A origem do chapéu de bruxa

Inês Barreto
O Voo da Bruxa
Published in
2 min readJun 20, 2019

Imagine a cena: os condenados andam em fila rumo a praça, para o julgamento do auto de fé. Apesar dos guardas e padres que garantem que eles não tentem fugir, isso era um tanto impossível de acontecer. Além da debilidade física e da vigilância, eles logo seriam delatados pela multidão por causa dos seus trajes, os tradicionais sambenitos da Inquisição Espanhola.

O nome significa “saco abençoado” e eram roupas especiais destinadas aos acusados pela Inquisição. Primeiramente usados por penitentes católicos, depois adaptados para punir os hereges ou outros criminosos da fé. Sua função básica era humilhação pública: todo mundo sabia que a pessoa tinha sido acusada porque usava aquele traje. Eles tinham diferentes padrões, para crimes e condenações distintas. Por exemplo, negro e com as chamas para baixo, significava que o criminoso ia para a fogueira. Da mesma cor, mas com as chamas para cima, mostrava que ele havia escapado da fogueira. Havia ainda variações de trajes amarelos, com o x da cruz de santo André em vermelho, usado para diferenciar as acusações de judaísmo ou heresias de outras, já que esses eram os réus mais perigosos.

Para alguns delitos considerados menos graves, a punição era usar o traje por um tempo, ou pela vida toda, junto com outras penitências. Algumas dessas infrações incluíam fazer sexo antes do casamento, falar alguma coisa considerada errada, dizer que era melhor ser casado do que ser padre celibatário. Alguns reconciliados pela Inquisição, que eram pessoas que confessaram e se arrependeram, muitas vezes terminavam condenadas a andar com o traje para sempre, mesmo depois de ter cumprido sua pena.

¨Auto de Fé¨, de Velasquez

O que todos tinham em comum é que, em público, os acusados precisavam usar um chapéu cônico, normalmente feito de pano ou de papel, com seus crimes assinalados. Essa é a provável origem do chapéu de bruxa das fantasias. Hoje as pessoas buscam explicações mais bonitas para justificar o chapéu pontudo, dizendo que era um artifício para canalizar energias para o chackra do topo da cabeça. Mas essas ideias só chegam na Europa com influências do orientalismo e do ocultismo do século XIX. As crenças das feiticeiras estavam muito mais ligadas à nudez do que a qualquer tipo de cobertura.

O chapéu pontudo ficou associado às bruxas porque, na memória coletiva, todo mundo processado pela Inquisição era uma feiticeira, mesmo que isso não fosse verdadeiro. Judeus, hereges católicos e protestantes também eram alvos dos trajes santos. Eram eles os principais condenados nos autos de fé e serviam de exemplo aos cristãos para não se desvirtuarem dos caminhos que a igreja gostaria que eles seguissem. E essas estratégias eram bem úteis, já que a Inquisição Espanhola foi uma das mais duradouras e que mais gerou riqueza para os reis de Castela e Aragão.

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Inês Barreto
O Voo da Bruxa

Redatora e historiadora. Pesquisadora de feitiçarias e macumbas. Mestre e doutoranda em História pela @puc_sp