Um vírus, um ministro e um presidente por trás da queda do Ibovespa

A repercussão da preocupação internacional com o coronavírus, do problema fiscal do Brasil e das eleições americanas sobre o desempenho da bolsa de valores brasileira

Lilian Kingston Freitas
O Veterano
4 min readOct 5, 2020

--

Foto disponível no Unspash

Com disciplina e paciência, é impossível perder em ações”, segundo Luiz Barsi. Por certo, considerando o significativo desempenho de Barsi na bolsa de valores, é pertinente levar em consideração seu juízo sobre investimentos. Seja dito de passagem, a estratégia desenvolvida por ele para a. aplicação de capital no mercado de ações o levou a ocupar o pódio dos maiores investidores (pessoa física) do Brasil. Entretanto, frente à aceleração da queda do Ibovespa em setembro, dar ouvidos a Luiz Barsi – isto é, ser paciente com seus papéis financeiros – é uma empreitada árdua.

De fato, a B3 vem acumulando quedas capazes de incentivar investidores a se livrarem de suas ações. Neste último mês, o principal índice da bolsa brasileira retraiu 4,80%, em seguida a uma retração de 3,44% no mês anterior. Como fator para o desempenho financeiro insatisfatório, não podemos deixar de abordar a crise internacional de saúde.

A ameaça de uma segunda onda de contágios do vírus e o receio sobre as repercussões negativas dessa ocorrência sobre a economia mundial provocaram uma queda generalizada no mercado de ações. Assim como bolsas estrangeiras, a brasileira também vivencia o ambiente de maior aversão de investidores ao risco. Nesse sentido, a queda do Ibovespa retrata uma tendência global.

Contudo, o mau desempenho da B3 também foi motivado por fatores nacionais. Em particular, duas figuras governamentais têm responsabilidade considerável sobre a queda da bolsa brasileira: o presidente, Jair Bolsonaro, e o Ministro da Economia, Paulo Guedes. Isso porque, durante a pandemia, as medidas econômicas encabeçadas pela equipe de Guedes e respaldadas pelo presidente intensificaram a seriedade do problema fiscal do país.

Se, por um lado, o pagamento do auxílio emergencial a trabalhadores informais e autônomos estimulou o consumo e incentivou a retomada da economia, por outro, ampliou substancialmente a dívida pública. De fato, a estimativa para o déficit primário do setor público consolidado para este ano é de R$ 708,7 bilhões, valor equivalente a 9,9% do PIB, enquanto o déficit do ano anterior foi de R$ 61,9 bilhões, correspondente a 0,9% do PIB. Entretanto, o engrandecimento da dívida pública em meio à pandemia não ocorreu unicamente no Brasil, tendo em vista que muitos países europeus estabeleceram medidas similares neste período – o diferencial brasileiro é a incerta capacidade financeira do país.

Quanto ao controle da situação fiscal de países desenvolvidos, investidores têm preocupações muito menores que em relação a capacidade financeira de países em desenvolvimento. Particularmente, no caso brasileiro, o vencimento de uma parcela significativa da dívida do governo em breve soa alarmante e, considerando o aumento das dificuldades da rolagem da dívida, levanta dúvidas sobre a competência do país de controlar o problema fiscal. Tendo isso em vista, o aumento de gastos governamentais com o pagamento do auxílio emergencial cria uma perspectiva de aumento do risco Brasil e acarreta a fuga de investidores.

Nessa perspectiva, a proposta de Paulo Guedes de criação de um programa de renda básica para os brasileiros, compreendida como uma forma de continuidade do auxílio emergencial, apresenta a perspectiva de ainda maior ampliação da dívida pública e, consequentemente, repele investimentos. Além do mais, a recente divulgação da intenção de financiar a Renda Cidadã com recursos do Fundeb e precatórios teve repercussão muito negativa para a equipe econômica, acusada de “contabilidade criativa”. Considerando todas as críticas e discussões acerca do programa, a preocupação e receio de investidores da B3 cresce a cada pronunciamento de Guedes.

Não somente as declarações do Ministro da Economia despertam insegurança no mercado brasileiro de ações, como também os pronunciamentos do Presidente. Notoriamente, os depoimentos de Bolsonaro não têm uma boa repercussão política ou econômica. Nesse sentido, o discurso presidencial na Assembleia Geral da ONU em setembro, no qual Bolsonaro fez alegações sobre o combate ao crime ambiental com dados enganosos, teve consequências nocivas à imagem internacional do país. Posto isso, a desconfiança internacional na liderança política do Brasil é, também, um fator para o mau desempenho da bolsa brasileira.

Ainda por cima, a afinidade das figuras presidenciais brasileira e estadunidense, a qual já impulsionou a economia brasileira em momentos anteriores, configura, atualmente, mais uma das causas para a queda do Ibovespa. A saber, Bolsonaro tem uma estima evidente por Donald Trump, o atual presidente americano, e firmou laços políticos e econômicos entre o Brasil e os Estados Unidos. Anteriormente, o vínculo entre os países transmitiu ao mercado a sensação de impulsionamento da economia brasileira, graças à aliança estratégica estabelecida. No entanto, a ligação entre os presidentes teve o efeito oposto no último mês, com a proximidade das eleições americanas, repercutindo negativamente sobre a bolsa de valores brasileira.

Em verdade, o elo de Bolsonaro a Trump, bem como sua postura negacionista frente à seriedade do crime ambiental, tornam o presidente brasileiro uma figura com a qual Joe Biden não pretende manter uma parceria, caso assuma a presidência norte-americana. Tendo em vista a liderança do candidato democrata frente ao atual presidente estadunidense nas pesquisas de intenção de voto, o vínculo brasileiro-americano pode estar sendo ameaçado. Como consequência, a perspectiva dos investidores quanto ao desempenho econômico das firmas estabelecidas no Brasil tende ao pessimismo.

Sumariamente, a queda do Ibovespa, o “termômetro do mercado acionário brasileiro”, reflete o cenário internacional, marcado por apreensão frente à possibilidade de uma segunda onda do coronavírus, e a conjuntura nacional, com o aumento do risco do país em decorrência da postura do Ministro da Economia e do Presidente. De fato, a ameaça de perda de valor no mercado acionário, a qual sucumbiu a bolsa de valores brasileira, convive com a promessa de ganhos financeiros que motiva a compra de ações. Nas palavras de Warren Buffet, “O amanhã é sempre incerto” na bolsa de valores. Considerando a oscilação do mercado, quem saberá se outubro trará notícias de mais uma queda do Ibovespa como a de setembro?

--

--