Carnaval e Sabá: origens que se cruzam

Inês Barreto
O Voo da Bruxa
Published in
4 min readApr 2, 2022

Não há um consenso, mas várias possibilidades. Uma das mais famosas é a de que o Carnaval seja uma herança da Saturnália, o festival romano em honra de Saturno. Diferentemente do Cronos grego que castra o pai e engole os próprios filhos, o Saturno romano era um deus agrícola, ligado ao êxtase e ao vinho, e na sua celebração havia uma inversão de papéis: os escravizados ou servos eram servidos pelos senhores, os papéis e a ordem social deixavam de existir. O mesmo acontecia em algumas celebrações para Dionísio, por isso há ainda uma possibilidade de que essa ideia do carnaval tenha vindo desses cultos.

Segundo algumas teorias sobre o sabá das bruxas, especialmente a teoria da reminiscência de cultos de fertilidade defendida por Carlo Ginzburg, o mito do sabá das bruxas tem bastante influência dessas celebrações. São todos ritos que levam a um estado alterado de consciência e que sugerem uma inversão nas ordens tradicionais. No caso do sabá, um mito já medieval, é a ordem cristã que recebe uma invertida: sem punições, sem moral, onde se cultua o Diabo. Assim como no Carnaval: quem serve é servido, não se trabalha, se bebe à vontade.

O Entrudo português

O Carnaval brasileiro tem origem no Entrudo, uma celebração portuguesa que marca a entrada da Quaresma. Durante alguns dias existe o exagero, a comilança e a inversão da moral, como um momento de expurgo para o período de recolhimento e punição de 40 dias até a Páscoa.

Cada região de Portugal possui alguns costumes para o Entrudo, mas em geral as pessoas saíam fantasiadas e mascaradas em cortejos, tocando música, e jogavam ovos e bolinhas de cheiro umas nas outras. Havia sátiras, casamentos falsos e banquetes. É uma festa caótica e até violenta, que vai assumindo características diferentes em cada região do país.

Apesar de absorvido pela ritualística cristã e celebrado desde o século XIII, quando Portugal já era um estado católico, ele também tem origens pagãs. O período marca o fim do Inverno e a preparação para a chegada da Primavera no hemisfério norte, como um expurgo da época mais fria e difícil do ano.

O Carnaval do Brasil

Os colonizadores portugueses trazem para o Brasil a celebração do Entrudo. Com o tempo, a festa brasileira vai sendo absorvida por toda a população, não só os portugueses. E nos centros urbanos do século XIX, como o Rio de Janeiro (então capital do Império) há a clara divisão: negros livres e escravizados e a população mais pobre, até mesmo branca, brincava nas ruas, com os rostos pintados de farinha e com as tradicionais bolinhas coloridas; já a elite branca endinheirada celebrava nos balcões das casas e nos bailes privados.

Cena do Carnaval carioca pintada por Jean-Baptiste Debret (1768–1848)

Durante o século XIX a polícia tenta conter o Carnaval, restringindo as atividades e criando uma série de normas. Assim começam a surgir, já na virada para o século XX, os primeiros blocos e cordões, na intenção de uma certa organização para que a festa continuasse. Nessa época, ainda não havia uma música oficial e começavam a surgir as marchinhas.

O samba só se tornou a música “oficial” do Carnaval na década de 1940, período em que Getúlio Vargas tentou formatar uma identidade nacional. Foi nessa época que uma série de manifestações culturais negras, então reprimidas até mesmo por lei, começam a ser reabilitadas para demonstrarem a diversidade e a magia do povo brasileiro. As rodas de samba eram proibidas, mas os seus frequentadores eram os mesmos dos cordões e blocos de rua, e assim eles foram levando o ritmo de origem negra para a festa de origem europeia — e que nesta altura já era plenamente brasileira.

É nesse processo também que o Carnaval brasileiro vai absorvendo elementos das religiosidades afro-brasileiras. O afoxé da Bahia é talvez o principal exemplo de um bloco que tem origens nos terreiros. Mas podemos ver isso muito bem também nas escolas de samba do Rio de Janeiro, onde toques de orixás são reproduzidos pelas baterias e que sempre levam os deuses e os guias para a avenida.

Este é apenas um breve resumo sobre o Carnaval e como, lá na sua origem, existe uma possibilidade de que ele venha da mesma raiz de alguns mitos ligados às bruxas. Para saber mais, ficam aqui algumas dicas de livros do Luiz Antonio Simas, um historiador que entende profundamente de Carnaval.

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Inês Barreto
O Voo da Bruxa

Redatora e historiadora. Pesquisadora de feitiçarias e macumbas. Mestre e doutoranda em História pela @puc_sp