As cartas que não mentem jamais

Inês Barreto
O Voo da Bruxa
Published in
3 min readApr 3, 2022

A cartomante é uma figura que está na nossa imaginação — e talvez até na nossa vizinhança. Com certeza perto de onde você mora tem uma casa com uma plaquinha avisando a leitura de cartas, ou um cartaz de um poste falando que descobre o passado, o presente e o futuro.

Tarot e Lenormand

A divinação pelas cartas é famosa, mas não é tão antiga quanto parece. O tarot existe desde a Idade Média, mas sua função era de entretenimento. Apesar de muita gente achar que foi criado na Antiguidade, só começou a ser usado como oráculo depois do Renascimento (século 16).

A cartomancia com o baralho cigano é mais recente ainda. Ela surge na França do século 19, impulsionada pela famosa Madame Lenormand. Foi nesse período que os significados oraculares, que já circulavam sobre o baralho comum, passaram a ser ilustrados por figuras — mais ou menos como Barbara Smith fez com os arcanos menores do tarot Waite-Smith.

Marie-Anne Lenormand (no livro “The Court of Napoleon” de Frank Boott Goodrich)

No Brasil

Aqui a cartomancia chega com os imigrantes que aportam durante o Segundo Império, no século 19. Na imprensa do começo do século 20, as cartomantes serão retratadas como mulheres estrangeiras. Muitas delas se apresentavam assim, ou porque eram mesmo ou porque isso traria credibilidade para os clientes, que esperavam uma madame francesa ou italiana do outro lado da mesinha de consultas. Muitas, inclusive, usavam o “Madame” e adotavam um nome afrancesado.

Provavelmente o primeiro livro de cartomancia do Brasil foi o Livro de São Cipriano. A referência à “cartomancia cruzada”, um dos seus principais capítulos, aparece em outros livros e nos jornais, e com certeza ajudou a tornar a prática mais popular. Foi do São Cipriano que saiu o Livro da Bruxa, um produto 100% brasileiro, focado em ensinar a arte do oráculo pelas. Segundo algumas fontes, era o favorito das mulheres que queriam virar cartomantes profissionais.

Profissão: Cartomante

Uma coisa importante a se pensar sobre as cartomantes é que elas eram na verdade trabalhadoras de um mercado completamente informal.

Era difícil para mulheres arrumarem uma forma de renda, especialmente as imigrantes, que tiveram que lidar com muitos obstáculos quando chegaram nas cidades brasileiras. Além disso, era possível conciliar com outro trabalho, ou com o cuidado da família. Assim, a cartomancia era uma fonte de renda, um emprego informal.

O mesmo serve para outros profissionais que atuavam no domínio da magia: feiticeiros, curandeiros, erveiros e outros oraculistas. Não era só uma questão de crença ou de religiosidade, mas também de sobrevivência.

Referências

  • O Clube do Tarot trouxe um pouco da história de Madame Lenormand e sua relação com a cartomancia. Leia aqui.
  • Artigo da historiadora Kathleen de Oliveira sobre as cartomantes no Rio de Janeiro Imperial. Aqui.
  • A tese de Maria Cristina Wissenbach, Ritos de Magia e Sobrevivência - Sociabilidades e Práticas mágico-religiosas no Brasil (1890/1940). Doutorado pela USP, de 1997.
  • Também vale a leitura do famoso conto de Machado de Assis, “A Cartomante”.

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Inês Barreto
O Voo da Bruxa

Redatora e historiadora. Pesquisadora de feitiçarias e macumbas. Mestre em História pela @puc_sp