Santo Antônio: casamenteiro e necromante

Inês Barreto
O Voo da Bruxa
Published in
3 min readApr 3, 2022

Treze de junho é Dia de Santo Antônio, que todo mundo conhece como casamenteiro. Mas ele é muito mais feiticeiro do que parece, e as simpatias para arrumar marido são só uma parte pequena do que ele consegue fazer.

Santo Antônio é um dos muitos santos ligados à magia na Europa. Especialmente em Portugal, onde ele é bastante cultuado e tem fama de ser não só o casamenteiro, mas também o que encontra coisas perdidas e resolve urgências.

Além dele e do famoso São Cipriano, São Marcos, Santa Bárbara, Santo Onofre, São Jorge e São Benedito são usados em feitiços desde, pelo menos, o século 15. E a gente encontra com eles também no Brasil colônia, já que boa parte da nossa cultura religiosa vem dos portugueses. Em geral, os santos são usados para proteção física, mas cada um tem uma função na magia, que tem ligação com as suas histórias.

Santo Antônio tem a fama de casamenteiro porque diziam que, quando vivo dava dinheiro para as moças casarem. Mas o que faz ele ser “mágico” de verdade é a famosa história do “tirar o pai da forca”: seu pai foi acusado injustamente de matar uma pessoa. No dia que seria enforcado, em Lisboa, Antônio estava em Pádua, na Itália. Mas durante uma oração, seu espírito saiu do corpo, apareceu em Lisboa e provou a inocência do pai.

Santo Antônio do @pontosilustrados

Na versão mais limpinha, a alma de Santo Antônio apareceu em Lisboa e contou a verdade. Mas a versão que realmente interessa para associação com a magia diz que, na verdade, o espírito de Santo Antônio animou o cadáver do homem morto e contou quem tinha sido o assassino. Ou seja: o santo praticou necromancia, a magia que coloca o mago em o contato com os mortos.

A necromancia é bastante presente em muitas práticas de magia da Europa a partir da Idade Média e aparece muitas vezes desse jeito, como um elemento em uma história, ou um item de um morto usado num feitiço. Esse é um dos motivos que fazem Santo Antônio ser usado nas bolsas de mandinga, amuletos de proteção que normalmente levavam uma oração escrita, uma pedra de altar de igreja e algum item de pessoa ou animal morto.

Aqui no Brasil, a relação de Santo Antônio com os mortos fez com que ele se tornasse popular entre a comunidade negra de origem bantu. Os povos desse tronco da África Central tem na sua visão religiosa uma ligação bastante forte com o mundo dos mortos e na adoração dos ancestrais. Outro ponto importante é que sua religiosidade absorvia símbolos e elementos de outras culturas bem facilmente.

Por isso, Santo Antônio casou perfeitamente, já que ele tinha comunicação direta com o mundo dos mortos e se transportava através dele. Existem vestígios de um grupo de culto a Santo Antônio em 1847, em Vassouras (Rio de Janeiro), chamado de Umbanda, que na língua kimbundu quer dizer “arte de curar, adivinhar e induzir espíritos”.

Mais tarde, já com a influência dos povos de origem nagô, Santo Antônio foi associado ao orixá Exu, que também tem essa característica de andar entre os mundos dos mortos e dos deuses (o Orun) e o nosso mundo (o Ayê). Até hoje os terreiros de Umbanda cantam para ele em trabalhos dedicados a Exu.

O que a gente pode tirar disso é que Santo Antônio é pau para toda a obra, tanto na magia quanto na feitiçaria: acorda morto, arruma casamento, encontra coisas perdidas e ainda faz a nossa ligação com o mundo dos deuses.

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Inês Barreto
O Voo da Bruxa

Redatora e historiadora. Pesquisadora de feitiçarias e macumbas. Mestre em História pela @puc_sp