film swap

melo
ob theo 
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2 min readApr 2, 2014

após dezesseis meses sem receber notícias, recebeu um pacote com seu endereço. não havia sequer nome e data; sabia que era um pacote dele por ter frequentado aquela casa inúmeras vezes e lembrar do rústico “227” ao lado do portão.

dentro do pacote dos correios, um embrulho verde; a sua favorita. verde água ainda. combinação de cores que amava. ele com certeza lembrava disso, ou quem sabe, não era intencional; uma carta com as letras de forma do remetente escrito “ola, envio-te este rolo de filme preto e branco para que você possa queimá-lo uma segunda vez. tire fotos de coisas bem bonitas, cheirosas, harmoniosas. que lhe tragam felicidade. revele. veja o resultado. abraços.”

e assim o fez. puxou a ponta do filme e, na posição marcada, começou a tirar fotos com sua zenit de lente mofada. era o mês do aniversario de sua mae, tirou foto dos lírios e rosas que ganhara e saiu às ruas para procurar por mais coisas verdes para fotografar. tirou fotos de bolos, tortas, garçonetes simpáticas e ambulantes engraçados. fotografou sob a regra dos tres terços, da sunny 16 e nas melhores iluminações que o iso do filme suportaria. registrou arte, beleza, simpatia, alegria, conforto, felicidade, amor e vida.

após dois meses, as trinta e seis poses acabaram e o filme finalmente fora posto para revelar. após quatro dias além do normal, fora recebida uma intimação policial. “compareça à 7ª delegacia policial das 8hs às 18hs para prestar depoimento.” sem mais informações. nenhuma virgula. no dia seguinte, foi sem dinheiro algum na carteira para a avenida mais movimentada da cidade, onde ficava a 7ªDP. na sala de interrogatório, algemada, cabisbaixa e confusa; devida força de alguns golpes desferidos ao seu rosto, um envelope com as fotos no tamanho 10x15 e os negativos do que agora era filme impresso. no negativo, apenas as coisas que havia fotografado. um borrão escuro aqui e ali que faziam parte da primeira exposição. nas fotos de lírios, começavam a aparecer melhor as fotos do remetente. cinco fotos depois, uma cadeira. 3 depois, ele acima da cadeira. na penúltima pose, a cadeira derrubada e ele levitava. na última, o jovem como corpo inerte frente à câmera. os olhos virados. a corda no pescoço.

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melo
ob theo 

transgressor desde a língua, até a água que tu bebes