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Conto: A Maldição de Katrina

Allan F. Gouvea
O Autômato

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Havia no reino de Aruen um rei chamado Darién, cuja esposa era a rainha Ayne e juntos reinavam com honra e justiça, levando ao seu povo anos de paz e prosperidade. Eles tinham dois filhos, Angus e Katrina, sendo Katrina cuidada pela feiticeira de nome Dária, uma mulher que diziam ter o poder de controlar o dragão defensor do reino, preso a uma alta torre no castelo. O rei e a rainha queriam que sua filha fosse versada nas artes mágicas para trazer à família real o poder de domar o dragão, por isso escolheram a feiticeira como sua aia.

Katrina havia nascido no solstício de verão, e sendo amada por todas as pessoas em Aruen, em seu primeiro aniversário seus pais promoveram uma festa pública para a qual foram convidados todos os habitantes do reino. Todos, com exceção de Mádira, uma mulher de idade bastante avançada que há um ano vinha causando alvoroço no reino, pois realizava feitiços sórdidos que deixavam todos os moradores assustados. Os pais de Katrina acharam que a presença desta bruxa traria pânico e terror aos outros convidados.

Porém Mádira se sentiu muito ofendida por não ser convidada, o que preencher seu coração de ódio e rancor, assim como uma maléfica vontade de se vingar. A velha senhora não convidada decidiu ir a festa de qualquer maneira e lá fazer sua vingança.

O dia do aniversário de Katrina chegou e sua festa ocorria bem, até que uma figura coberta por um capuz infiltrada na multidão revelou seu rosto. Todos sentiram seus corpos petrificarem ao ver a bruxa entre eles, até mesmo os guardas da família real se paralisaram, permitindo que Mádira se aproximasse do rei e sua família.

– Esta menina nunca conhecerá o amor de um homem — disse Mádira. — Se todos do reino amam esta menina, então que a prosperidade do reino esteja vinculada com a sua pureza, no dia em que ela se entregar a um homem o seu povo sofrerá!

– Matem-na! — ordenou o rei, mas nenhum guarda conseguiu mover sequer um passo. Em seguida a velha horrorosa saiu do salão real aonde acontecia a festa, sem ser impedida por ninguém.

A princípio o rei se mostrou relutante em acreditar na veracidade da maldição que havia caído sobre sua filha e decidiu que ela teria uma vida normal, como se aquele acontecimento em seu primeiro aniversário nunca tivesse existido. Entretanto, conforme os anos foram passando a beleza de Katrina crescia, atraindo a atenção de todos os garotos que conseguiam vê-la e sempre que o rei Darién pensava em prometê-la ao filho de algum rei aliado alguma desgraça acontecia no reino, fazendo com que o rei se convencesse cada vez mais que a maldição jogada pela bruxa era real. Um dos filhos de reis aliados que Darién cogitou como futuro marido de sua filha era Hérion, apenas três anos mais velho que Katrina. Este garoto era um protegido seu, mandado para ser criado em Aruen quando tinha somente dois anos de idade. Hérion e Katrina brincavam juntos todos os dias nos bosques do castelo e logo Hérion se apaixonou por sua amiga.

Quando Katrina tinha dez anos sofreu muitas tentativas de sequestro, uma vez que havia muitos homens encantados com a beleza da menina e queriam tomá-la como esposa assim que ela alcançasse a maturidade. Todas as tentativas de sequestro de Katrina — assim como todas as vezes que ela e Hérion brincavam juntos — eram seguidas por mais tragédias no reino. Algumas vezes eram incêndios que destruíam os grãos recolhidos das plantações, outras eram pessoas que adoeciam repentinamente e morriam. Por causa destes infortúnios o rei e a rainha influenciados pelos conselhos da feiticeira Dária decidiram separar Katrina da presença de qualquer homem para evitar que novas tragédias acontecessem. Assim a princesa foi trancada em um lugar isolado para que não houvesse mais tentativas de sequestrá-la. Hérion ficou desolado ao ser separado de sua amada, mas nada pôde fazer já que ninguém podia questionar as decisões do rei.

O lugar em que Katrina foi escondida era a torre alta que servia como prisão para o dragão que somente Dária podia controlar, o que dificultaria mais as possíveis tentativas de rapto que a garota pudesse sofrer. A filha do rei nunca mais foi vista, tendo sido confinada a viver presa, mas todos os anos muitos jovens corajosos tentavam escalar a torre alta para libertá-la de sua prisão, mesmo que isto significasse trazer desgraça para o povo de Aruen. E todos sempre falhavam. Todos eram impiedosamente mortos pelo dragão domado por Dária. Alguns garotos menos corajosos desistiam da sua empreitada ao ouvirem o rugido do dragão e os que eram tolos o suficiente para continuar sempre acabavam queimados pelas chamas daquela criatura.

Mas Hérion nunca se esquecera de seu amor de infância, mesmo após tantos anos de separação. Aos vinte anos ele decidiu tentar o que tantos outros haviam tentado e fracassado. Ele não se importaria de morrer para o dragão, desde que tivesse uma pequena chance de tirar sua amada daquela torre solitária. Durante a noite Hérion escalou a torre, sentindo seu pelo eriçar ao ouvir o rugido do dragão, mas isso não o fez desistir. Ele sabia que não podia fraquejar naquele momento. Ao entrar pela janela da torre ele encontrou Katrina sentada em uma cama. Seu coração disparou diante da beleza estonteante que sua amada possuía.

– Katrina! Hoje você sairá desta torre! — disse Hérion com grande excitação em sua voz. — Eu vou levá-la comigo.

– Agradeço a sua ajuda, Hérion, mas jamais poderei sair desta torre — respondeu Katrina. — O dragão não permitirá.

Hérion se aproximou de sua amada e tocou em suas mãos, que eram macias e delicadas, nunca haviam trabalhado, nem mesmo em um bordado ou o que quer que fosse.

– Venha comigo — insistiu Hérion. — Não vejo o dragão aqui, então podemos aproveitar esta oportunidade para fugir.

– Ele está aqui, você o ouviu rugir.

– Eu o ouvi, mas não o vejo aqui, precisamos sair antes que ele apareça.

Foi quando uma porta se abriu e dela saiu uma velha horrenda, que Hérion reconheceu do primeiro aniversário de Katrina. Era a bruxa Mádira! A mesma que havia lançado a maldição na pobre moça. Ela exibia em seu rosto um sorriso debochado, demonstrado desdém pelo jovem recém-chegado.

Hérion puxou um punhal de sua algibeira e apontou para Mádira. — Não permitirei que você me impeça de levar Katrina comigo — ele disse. — Ela merece sair desta prisão e ninguém evitará isto.

Ele se pôs na frente de Katrina para protegê-la, ainda apontando o punhal para a bruxa, demonstrando que mataria aquela velha horrorosa, mas antes de dar o primeiro passo ele sentiu uma pancada em sua cabeça e quando caiu no chão percebeu que havia sido sua amada que o havia golpeado com um jarro de cerâmica.

Confuso e atordoado Hérion tentou perguntar o porquê daquela atitude, porém Mádira foi mais rápida. — Não existe nenhum dragão — revelou a bruxa. — Sou eu que mato os que tentam sequestrar Katrina.

O rosto da velha então começou a se contorcer e em alguns instantes ela mudou de face, revelando as feições de uma mulher na idade dos quarenta anos. Foi quando Hérion descobriu que se tratava de Dária, a aia de Katrina. Dária caminhou lentamente, tomou o punhal da mão de Hérion e o esfaqueou várias vezes no peito enquanto dizia: — Eu imito o rugido de um dragão para afastar os seqüestradores e quando isto não adianta eu mesmo os mato, depois queimo seus corpos e os atiro pela janela para que todos pensem que foi o dragão.

O sangue escorria e aos poucos Hérion sentia a sua vida se esvair de seu corpo. Ele não conseguia acreditar que a garota que ele amou durante toda a sua vida havia ajudado aquela bruxa a impedi-lo de libertá-la, mas antes de fechar os olhos para sempre ele conseguiu ver Dária beijar os lábios de Katrina.

– Nunca deixarei que nenhum homem separe você de mim — falou Dária apaixonadamente.

– E eu nunca abandonarei você — disse Katrina, devolvendo outro beijo em sua amada aia.

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Allan F. Gouvea
O Autômato

Geólogo e Escritor, foi aluno de História antes de ingressar na Geologia pela Universidade Federal do Pará. Leitor e apreciador de Fantasia e Ficção Científica.