Luzia Pinta e o Calundu

Inês Barreto
O Voo da Bruxa
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2 min readApr 3, 2022

Hoje temos uma parceria com o Pontos Ilustrados e trazemos a história de Luzia Pinta, uma mulher negra, escravizada, que foi condenada pela Inquisição portuguesa por seus rituais de origem africana, o Calundu.

Nas últimas semanas a gente conversou sobre a feitiçaria no Brasil, e como ela nasce, na verdade, de uma interpretação negativa das religiosidades africanas. A vida de Luzia é um bom exemplo disso.

Luzia Pinta do @pontosilustrados

Luzia Pinta caía em transe ao som de tambores e descobria se a pessoa doente na sua frente estava enfeitiçada. Receitava bebidas e ervas para curar o problema, em nome de Nossa Senhora, e era devotada a Santo Antônio. A dona do calundu famoso de Sabará, era conhecida na cidade. E foi por isso encontrada pela Inquisição durante uma visitação em Minas Gerais, que na época chamava a atenção da metrópole porque de lá saía o ouro do Brasil.

A mulher trazida como escravizada de Angola vivia há pelo menos 30 anos em Minas quando foi presa pela Inquisição, em 16 de março de 1742. Levada para Lisboa, foi processada e torturada. Para o juiz que tocou seu processo, o calundu era uma obra diabólica. O transe, que Luzia jurava ser um dom divino, só poderia existir, na visão do tribunal, por meio de um pacto demoníaco. Mesmo que ela se dissesse batizada e soubesse rezar as orações católicas, ninguém concordou que ela era católica. Para os juízes e padres, ela era uma feiticeira.

E assim ela foi julgada publicamente em um Auto de Fé, as grandes cerimônias públicas em Lisboa. Nesse dia ela foi sentenciada ao degredo, que era a punição por extradição, e mandada para viver nas ilhas dos Açores.

Luzia e seu calundu são considerados os grandes ancestrais das religiosidades de matriz africana. O ritual que unia a cultura religiosa dos povos bantu com o sincretismo católico é uma primeira manifestação do que hoje conhecemos como Umbanda. E de alguns anos para cá, a sua memória tem sido revista e celebrada como uma das primeiras mães-de-santo.

Referências:

“O Diabo e a Terra de Santa Cruz”, livro de Laura de Mello e Souza

“Luzia Pinta: Experiências Religiosas Centro-Africanas e Inquisição no Século XVIII”, artigo de Robert Daibert Jr

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Inês Barreto
O Voo da Bruxa

Redatora e historiadora. Pesquisadora de feitiçarias e macumbas. Mestre e doutoranda em História pela @puc_sp