A Inquisição e a presença judaica no Brasil

Inês Barreto
O Voo da Bruxa
Published in
3 min readApr 2, 2022

Uma das etnias que chegou no Brasil logo no começo do domínio português foram os judeus. Vindos sob o título de cristãos-novos, ou seja, de recém convertidos, chegaram por aqui ainda no século 17, por conta dos conflitos étnicos e da Inquisição na Península Ibérica.

Reprodução de uma bandeira da Inquisição no Museu Judaico de São Paulo

Durante boa parte da Idade Média, os reinos da Península Ibérica foram considerados locais relativamente pacíficos e tolerantes, onde judeus, cristãos e muçulmanos conviviam com tranquilidade. Isso começa a mudar a partir do século 13, quando Afonso Henriques é proclamado rei de Portugal e começa sua jornada para expulsar os mouros (ou seja, os islâmicos) do território português e consolidar seu novo reino. Em Aragão e Castela, os principais reinos que formariam a Espanha atual, temos a Reconquista, um longo processo de expulsão das populações árabes que chega ao fim em 1490 com os reis Fernando e Isabel.

Nessa época a Inquisição ibérica já estava em vigor. Ela atinge o seu auge no século 16 e se mantém bastante firme até o século 18. Especialmente em Portugal, os judeus foram bastante perseguidos pela Inquisição e pela justiça da coroa. Eram uma comunidade que estava na Península desde o século I, já bastante estabelecida e, em geral, com boa condição financeira.

Com a conquista Cristã, a tolerância se vai e o cerco contra os judeus também se fecha. Assim, eles foram obrigados a serem convertidos ao Catolicismo, abandonarem seus nomes tradicionais e muitas vezes partirem para as colônias — seja por vontade própria ou, após uma condenação por degredo, a pena de exílio.

Essa história é recontada pela exposição Inquisição e Cristãos Novos, do Museu Judaico de São Paulo. O museu é recente, inaugurado em 2021 e é uma iniciativa da comunidade judaica da cidade.

A exposição sobre os cristãos novos e a presença judaica no período colonial tem um duplo objetivo: lembrar as perseguições antissemitas e chamar atenção para essa presença étnica que ainda é pouco explorada nos estudos sobre os primeiros tempos de colonização. Ela traz reproduções de documentos da época, cronologias e mostra algumas punições e processos. Um dos destaques é a reprodução de um sambenito, o traje que os processados pela Inquisição dos países ibéricos eram obrigados a usar e que é a provável origem do mito do chapéu da bruxa.

Reprodução de um Sambenito

A exposição traz como principal referência a historiadora Anita Novinsky, uma pioneira em buscar a presença judaica na história do Brasil. A professora faleceu recentemente, em 2021, mas deixou uma obra extensa e muito rica. Em um de seus livros, a professora levanta que um dos motivos pelos quais esse tema é pouco estudado é porque mexe com a sensibilidade individual e coletiva de quem foi educado no cristianismo católico. Mas hoje, felizmente, vemos os estudos sobre Inquisição muito mais populares e trazendo à tona muitos desses silêncios da nossa história.

Se você for de São Paulo ou estiver na cidade, recomendo bastante a visita ao Museu Judaico, que tem também outras mostras sobre a vida cotidiana, a presença dos judeus no Brasil durante o século XX e uma mostra de arte contemporânea dedicada a artistas de minorias étnicas — inclusive com representantes de outras etnias, como indígenas.

Para saber mais

Exposição Inquisição e Cristãos Novos no Brasil. Museu Judaico.

Livros da Anita Novinsky: “A Inquisição” (Coleção Tudo é História da Editora Brasiliense. 1983) e “Viver nos Tempos da Inquisição” (Editora Perspectiva. 2020)

Palestra “Os Judeus e Suas Raízes”, também da profa Anita Novinsky.

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Inês Barreto
O Voo da Bruxa

Redatora e historiadora. Pesquisadora de feitiçarias e macumbas. Mestre e doutoranda em História pela @puc_sp