Conto: O vendedor de feitiços

Allan F. Gouvea
O Autômato
4 min readApr 18, 2020

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Há tempos remotos havia no vilarejo de Rafipan um jovem rico chamado Gaburco, que desejava ser o mais forte de todos os homens. Ele praticava sozinho as artes do duelo com espadas, lanças e outras armas, até que se tornou um dos melhores guerreiros de Rafipan, mas nunca ficando satisfeito com seu progresso, pois sempre achava que ainda havia alguém melhor que ele.

A vida de Gaburco mudou quando um dia chegou ao vilarejo um ancião, carregando consigo um pequeno livro empoeirado. Este ancião se hospedou por muitos dias em uma estalagem e raramente saía. Alguns curiosos chegaram a espioná-lo e o viram praticando experiências incomuns. Logo se espalharam boatos de que ele praticava magia negra e que o livro que carregava era um livro de feitiços.

Conforme aqueles rumores cresciam, muitas pessoas planejaram matar o ancião, porém ele era astuto e minucioso. Certo dia ele se dirigiu ao centro daquele pequeno vilarejo, subiu em um banco e falou alto para todos os presentes ouvirem.

— Povo de Rafipan! Eu me chamo Astarfel e como alguns conjecturaram eu sou um feiticeiro, posso usar meus poderes para destruir todo este vilarejo — após ouvirem estas palavras as pessoas mais próximas temeram, enquanto outras sentiram ódio e uma profunda vontade de atacar aquele velho. Contudo ele continuou:

— Mas estou demasiado velho e tudo o que busco é um final de vida tranquilo. Para isso preciso de dinheiro, por este motivo estou vendendo meu livro de feitiços.

— Ninguém vai querer esse livro maldito! — vociferou um homem que estava a poucos metros do ancião.

— Duvido que ninguém queira — Respondeu Astarfel, sorrindo. — E para demonstrar os poderes deste livro eu farei chover em um instante com o encantamento que realizei hoje de manhã em meus aposentos, xaraktan!

A esta altura muitas pessoas pegaram pedras do chão para atirá-las no homem que se dizia feiticeiro, entretanto foram surpreendidas pela chuva que chegou inesperadamente. Agora todos corriam, não apenas para se abrigar das águas que caíam do céu, mas também para se esconderem daquele velho.

— Não fujam de mim, sou inofensivo — Dizia Astarfel. — Isto foi apenas para provar o poder de meu livro, pois como já disse desejo vendê-lo e com ele seu novo dono conseguirá o que quiser, fazer seu negócio prosperar, curar doenças e até mesmo tornar-se mais sábio e mais forte!

Foi então surgiu no meio da chuva o jovem Gaburco, considerado o mais rico de Rafipan, pois havia herdado uma fortuna de seu pai comerciante. Ele sentiu que aquele livro era a solução para seu problema, estava convencido de que com ele se tornaria o mais forte dos homens, como o próprio Astarfel havia acabado de proferir.

— Eu quero ficar com este livro, senhor, quanto estás pedindo por ele? — perguntou Gaburco, ansioso por adquirir aquele item poderoso.

— Ora, rapaz, no tempo que fiquei aqui soube que és o mais rico deste lugar e descobri também que ambiciona ser o mais forte dos guerreiros. Se tu queres tanto isso nada mais justo que me dê toda a sua herança em troca deste precioso livro.

Gaburco sequer respondeu, apenas foi correndo para sua casa e em seguida voltou com um baú enorme, o qual abriu na frente de Astarfel, revelando que nele havia muito ouro. O jovem estava disposto a dá-lo em troca do livro mágico.

O acordo foi feito e Astarfel saiu de Rafipan, levando o baú cheio de ouro, carregando-o em um carro de mão, enquanto que Gaburco ficou com o livro. No dia seguinte o guerreiro passou a maior parte do tempo dentro de sua casa, lendo aquele misterioso livro, cheio de feitiços que julgava serem desnecessários, até encontrar o feitiço que o faria mais forte, consistindo apenas em assar uma galinha com óleo e sal em uma lareira.

Xaraktan! — Disse Gaburco, terminando o ritual. Ele logo se sentiu diferente, não notou nenhuma mudança física em si, mas sentia que estava mais poderoso. A noite ele foi até o salão comunal onde as pessoas se reuniam e desafiou um antigo rival para um duelo.

Gaburco matou seu desafeto com muita facilidade, o que era um crime no vilarejo, mas ninguém ousou fazer qualquer coisa contra ele. Porém Gaburco não havia percebido que derrotaria seu rival mesmo sem o feitiço, pois seus exaustivos treinamentos o tornaram o mais forte de Rafipan.

Vendo que ninguém ali o derrotaria ele decidiu abandonar seu lar e partir em uma jornada para provar ao mundo que era o homem mais forte. Entretanto na noite anterior a sua partida um grupo de pessoas invadiu a sua casa para roubar o livro. Os ladrões cortaram a sua garganta enquanto ele dormia para evitar que os perseguisse.

O grupo agora brigava entre si, pois todos queriam a posse exclusiva do livro, o que fez com que eles matassem uns aos outros. Aos poucos mais pessoas entravam na disputa para ter o livro de Astarfel, causando conflitos que sempre resultavam em mortes, até que em oito dias todas as pessoas do vilarejo estavam mortas.

Após o ocorrido, Astarfel retornou a Rafipan, trazendo consigo dez rapazes, que eram seus netos. Todos eles empurravam carrinhos de mão para roubar os bens daquele vilarejo agora inabitado, tendo o próprio Astarfel encontrado seu livro jogado na terra em frente a uma casa. Ele pegou seu antigo pertence, sorriu e olhou para o céu.

— Foi bom ter estudado sobre previsão do tempo — disse para o neto mais próximo. — Algo que poucos fazem, olho para o céu e sei dizer se vai chover, isto serve para enganar incautos desinformados — O velho guardou o livro em uma sacola. — Vamos rapazes, depressa! Já sei qual será o próximo vilarejo que visitarei!

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Allan F. Gouvea
O Autômato

Geólogo e Escritor, foi aluno de História antes de ingressar na Geologia pela Universidade Federal do Pará. Leitor e apreciador de Fantasia e Ficção Científica.