Os bolsonaristas e os loucos de Bird Box

Allan F. Gouvea
O Autômato
6 min readApr 16, 2020

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Em Bird Box o mundo de repente se viu diante de um mal invisível que afetava o comportamento das pessoas, levando-as a cometerem suicídio. A forma como este inimigo abatia suas vítimas era simplesmente assustadoras, bastava a pessoa olhar para algo que aparentemente ninguém podia ver que seria afetada. Já no mundo real, as pessoas também foram acometidas por um mal invisível, mesmo que em gravidade menor, mas que pode ser tão letal quanto. A pandemia do Novo Coronavírus nos trouxe a sensação de estarmos enfrentando algo que não podemos enxergar e com potencial de modificar drasticamente nossas vidas.

Diante dessas ameaças, tanto em Bird Box como no nosso mundo houve a recomendação para as pessoas ficarem em casa com o objetivo de se protegerem. Para o Coronavírus essa quarentena tem o objetivo de achatar a curva de contágio, enquanto que em Bird Box o objetivo é não entrar em contato com o monstro que faz as pessoas se matarem.

Cena do filme Bird Box (2018)

Obviamente o nível de periculosidade entre as duas situações é muito diferente, porém a necessidade de manter as pessoas em casa é válida para ambas, uma vez que sair é perigoso. Entretanto, nos dois casos há pessoas que não seguem esta recomendação. Pessoas que além de não obedecerem ao isolamento também querem que todos façam a mesma coisa e se exponham aos riscos de serem atingidos pela ameaça invisível.

No filme estas pessoas são os loucos de Northwood, um hospital psiquiátrico para criminosos loucos e que por algum motivo não se matam ao olharem para as criaturas, ao contrário disso esse loucos estão a serviço desses monstros. Tudo o que os loucos de Northwood querem é fazer com que as pessoas saiam da proteção de suas casas e encarem a sombra que as levarão à morte.

Com aproximadamente uma hora de filme um personagem chamado Gary é introduzido, alegando ter fugido dos criminosos e explicando quem eles são.

“Meu nome é Gary, eu moro no centro. Quando essas coisas apareceram eu peguei o primeiro trem com alguns colegas porque a gente achou que seria seguro […] Fomos à casa do Carl para nos esconder. Tudo estava bem até que eles invadiram […] Não as criaturas, esses loucos. Os loucos de Northwood [..] Levaram-nos para fora e nos obrigaram a abrir os olhos para que víssemos as criaturas.” — Cena do filme Bird Box (2018).

Em pouco tempo descobrimos que na verdade Gary também é um dos loucos, talvez não de Northwood e sim de outro hospital psiquiátrico, ou talvez um louco que nunca tenha sido interditado, porém pela lógica apresentada sabemos que ele era louco o suficiente para não ser afetado pela visão da criatura. A partir de então Gary concentra seus esforços em abrir as portas e janelas da casa para que as pessoas de dentro vejam o monstro, ocasionando a morte de vários personagens.

Na vida real também há os loucos de Northwood, que não cumprem o isolamento social e lutam para que ninguém mais cumpra. São manifestantes pró-Bolsonaro que não seguem às recomendações das autoridades de saúde e organizam passeatas e aglomerações pedindo que as pessoas voltem às ruas em nome da economia, mesmo que isso signifique expor uma quantidade maior de cidadãos ao vírus que comprovadamente tem um alto potencial de mortalidade.

“Um grupo de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) participou de carreatas e manifestações na cidade de São Paulo neste domingo, 12, pedindo para que as pessoas voltassem às ruas. Apesar da pandemia do novo coronavírus e das recomendações científicas da Organização Mundial da Saúde (OMS) para que as pessoas fiquem em casa, em isolamento social, os bolsonaristas querem que o povo contrarie a ciência.” — Matéria do portal Catraca Livre (2020).

Bolsonaristas debocham das mortes ocorridas no Brasil pelo coronavírus / Reprodução Twitter

Os loucos de Bird Box afirmam estarem ajudando as pessoas, mostrando a elas o que elas precisam ver, uma espécie de revelação que só pode ser obtida por aqueles que não fogem da misteriosa presença. Independentemente do que quer a criatura do filme seja, ela tem esses lacaios a seu favor, homens e mulheres que se tornaram robôs programados para obedecer ao chamado de algo perigoso.

“Eles estão chegando. Eles não vão machucar vocês.

Pelo contrário, eles são algo lindo, amigo.” — Cena do filme Bird Box (2018).

Expandindo a discussão sobre bolsonaristas para todos os negacionistas da pandemia (incrivelmente as duas coisas podem não estar relacionadas), Bird Box nos mostra que não é mero acaso os defensores das criaturas serem loucos: ser portador de loucura parece estar diretamente relacionado com o apoio às ideologias genocidas, mesmo que inconscientemente. Isto pode ser confirmado com o caso de uma advogada alemã que protestava contra o isolamento social e foi internada em uma clínica psiquiátrica por comportamentos suspeitos.

“Uma advogada de Heidelberg que se tornou uma espécie de heroína dos negacionistas da pandemia de coronavírus na Alemanha foi detida no último domingo (12/04) após agir de maneira confusa na rua e agredir um policial. Ela foi posteriormente internada em uma clínica psiquiátrica.” — Matéria do Portal DW Brasil (2020).

Por se tratarem de loucos, os criminosos de Bird Box vivem fora da realidade, acreditando em coisas que só existem para eles. Embora haja defensores de que os loucos apenas enxergam o mundo de uma maneira diferente dos outros esta maneira tende a não se basear no que é real. Já os bolsonaristas não são loucos diagnosticados e pode ser que muitos deles nem sofram de nenhum tipo de psicose, contudo eles também baseiam suas crenças e ideologias em fatos inexistentes. Aquilo que os apoiadores de Bolsonaro defendem em geral não corresponde à realidade, sequer se aproxima do que é verdadeiramente autêntico. Por serem incapazes de enxergar a verdade, os bolsonaristas e os loucos de Bird Box acabam por defender causas destrutivas.

As semelhanças entre os referidos grupos se tornam ainda mais acentuadas quando analisamos um comportamento comum entre eles: o culto a uma personalidade. Através do personagem Gary nós temos um vislumbre da aparência dos monstros, assemelhando-se a uma sombra a qual Gary demonstra ter profunda admiração.

Gary desenhando as criaturas / Cena do filme Bird Box (2018).

Esta espécie de veneração dos loucos pode ser correlacionada com a adoração incondicional que os seguidores de Jair Bolsonaro têm por ele, tornando-os obedientes cegos e agressivos. Os loucos da ficção aqui analisada e os eleitores de Bolsonaro sempre defendem ferozmente seus respectivos ídolos, não importando o mal que eles representam.

Culto à personalidade pelos bolsonaristas. Fonte: Carta Capital (2019).

Bolsonaro estando a minimizar os impactos da pandemia, acaba por se tornar um aliado da doença, deste modo seus apoiadores, por seguirem religiosamente tudo o que ele diz, também se tornam aliados. Em outras palavras, assim como os loucos de Bird Box estão a serviço das criaturas, os bolsonaristas estão a serviço do coronavírus, mas ambos os grupos alegam estarem agindo pelo bem de todos.

Referências:

Carta Capital. O evangelho segundo os bolsominons. 2019. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/politica/evangelho-segundo-os-bolsominions/. Acesso em: 13 abr de 2020.

Catraca Livre. Bolsonaristas debocham de mortes por coronavírus com caixão em SP. Disponível em: <https://catracalivre.com.br/cidadania/bolsonaristas-tiram-sarro-das-1-223-mortes-por-coronavirus-no-brasil/> Acesso em: 13 abr de 2020.

DW Brasil. Negacionista alemã da pandemia é internada em clínica psiquiátrica. 2020. Disponível em: < https://www.dw.com/pt-br/negacionista-alem%C3%A3-da-pandemia-%C3%A9-internada-em-cl%C3%ADnica-psiqui%C3%A1trica/a-53122339> Acesso em: 14 abr de 2020.

Revista Fórum. Bolsonaristas dançam com caixão e debocham dos mortos com coronavírus. Disponível em: <https://revistaforum.com.br/coronavirus/bolsonaristas-dancam-com-caixao-e-debocham-dos-mortos-com-coronavirus/> Acesso em: 13 abr de 2020.

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Allan F. Gouvea
O Autômato

Geólogo e Escritor, foi aluno de História antes de ingressar na Geologia pela Universidade Federal do Pará. Leitor e apreciador de Fantasia e Ficção Científica.