Série Re(vira)volta da Vacina | Considerações finais da série

Por Aron Giovanni Oliveira, Heloísa de Souza Rocha, Leonardo Maia do Carmo, Luiza Botelho, Maria Julia de Moraes Atty, Paulo Henrique da Silva, Raquel Porto e Renê Bastos Ventura

O Veterano
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5 min readDec 15, 2021

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Foto do Arquivo da FGV CPDOC

“O governo federal não obrigará ninguém a tomar essa vacina”, afirmou o presidente da República Federativa do Brasil, Jair Messias Bolsonaro (PL), em 19 de outubro de 2020. Nessa mesma data, de acordo com o consórcio de veículos de imprensa, o Brasil totalizava 154.226 mortes causadas pela COVID-19 desde o início da pandemia, e a corrida científica pela disponibilização de um imunizante seguro e eficaz contra a doença se dava com urgência.

É sobre essa suposta defesa pela liberdade individual do cidadão brasileiro, de escolher por se vacinar ou não, que se sustenta a atuação do governo federal diante da pandemia de COVID-19. Na atualidade pandêmica, negacionismo e notícias falsas são utilizados para confrontar recomendações cientificamente embasadas, como é o caso da vacinação, de modo que parta do próprio Estado a adoção de um discurso que visa desestimular os brasileiros a aderirem às campanhas de imunização contra o novo coronavírus.

Frente às decisões do governo federal brasileiro, alguns governos estaduais e municipais, dentro de suas prerrogativas legais, impõem meios alternativos de obrigatoriedade da vacinação. Na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, foi instituído o “passaporte da vacina”. Conforme levantamento realizado, essa medida alternativa à imunização obrigatória já foi adotada, até novembro de 2021, em quase 400 municípios brasileiros. Com o ‘passaporte da vacina’, as pessoas ficam obrigadas a apresentar comprovante de vacinação para usufruir de determinados serviços (transporte público, atendimento público em órgãos governamentais, etc.) e locais (academias, bares, hotéis, restaurantes etc), variando o grau das exigências e limitações em cada estado e município.

Em contrapartida à postura do governo federal atual de não tornar obrigatória a imunização contra o SARS-CoV-2, foi o próprio Estado, respaldado pela decisão favorável do Congresso Nacional, que instituiu – mediante lei – a vacina obrigatória contra a varíola em meio à epidemia da doença em 1904. A insatisfação popular contra a medida sanitária proposta tomou forma de protestos e resultou na conhecida Revolta da Vacina. Naquela época, a Igreja Positivista do Brasil mantinha um discurso semelhante ao do governo federal da atualidade e manifestava pela revogação da imunização como obrigatória e pela dita liberdade de escolha do indivíduo em querer ou não se vacinar.

No passado, havia a disseminação de uma informação falsa, e até certo ponto cômica, de que a vacinação contra a varíola seria capaz de deixar com feições bovinas aqueles que fossem se imunizar. Esse receio – infundado cientificamente – foi repercutido em razão de o imunizante ter em sua composição o líquido de pústulas de vacas doentes. Atualmente, não é difícil visualizar hipóteses sem lógica alguma de eventuais reações da vacina contra COVID-19; Jair Messias Bolsonaro, por exemplo, associou, mentirosamente, o ato de imunização contra o novo coronavírus à possibilidade de “virar jacaré”, já que os laboratórios fabricantes da vacina não se responsabilizam por possíveis efeitos colaterais. A partir dessa fala de Bolsonaro, entende-se que o presidente expressa uma visão de mundo específica: a visão dos grupos antivacina, que questionam a eficácia e a segurança das vacinas e entendem o imunizante como sendo prejudicial à saúde e capaz de alterar as características biológicas do indivíduo. Características como estas trazem a possibilidade de se pensar, em perspectiva comparada, a Revolta da Vacina em paralelo ao movimento antivacina atual.

Em 1904, o discurso da Igreja Positivista do Brasil contra a vacinação obrigatória para conter o surto de casos de varíola foi endossado por parlamentares, veículos de imprensa e um grande número de pessoas das camadas populares da sociedade brasileira. Toda essa mobilização contrária à política sanitária de imunização compulsória surtiu efeito e resultou na conhecida Revolta da Vacina. Os. revoltosos da época constituíram uma sólida insatisfação, que desafiou a imposição governamental e culminou na revogação da legislação que instituiu a obrigação de se vacinar contra a varíola.

Hoje, porém, o movimento antivacina no Brasil não tem o mesmo impacto de mobilização. Mesmo com o próprio presidente Bolsonaro e personalidades políticas, figuras midiáticas e seus apoiadores estimulando desde o início da pandemia a desconfiança para com a vacina contra a COVID-19, sua procedência e sua eficácia, o povo brasileiro é o que apresenta menor percentual de rejeição à vacinação quando comparado com a população dos demais países latino-americanos, conforme pesquisa do Banco Mundial.

Mesmo com o boicote governamental pela vacinação anticoronavírus, a pesquisa de um órgão da Fiocruz, evidenciou que, ainda em janeiro de 2021, quando a vacinação dava seus primeiros passos no país, nove em cada dez brasileiros já manifestavam a vontade de se vacinar contra a COVID-19. Ainda com as adversidades impostas pelo governo federal no combate à pandemia de COVID-19, o Brasil é considerado uma importante referência no quesito vacinação. O reconhecimento, por parte de grande parte da população, da importância da imunização pode ser analisado a partir do histórico brasileiro de sucesso em combater outras doenças a partir de uma ampla cobertura vacinal. No país, a poliomielite e a varíola são exemplos de doenças que foram erradicadas graças aà políticas de imunização bem- implementadas. O Programa Nacional de Imunização (PNI), que garante a abrangência da cobertura vacinal de diversas doenças em todo o território nacional, foi instrumento essencial para se garantir a ampla cobertura vacinal que barrou o avanço da pandemia do vírus H1N1 em 2010, por exemplo.

Ditos populares como o “de graça, até vacina na testa” explicitam como a política de imunização no Brasil é inerente ao cotidiano da população. Mesmo com o movimento antivacina contando, hoje, com representação no mais alto cargo do Poder Executivo nacional, a sociedade brasileira persevera no avanço da imunização. O início da segunda quinzena de novembro de 2021, por exemplo, foi marcado pela superação da marca de 60% dos brasileiros com quadro vacinal completo contra o novo coronavírus.

Destaca-se que a vacinação está surtindo efeitos positivos no país. Dados da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) mostram que, conforme a vacinação avança, o número de óbitos diários no país regride continuamente.

Ao longo dos cinco textos desta série, buscamos trazer contextualizações acerca da Revolta da Vacina e, do impacto do discurso da Igreja Positivista do Brasil neste episódio histórico do passado brasileiro, compreendendo também características, semelhanças e diferenças com a contemporaneidade pandêmica. A partir disto, é interessante observar que existem rupturas e continuidades na história brasileira, o país continua com elementos que conectam a Revolta da Vacina ao movimento antivacina contemporâneo, mas também demonstra que existem características exclusivas ao momento atual de pandemia.

Pensando na situação contemporânea, a vacinação é a alternativa mais viável para se pensar em dias melhores, por isso, escolha se vacinar! Se você tomou a primeira dose, volte para tomar a segunda e até mesmo a dose de reforço quando puder! Vacinas salvam vidas!

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O Veterano é um jornal estudantil criado por alunos da Escola Brasileira de Economia e Finanças em 2020.