Salles de saída

Lilian Kingston Freitas
O Veterano
Published in
5 min readJun 30, 2021
Foto disponível no Unspash

“Sai o operador, fica o mandante”, escreveu Marina Silva, política e ambientalista brasileira, sobre a saída de Ricardo Salles do posto de Ministro do Meio Ambiente. Em artigo da Opinião do Globo, a equipe de jornalistas da publicação mais lida no país escreveu que “Salles era só um coadjuvante […] o ministro é Bolsonaro”. Tanto Marina quanto os redatores d’O Globo apresentam a opinião de que a saída de Salles do comando do Ministério da Saúde, paralelamente à permanência de Bolsonaro no mais alto cargo de comando do governo, não trará avanços significativos nos quesitos de preservação ambiental e desenvolvimento sustentável no país.

De fato, de que serviria ter deposto Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda da Alemanha, se Adolph Hitler tivesse sido mantido no poder? Simplesmente, o “mandante” encarregaria outro “operador” do cargo, isso é, Hitler alocaria alguma outra pessoa na chefia do Ministério da Propaganda e, sob o mando do Füuhrer, o novo ministro decretaria medidas alinhadas com aquelas do antecessor, o qual também obedecia ao ditador. No cenário brasileiro, teme-se que a deposição de Ricardo Salles e alocação de Joaquim Leite no Ministério não provoque uma mudança no rumo desastroso da política ambiental nacional, uma vez que o novo ministro ainda está sujeito a Bolsonaro e, nessa perspectiva, Marina escreve: “Sai o operador, fica o mandante”.

No entanto, temos motivos para acreditar que a política ambiental brasileira possa tomar um novo rumo com essa mudança na direção do Ministério. No momento, o presidente está sob pressão interna e externa para adotar políticas de conservação ambiental e de estímulo à sustentabilidade – internamente, por parte do empresariado brasileiro com clientes no mercado exterior e, externamente, por parte de governantes europeus e do recém-eleito presidente norte-americano. Embora o presidente esteja sob escrutínio sobre a gestão ambiental do governo desde os primeiros meses em que esteve em ofício, a pressão internacional foi intensificada recentemente, por causa da troca presidencial nos Estados Unidos. Consequentemente, a pressão interna, exercida por empresários brasileiros com clientela norte-americana, também intensificou-se. Mais e mais, a coação para uma gestão marcada por mais responsabilidade socioambiental pesa sobre o governo brasileiro.

Faz muito tempo que a administração bolsonarista angaria críticas e demandas de mudança na pauta ambiental. Para rememorar alguns dos motivos de condenação da gestão do meio ambiente do atual governo, o aumento de 145% das queimadas na Amazônia no primeiro ano do presidente em ofício, a triplicação dos alertas de desmatamento em menos de um ano de governo e o discurso contraditório e negacionista de Bolsonaro na ONU são alguns exemplos. Entretanto, ao longo dos primeiros dois anos de presidência de Jair Bolsonaro, o presidente norte-americano foi Donald Trump, um político de potencial ambiental devastador, alinhado ao desdém bolsonarista pela preservação da biodiversidade e pela cautela com a sustentabilidade ecológica. Diferentemente, o atual presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, não corrobora esse descaso.

Certamente, o “estilo” da relação diplomática estadunidense-brasileira do novo governo difere da do antecessor, principalmente no quesito ambiental. Na campanha presidencial de Joe Biden, o então candidato, frente aos recordes de desmatamento e de queimadas na Amazônia, prometeu agir pela proteção da floresta brasileira e, mais amplamente, prometeu pressionar o governo bolsonarista pelo desempenho de uma gestão ambiental mais voltada para a sustentabilidade – uma promessa que o presidente norte-americano está cumprindo. E, com maior pressão estadunidense na implementação de políticas ambientais, aumenta a coação do empresariado brasileiro, que exporta anualmente quase 30 bilhões de dólares de produtos aos americanos, pela maior responsabilidade governamental na gestão do meio ambiente.

Recentemente, um grupo com mais de 170 empresários e intelectuais do país enviou uma carta ao presidente da Câmara dos Deputados, Artur Lira, tratando do retrocesso ambiental do governo bolsonarista. Dessa vez, o assunto motivador da carta foi a crise hídrica, mas vale lembrar que houve muitos documentos escritos pelo empresariado anteriormente com críticas à administração governamental de Bolsonaro, como a carta enviada por empresários ao vice-presidente Hamilton Mourão, em reprovação ao desmatamento ilegal na Amazônia. Assim como as correspondências anteriores, o documento enviado na última semana ao presidente da Câmara dos Deputados tem um objetivo claro: demonstrar aos consumidores internacionais – em especial, europeus e norte-americanos – a oposição do empresariado brasileiro ao governo de Bolsonaro, um presidente que despreza a preservação ambiental.

Além de o “fator Biden” ter impactado o governo brasileiro, ao provocar a realização de maior pressão internacional e nacional por políticas ambientais mais responsáveis no país, um outro fator que pode ser determinante para o redirecionamento da gestão ambiental da administração bolsonarista reside na proximidade das eleições presidenciais de 2022. Na última corrida eleitoral, Jair Bolsonaro contou com apoio considerável do empresariado, mas este não irá apoiá-lo nas próximas eleições caso tê-lo como presidente implique em uma redução do mercado consumidor internacional interessado em comprar produtos brasileiros. Tendo isso em vista, está no interesse de Bolsonaro tomar alguma medida – mesmo que essa medida seja a implementação de políticas de proteção ao meio ambiente, a qual o presidente demonstrou menosprezar – para angariar votos de empresários e, assim, manter-se no poder.

Levando em consideração a maior pressão nacional e internacional exercida sobre o governo bolsonarista e o interesse do presidente de manter-se no poder nas eleições vindouras, temos motivos para acreditar que a política ambiental brasileira possa tomar um novo rumo com essa mudança na direção do Ministério. Embora a substituição de Ricardo Salles por Joaquim Leite na chefia do Ministério do Meio Ambiente possa ter sido uma “troca de seis por meia dúzia” – isso é, talvez o novo ministro tenha tanto descaso pela proteção ambiental como aquele que o antecedeu – a ocorrência de mudanças no Ministério é motivo de esperança.

Nós, enquanto população brasileira, podemos esperar que a troca na chefia do Ministério do Meio Ambiente traga mudanças significativas na gestão ambiental no país. Não tenhamos a esperança falsa de que Joaquim Leite vai ser capaz de conduzir a política. ambiental de forma mais responsável que Ricardo Salles, mesmo que o novo ministro tenha uma mentalidade mais orientada para a sustentabilidade que o antecessor, pois o Ministério ainda estará sob mando de Bolsonaro – como Marina Silva escreveu, e cito mais uma vez, “Sai o operador, fica o mandante”. Entretanto, temos motivos para ter esperança de mudança no rumo da administração ambiental no país. Devido ao “fator Biden” e às eleições de 2022, é possível que o próprio Bolsonaro queira assumir uma postura mais responsável com relação a questões ambientais, isso é, o “mandante” pode vir a mandar o “operador” a fazer diferente.

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