hoje com melhores condições sanitárias e. futuramente, os territórios com menor impacto sobre as mudanças climáticas, com climas mais amenos, acesso a melhores recursos naturais e hídricos, os dilemas e diferenças sociais também tendem a se expandir, fazendo crescer disparidades econômicas e raciais.

Ao debater sobre o meio ambiente e a união de esforços para preservação e sustentabilidade, é preciso tratar sobre a democratização do acesso a espaços, urbanos ou não, por todos os povos.

Globalmente é preciso tratar sobre a preservação da biodiversidade, cuidados e preservação de direitos sobre territórios e culturas de povos originários, bem como de comunidades tradicionais quilombolas. É preciso revisar políticas de saneamento público e desenvolvimento urbano em comunidades periféricas, para garantir equidade de direitos e garantia de sobrevivência para a população negra e indígena.

Por fim, destaco que é preciso ceder espaço para falas e perspectivas de protagonistas negros para auxiliar na mudança de perspectiva e inclusão global, construindo um verdadeiro cenário de equidade de vozes e construção de soluções, que permitam combater o apartheid climático moderno; um futuro que está cada vez mais presente, onde se destacam realidades de escassez de recursos, aumentam os conflitos, cresce a ausência de comida e os impactos diversos em todas as regiões mundiais, refletindo econômica e socialmente em toda a população.

Construir soluções efetivas para o bem de todos, todas e todes, precisa passar pela compreensão e aceitação das diferenças de raça e classe. Somente assim será possível promover uma visão de equidade global e real sustentabilidade.

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O Veterano é um jornal estudantil criado por alunos da Escola Brasileira de Economia e Finanças em 2020.