A Inquisição e a presença judaica no Brasil
Uma das etnias que chegou no Brasil logo no começo do domínio português foram os judeus. Vindos sob o título de cristãos-novos, ou seja, de recém convertidos, chegaram por aqui ainda no século 17, por conta dos conflitos étnicos e da Inquisição na Península Ibérica.
Durante boa parte da Idade Média, os reinos da Península Ibérica foram considerados locais relativamente pacíficos e tolerantes, onde judeus, cristãos e muçulmanos conviviam com tranquilidade. Isso começa a mudar a partir do século 13, quando Afonso Henriques é proclamado rei de Portugal e começa sua jornada para expulsar os mouros (ou seja, os islâmicos) do território português e consolidar seu novo reino. Em Aragão e Castela, os principais reinos que formariam a Espanha atual, temos a Reconquista, um longo processo de expulsão das populações árabes que chega ao fim em 1490 com os reis Fernando e Isabel.
Nessa época a Inquisição ibérica já estava em vigor. Ela atinge o seu auge no século 16 e se mantém bastante firme até o século 18. Especialmente em Portugal, os judeus foram bastante perseguidos pela Inquisição e pela justiça da coroa. Eram uma comunidade que estava na Península desde o século I, já bastante estabelecida e, em geral, com boa condição financeira.
Com a conquista Cristã, a tolerância se vai e o cerco contra os judeus também se fecha. Assim, eles foram obrigados a serem convertidos ao Catolicismo, abandonarem seus nomes tradicionais e muitas vezes partirem para as colônias — seja por vontade própria ou, após uma condenação por degredo, a pena de exílio.
Essa história é recontada pela exposição Inquisição e Cristãos Novos, do Museu Judaico de São Paulo. O museu é recente, inaugurado em 2021 e é uma iniciativa da comunidade judaica da cidade.
A exposição sobre os cristãos novos e a presença judaica no período colonial tem um duplo objetivo: lembrar as perseguições antissemitas e chamar atenção para essa presença étnica que ainda é pouco explorada nos estudos sobre os primeiros tempos de colonização. Ela traz reproduções de documentos da época, cronologias e mostra algumas punições e processos. Um dos destaques é a reprodução de um sambenito, o traje que os processados pela Inquisição dos países ibéricos eram obrigados a usar e que é a provável origem do mito do chapéu da bruxa.
A exposição traz como principal referência a historiadora Anita Novinsky, uma pioneira em buscar a presença judaica na história do Brasil. A professora faleceu recentemente, em 2021, mas deixou uma obra extensa e muito rica. Em um de seus livros, a professora levanta que um dos motivos pelos quais esse tema é pouco estudado é porque mexe com a sensibilidade individual e coletiva de quem foi educado no cristianismo católico. Mas hoje, felizmente, vemos os estudos sobre Inquisição muito mais populares e trazendo à tona muitos desses silêncios da nossa história.
Se você for de São Paulo ou estiver na cidade, recomendo bastante a visita ao Museu Judaico, que tem também outras mostras sobre a vida cotidiana, a presença dos judeus no Brasil durante o século XX e uma mostra de arte contemporânea dedicada a artistas de minorias étnicas — inclusive com representantes de outras etnias, como indígenas.
Para saber mais
Exposição Inquisição e Cristãos Novos no Brasil. Museu Judaico.
Livros da Anita Novinsky: “A Inquisição” (Coleção Tudo é História da Editora Brasiliense. 1983) e “Viver nos Tempos da Inquisição” (Editora Perspectiva. 2020)
Palestra “Os Judeus e Suas Raízes”, também da profa Anita Novinsky.