Uma breve história do sabá

Inês Barreto
O Voo da Bruxa
Published in
5 min readNov 4, 2016

Como nasceu, cresceu e se desenvolveu o maior mito que envolve a bruxaria.

Francisco Goya — "O Sabá das Bruxas" (1821–23) — Museu do Prado, Madri, Espanha. Fonte da imagem: Wikimedia.

Você já viu um sabá.

Se não estava lá pessoalmente-para algumas pessoas, um sabá é uma coisa normal-, você já viu um quadro, ouviu uma música ou jogou um videogame sobre o encontro de bruxas com o demônio. Do pintor espanhol Francisco Goya até os estúdios Disney, esse mito foi explorado por escritores, pintores, poetas, músicos…

Mas como tudo isso surgiu? Aqui, a gente vai explorar, bem rapidinho, essa ideia, como ela é formada e porque ela é tão influente.

O que é o sabá?

Resumindo: é uma reunião de bruxas. Quase sempre com o demônio. É o símbolo do rito que elas fazem para renegar a fé cristã, fazer orgias e oferecer crianças para o diabo e outras coisas do tipo. Muita gente registrou ideias do que é um sabá, seja tirada do depoimento de uma suposta bruxa ou da sua própria cabeça, mas essa da reunião com o demo é a mais forte na cultura do ocidente.

Como surge a ideia do sabá?

Aos pouquinhos, o imaginário dos europeus foi criando esse rito do capeta. A história começa a partir da Idade Média, com uma suspeita coletiva de que os excluídos da sociedade estariam criando um complô para derrubar o Cristianismo. Os primeiros eram os judeus e os portadores de hanseníase — na época em que a doença ainda não havia sido estudada e era chamada de lepra, hoje uma palavra pejorativa.

O medo geral é que eles tinham um plano para contaminar toda a água da Europa, que formavam uma sociedade secreta, e mais um monte de teorias da conspiração de fazer inveja à internet do século XXI.

Com o tempo, os hereges foram adicionados ao grupo do mal. Tecnicamente, hereges são católicos, mas que acreditam em doutrinas subversivas aos dogmas da Igreja. Dizer que Maria não era virgem, por exemplo, é um tipo de heresia. Essas seitas foram perseguidas na Inquisição, e logo logo se juntaram ao antissemitismo, muito comum contra quem praticava o tal “crime de judaísmo” ou “crime judaizante”.

Stefano di Giovanni — “Queimando um Herege” (1430–32). Fonte da imagem: Wikimedia.

A bruxaria aparece aí, ligada com as heresias: alguns teólogos entendiam que as bruxas praticavam uma espécie de depravação da missa, a Missa Negra, identificada com as reuniões dos judeus. Assim, começou a nascer a ideia do sabá, juntando tudo isso em um mesmo caldo. Aos poucos, a prática de feitiçaria e de bruxaria foi descolada das heresias e ganhou punições, processos e documentos próprios.

Quais são as principais imagens do sabá?

Os cristãos -e, depois, os artistas e escritores anticlericais-, criaram todo o tipo de imagem dos sabás, mas algumas delas ficaram gravadas com mais força. Por exemplo, a da bruxa voando na vassoura para o encontro ou a do sacrifício de crianças. A imagem mais consolidada é a do demônio, o chefe do culto, festejando com as suas mulheres.

Martin van Maële — "A Feiticeira" (1910). Fonte da imagem: Wikimedia/Domínio Público

A princípio, ele não era tão presente nos relatos das supostas bruxas, e nem na ideia inicial do sabá, mas vai ganhando terreno até que os inquisidores conseguem relacionar com muita força a bruxaria com o pacto demoníaco.

Os principais responsáveis por isso são os autores do Martelo das Feiticeiras, Heinrich Kraemer e James Sprengler, por volta de 1487. O livro foi amplamente usado por inquisidores na Europa e transformou-se no primeiro a relacionar claramente a imagem da mulher com o demônio. Mais de cem anos depois da publicação, ele ainda era tido como um manual de identificação de bruxas.

Existe alguma coisa de verdade nisso tudo?

Provavelmente, a ideia de que as bruxas tinham esses rituais nasce das celebrações pagãs que os europeus mantiveram mesmo depois da dominação cristã na Europa. Alguns defendem até que o próprio demônio é simplesmente uma interpretação de divindades pagãs feita de propósito para denegri-las. Mas tudo indica que o demônio tem uma raiz mais complexa e junta uma série de fatores, e que afirmar que ele é uma espécie de Pan deturpado é reducionismo.

Existem muitas outras versões sobre o que poderia ser o sabá. Há quem acredite que os acusados simplesmente criaram essas histórias para atender as expectativas dos seus inquisidores. Há, também, a possibilidade de que os juízes não entendiam muito bem os camponeses acusados, já que vinham de mundos muito diferentes, que jamais se aproximavam, e isso tornava a comunicação impossível.

Mas, uma linha de pesquisa, relativamente popular no fim do século XIX e começo do XX, acreditava na realidade do sabá como um encontro real da seita das bruxas, uma suposta religião marginal que resistiu ao Cristianismo, ficando escondida, como uma sociedade secreta. Mas hoje essa ideia é descartada na academia -mas bruxos mais românticos ainda teimam em acreditar nisso.

O sabá da Wicca tem a ver com tudo isso?

Para os wiccanos, os sabás são as festividades sazonais, que celebram as quatro estações e seus intermédios -, e o seu conjunto é a Roda do Ano.

A bruxaria contemporânea assimilou o termo do sabá graças a essa última corrente historiográfica. Gerald Gardner, quando estava estruturando a Wicca, se baseou no trabalho da Margaret Murray, que defende o rito como real e parte integrante do cerimonial de uma seita. O próprio Gardner dizia ser iniciado nessa seita das bruxas e ter recebido permissão de revelá-la ao mundo — o que seus críticos, de dentro e de fora da bruxaria contemporânea, discordam.

Eles se apropriaram de um termo que era, até então, sinônimo de pacto com o diabo (inclusive, Margaret Murray fala bastante do diabo nos seus livros) e o transformaram na sua grande celebração à deusa, criadora do universo.

Fiz este texto baseado nas pesquisas de alguns autores, como a Margaret Murray, o Carlo Ginzburg, a Laura de Mello e Souza e Keith Thomas. Todos falam do sabá, com visões diferentes e, às vezes, complementares ou díspares. Se você gosta do tema, vale a pena procurar.

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Inês Barreto
O Voo da Bruxa

Redatora e historiadora. Pesquisadora de feitiçarias e macumbas. Mestre e doutoranda em História pela @puc_sp