Teoria do Equilíbrio Geral e Sinergia Ambiental

Lilian Kingston Freitas
O Veterano
Published in
4 min readNov 5, 2020
Fotografia da National Geographic

Incessantemente, o homem tenta compreender a realidade ao seu redor. Com esse fim, diagramamos e criamos esquemas – desde a teoria atômica, voltada para a compreensão material do mundo, à epistemologia, uma tentativa de compreender o conhecimento em si. Dentre as teorias desenvolvidas, uma, em particular, tem fama no universo da Economia: a Teoria do Equilíbrio Geral. Por meio dessa, Léon Walras – bem como incontáveis economistas que o sucederam – estudou a interação entre ofertantes, demandantes e preços em uma economia de vários mercados interagentes, com o intuito de provar que a interação entre demanda e oferta resulta no equilíbrio econômico. Entretanto, tendo em vista ser toda construção teórica uma simplificação da realidade, não surpreende que a teoria de Walras nunca tenha sido plenamente observada na prática.

Atualmente, não somente o mercado não está em equilíbrio, mas também o meio ambiente. De forma simples, o desequilíbrio ambiental pode ser apresentado como a consequência de alterações que perturbam o estado de equilíbrio ecossistêmico, a sinergia ambiental. Nesse sentido, o ser humano tem um papel significativo como propulsor da instabilidade. Entretanto, de quem é a responsabilidade – do consumidor ou do ofertante desses produtos que nos tiram do equilíbrio?

Em verdade, ambos desempenham um papel importante na preservação da sinergia ambiental. Por um lado, consumidores devem optar pela compra de produtos com menor potencialidade de geração de danos ao ecossistema, colaborar com a gestão dos resíduos e com sistemas de logística reversa implantados. Por outro, cabe às empresas serem transparentes sobre o compromisso que têm com governança, sociedade e meio ambiente, bem como orientar os clientes quanto à forma indicada de uso de determinado bem e o descarte apropriado desse. Assim, o equilíbrio ambiental pode ser analisado no viés econômico: a estabilidade requer interação entre demandantes e ofertantes, assim como o Equilíbrio Geral de Walras.

Ao trazer essa perspectiva para a análise de eventos correntes, é evidente a culpabilidade de consumidores e empresários em relação às queimadas recentes no Pantanal. Embora a ocorrência das mesmas seja um fenômeno natural, a grande quantidade ocorrida neste ano é um ponto fora da curva da normalidade ecossistêmica e, portanto, configura um desequilíbrio ambiental. Ao promover incêndios arbitrariamente, o ser humano se configura como desencadeador da instabilidade.

O uso do fogo como processo de limpeza de áreas naturais é uma tradição milenar. Com efeito, o processo de colonização da Amazônia esteve intensamente atrelado a essa prática, desconsiderando os cuidados e a conexão – por vezes religiosa – dos indígenas com a terra. Como consequência, o desflorestamento passou a configurar o maior problema ambiental amazônico, com mais de 76 milhões de hectares devastados. Essa situação se estende ao Pantanal, com quase um quinto de seu território de 15 milhões de hectares afetado pelo fogo, bem como aos demais biomas do Brasil sobre os quais a agricultura, a pecuária e a atividade madeireira avançam.

Entretanto, vezes e vezes, a ineficiência das queimadas foi evidenciada. Em uma pesquisa da Embrapa, pesquisadores e agricultores estabeleceram um processo de preparo da terra denominado Roça Sem Fogo: demarcação da área, inventário das espécies de interesse econômico, corte da vegetação lenhosa e picotamento da galhada para proteger o solo, aceiro para prevenção de queimadas descontroladas, abertura de covas e plantio da mandioca. Em comparação com os indicadores do sistema convencional de derrubada e queima, essas práticas agrícolas apresentaram diversos ganhos nas esferas social, econômica e ambiental.

Contudo, a prática de atear fogo à vegetação com intuito de criar espaço para a agricultura, pecuária e atividade madeireira ainda perdura, sendo muitas as consequências negativas dessa atividade. No viés biológico, os efeitos imediatos do aumento de temperatura podem ser fatais para a vegetação e para animais locais, além da queima do combustível transformar a biomassa em fumaça e cinzas. As consequências políticas do desflorestamento, das emissões de carbono e da perda de biodiversidade atreladas às queimadas consistem no distanciamento diplomático do Brasil em relação às potências europeias e às demais nações assinantes de acordos internacionais de proteção ambiental. Economicamente, ademais, não só as empresas domésticas têm o mercado consumidor a seu alcance limitado, por conta de boicotes internacionais, como também o potencial econômico da rica biodiversidade dos biomas brasileiros permanece desconhecido.

A resposta para o problema das queimadas é clara: a sustentabilidade no consumo, com a seleção criteriosa por parte dos consumidores de quais fornecedores irão apoiar. Assim, cabe ao consumidor tomar escolhas ecologicamente conscientes, optando por produtos e serviços que não lancem mão da queima de áreas naturais para clareamento de espaço rural em sua produção. Para possibilitar a tomada de ação consciente da massa consumidora, é necessária a transparência sobre o processo produtivo por parte dos agricultores, pecuaristas, madeireiros, empresários e fornecedores de serviços. Somente por meio da interação transparente entre ofertantes e demandantes é possível orientar o consumo para a sinergia ambiental.

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