Tsunami à la brasileira

Lilian Kingston Freitas
O Veterano
Published in
4 min readJan 28, 2022
Foto do Unspash

É improvável que um adulto não esteja ciente do caráter globalizado da contemporaneidade. A saber, o termo globalização retrata o processo de intensificação da integração econômica e política internacional, acompanhado. por progressos significativos nos sistemas de transporte e de comunicação. Notadamente, a pandemia da COVID-19 reflete esta globalização atual. Afinal, a disseminação mundial do coronavírus foi sustentada por fluxos de transporte internacional muito movimentados, e a extensão da propagação do vírus foi prontamente documentada por agências de comunicação internacionais, de modo a comprovar a dinamicidade dos sistemas de transporte e comunicação no âmbito mundial. Além disso, políticas sanitárias e econômicas nacionais voltadas para a contenção da doença dentro do território nacional tiveram repercussões nos mais diversos países, retratando o entrosamento econômico e político internacional.

A globalização, nesse sentido, é certamente um marco da contemporaneidade. Entretanto, há outra forma de integração global que caracteriza não somente os dias atuais, mas todo o tempo deste planeta: o caráter globalizado do meio ambiente. Nenhum fenômeno natural decorre de modo compartimentado, restrito a fronteiras nacionais. Dessa forma, as repercussões de catástrofes naturais têm escopo mundial, independentemente de onde tenha transcorrido o evento deflagrador em questão. Recentemente, a erupção do vulcão Hunga-Tonga-Hunga-Ha’apai, remotamente situado no Pacífico Sul, teve impactos significativos no Japão, na Nova Zelândia, no Peru e até nos Estados Unidos, reafirmando o marco globalizado do meio ambiente.

Indiscutivelmente, o país mais extensivamente impactado pela mais recente erupção do vulcão Hunga-Tonga-Hunga-Ha’apai foi Tonga, um arquipélago polinésio localizado no Pacífico Sul. A erupção do dia 15 de janeiro acarretou um tsunami na maior ilha de Tonga, Tongatapu, que teve ondas registradas de 1,2 metros, perto da cidade de Nuku’alofa. Houve “impacto significativo” em diversas cidades do país, com barcos e pedregulhos depositados na costa, estradas costeiras atingidas e propriedades inundadas. Para reparar os locais afetados, alguns edifícios comerciais ao longo da costa necessitam de reparos e as praias demandam limpeza extensiva. Até o momento, a extensão absoluta dos danos permanece incerta, dado que o tsunami danificou os meios de comunicação do país, particularmente nas ilhas mais periféricas.

De mais a mais, os impactos da erupção não se restringiram a Tonga e outras nações insulares do Pacífico, como Fiji, Samoa e Vanuatu. Alertas de tsunami foram emitidos em diversos países com costa no oceano Pacífico, como Nova Zelândia, Japão, Peru e Estados Unidos. Na Nova Zelândia, a Agência Nacional de Gerenciamento de Emergências comunicou o risco de correntes fortes e incomuns e de ondas imprevisíveis na costa. No Japão, a cidade de Iwate registrou ondas de 2,7 metros, e vários tsunamis menores terem sido relatados em outros locais. Nos Estados Unidos, o escritório do Serviço Nacional de Meteorologia de San Diego computou ondas de 3 e 4 pés de altura, isto é, de 91 centímetros a 1,2 metros. No Peru, dois afogamentos sucederam as ondas anormalmente grandes decorrentes da erupção.

Ainda mais, a erupção não somente teve efeito sobre países da Ásia, da Oceania e do leste das Américas, mas também sobre países que nem sequer têm litoral no Pacífico. Surpreendentemente, o Brasil esteve entre os afetados por este fenômeno. O tsunami provocado a partir da erupção vulcânica promoveu uma elevação no nível do mar brasileiro, conforme constatação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A Estação Maregráfica de Arraial do Cabo, no Rio de Janeiro, registrou que o nível do mar na costa brasileira subiu 8 centímetros além do previsto. Para especialistas, esses centímetros são “uma discrepância significativa entre a previsão astronômica de maré e a altura do nível d’água do local”.

Foto do Unspash

Vale apresentar o intervalo de tempo entre a ocorrência da erupção vulcânica e a observação de alterações do nível do mar: 17 horas. Apenas a título de curiosidade, podemos comparar este tempo com a duração de um voo do Rio de Janeiro, no Brasil, a Nuku’Alofa, em Tonga: de 12 a 13 horas. Assim como passageiros de longas viagens de avião costumam se sentir esgotados ao fim do translado, também o mar foi drenado de energia com a trajetória de Tonga ao Brasil. Afinal, nas primeiras horas do percurso marítimo, o mar conturbado disparou ondas de muitos metros de altura em várias direções, mas, 17 horas e mais de 13 mil quilômetros mais tarde, só foi capaz de fazer alguns centímetros de diferença. Metaforicamente, nem o oceano conseguiu escapar do jet-lag.

--

--