Entrevistas com usuários na prática

Giovana Gamboa
Obj Experience Chapter
8 min readFeb 18, 2022

Um guia com dicas e boas práticas para entrevistas com usuários

Ilustração com cor de fundo cinza escuro, e no plano de frente duas telas de navegador de internet com uma com uma pessoa dentro de cada uma delas. Entre essas telas, estão dois balões de fala intercalados.

As entrevistas com usuários são feitas para coletar informações mais profundas sobre certo assunto ou contexto. Elas são feitas principalmente para entender o porquê e o como, de como uma experiência acontece. Nesse sentido, as entrevistas podem ocorrer em diversos momentos do desenvolvimento de um projeto com diversos objetivos:

  • Início do projeto: servem para quando ainda não se tem muitas informações sobre o contexto daquele projeto ou da persona, servindo assim de pontapé inicial para o planejamento as próximas etapas/ações de pesquisa e desenvolvimento;
  • Meio do projeto: para validar ou enriquecer informações já existentes sobre o contexto ou persona;
  • Final do projeto: para conseguir mais insights ao final de um processo de validação, como por exemplo, de um teste de usabilidade.

Tipos de entrevistas

As pesquisas são classificadas conforme o grau de estruturação: não-estruturada, semi-estruturada e estruturada.

Entrevista não-estruturada: formato onde só é definido os tópicos a serem abordados, mas não tem um roteiro de perguntas. Os pontos positivos dessa entrevista é a flexibilidade e a personalização conforme o participante ou contexto. Já os pontos negativos são o grande risco de algum tópico ser esquecido pelo moderador, de alguma pergunta acabar sendo feita de forma muito enviesada ou induzindo o participante à alguma resposta, e que não permite comparativo entre entrevistas por terem perguntas muito diferentes. Considerando isso, esse formato não é muito utilizado dentro das pesquisa de UX, a não ser em casos muito específicos, onde no início de um projeto não existe insumo o suficiente nem para montar um roteiro.

Entrevista semi-estruturada: formato onde existe um roteiro definido de perguntas, mas elas podem ser flexibilizadas conforme a necessidade. Os pontos positivos são a flexibilidade de explorar insights que surgem durante a conversa, e também apresentam um ritmo mais natural de conversa que deixa o momento mais confortável para o participante. O ponto negativo é que as perguntas que surgem fora de roteiro podem ser feitas de maneira enviesada ou induzindo o participante a alguma resposta. Esse formato é um dos mais utilizados, principalmente nos momentos iniciais de um projeto, para coleta de insights e contextos de uso.

Entrevistas estruturadas: formato onde o roteiro de perguntas é seguido à risca, sem acrescentar ou tirar perguntas durante a conversa (a não ser perguntas previamente consideradas condicionais — “se responder sim para a pergunta 1, faça a pergunta 2”). Os pontos positivos são a objetividade da entrevista, a facilidade de comparação direta entre resultados, e a diminuição de viés das perguntas (se já foram prensadas previamente assim). O ponto negativo é que a conversa se torna mais mecânica, e se perde a possibilidade de explorar mais algum insight levado pelo participante. Esse formato é melhor utilizado quando é necessário uma grande quantidade de entrevistas, quando elas vão ser feitas por terceiros, ou após testes de usabilidade.

Como fazer entrevistas?

Antes de dar início a entrevista em si, é preciso fazer todo o planejamento prévio para evitar qualquer problema. O planejamento normalmente conta com as seguintes etapas:

  • Definir objetivo das entrevistas e que dúvida que precisam ser respondidas;
  • Definir o cronograma das entrevistas
  • Definir e recrutar os usuários;
  • Criar e validar o roteiro da entrevista;
  • Moderar as entrevistas;
  • Compilar as entrevistas.

Objetivo da entrevista

Antes mesmo de decidir fazer entrevistas, é preciso entender qual o objetivo desta pesquisa, qual o público e que questões precisam ser respondidas, ou que informações precisam ser validadas, e se o formato de entrevista é o mais adequado para tal objetivo. Com isso em mente, tenha um objetivo escrito de forma clara e alinhada com toda a equipe do projeto, que servirá de guia para a construção do roteiro.

Definindo o cronograma das entrevistas

O cronograma deve ser definido considerando o prazo do projeto/tarefa, mas também o tempo mínimo necessário para conseguir planejar e executar o mínimo necessário (5) de entrevistas.

Outro ponto importante, é considerar o seu tempo livre de agenda para priorizar a moderação entrevistas (quanto mais livre, mais opções de horário para os recrutados), e também o tempo livre de alguém para acompanhar, a fim de ajudar nas anotações, aumentar a quantidade de insights gerados, e até mesmo para cobrir possíveis problemas técnicos (queda de energia, internet, etc.). Essa pessoa pode ser da equipe do projeto ou não, mas caso não seja, é importante repassar um contexto breve sobre a pesquisa para o acompanhamento ser mais rico.

Definindo público

Um dos passos mais importantes do planejamento de uma entrevista, é escolher os participantes certos, que vão conseguir responder os questionamentos de forma mais assertiva e completa. A escolha se dá a partir da persona do projeto em questão, ou a partir de uma hipótese de quem é a persona do projeto. Nesse último caso, a entrevista acaba servindo muito mais para validar se a hipótese de persona está correta, do que levantar insights relevantes.

Criando o roteiro de perguntas

Com o objetivo e o público já definido, chega a hora de criar o roteiro de perguntas. Os pontos mais importantes ao criar um roteiro, é definir perguntas que não possam ser respondidas apenas com “sim”ou “não” (para conseguir informações mais ricas), atentar para o número de perguntas conforme o tempo de entrevista definido, evitar perguntas ambíguas ou com vieses que induzam a uma resposta. Por exemplo:

“Você gostou dessa interface?” Vs “O que você achou dessa interface?”

A primeira pergunta dá a possibilidade de responder sim ou não, e também coage o participante a responder que “sim” por educação. Já a segunda pergunta dá mais espaço para o participante responder o que realmente achou de forma mais ampla do que apenas com sim ou não, e sem ou com menos constrangimento.

Com o roteiro de perguntas definido, agora é o momento de validar se as perguntas escolhidas são as mais adequadas e estão elaboradas da melhor forma. Para validar se as perguntas vão conseguir alcançar o objetivo da pergunta, pode ser feito uma validação com a própria equipe do projeto, colhendo feedbacks e dúvidas sobre os objetivos esperados de cada pergunta. Para validar se as perguntas estão bem elaboradas, sem ambiguidade ou viés, o melhor é fazer uma pré entrevista, que pode ser feita já com um usuário real, ou com alguém próximo (mas não da equipe do projeto) se o contexto permitir.

Recrutando os participantes

Com o perfil definido e o roteiro pronto, é hora de iniciar o recrutamento. O número mínimo de entrevistas esperadas é 5, pois é a quantidade onde já é possível encontrar padrões de resposta, menos que isso, pode acontecer da pesquisa não trazer informações relevantes e/ou confiáveis. Considerando isso, é recomendável definir o número esperado de entrevistas, e já ter uma lista de contatos com uma margem de segurança levando em conta os que possivelmente vão recusar, não vão responder, ou que talvez não compareçam no dia marcado.

O contato inicial para o recrutamento precisa iniciar no mínimo uma semana antes do período esperado para a realização das entrevistas, já que a resposta e as ações de follow up podem demorar (dependendo do canal essa demora é ainda maior, como no caso de contato pelo linkedin). Para facilitar, você pode definir scripts de contato considerando o tom de voz mais adequado para aquele público, e para cada uma das etapas de contato, como por exemplo: contato inicial, follow up (quando não há resposta), resposta após a recusa, resposta após o aceite.

Para facilitar a escolha de horários é possível utilizar a plataforma Calendly, que oferece uma página de agendamento e conecta com a sua agenda bloqueando os horários indisponíveis automaticamente. Isso facilita a definição de horário, tanto para você quanto para o participante, mas o ideal é sempre oferecer as duas opções: agendar pelo Calendly, ou pedir para o participante repassar qual o melhor horário para ele.

O tempo da entrevista pode variar de acordo com a necessidade e contexto do projeto, mas é recomendável não passar de 1 hora, e se possível dar preferência para encontros de 30 a 45 minutos, que normalmente tem uma aceitação maior na hora do recrutamento.

Moderando as entrevistas

Chegando o momento da entrevista, pode ser útil mandar um aviso para o participante (pelo canal já existente com o participante) relembrando o horário do encontro (principalmente com clientes B2C que nem sempre utilizam agendas virtuais). Confira se você tem todas as ferramentas necessárias em mãos e funcionando (microfone, câmera, roteiro ou outros materiais), e esteja presente na sala de videoconferência com antecedência junto com seu acompanhante.

Ao iniciar a entrevista, lembre-se de se apresentar e dar um breve contexto ao participante (você pode incluir isso no roteiro para facilitar), e perguntar se ele permite a gravação. Por motivos de segurança de dados e privacidade, utilize as gravações apenas internamente (equipe de design e/ou research), para posterior transcrição e consulta, e caso alguém fora da equipe solicite, você pode deixar claro que os resultados alcançados com as entrevistas estarão todos na documentação da pesquisa.

Ao pedir a permissão de gravação, explique o porquê, por quem e como essa gravação será utilizada, e com o aceite, inicie a gravação. Após iniciar a gravação, peça que o participante dê um aceite verbal com os seguintes dados:

“Sou [nome do participante], portador do documento [documento que o participante se sentir mais confortável, RG ou CPF] e autorizo a gravação”

Caso o participante não aceite a gravação, a entrevista segue normalmente, só sendo mais crítico nas anotações para evitar perder informações importantes. Durante a moderação, o importante é prestar atenção nas respostas do participante, e tentar entender algum ponto que pode ser melhor explorado, e saber controlar bem o tempo para conseguir finalizar dentro do combinado. Quanto mais você conseguir dar espaço e tempo para o participante falar melhor, mas devido ao espaço de tempo e do perfil da pessoa (falar mais ou menos), você pode ordenar seu roteiro por prioridade, definindo as perguntas que são essenciais e quais são secundárias, assim você permite mais flexibilidade durante a conversa e também mantém o foco nos pontos prioritários.

Compilando a entrevista

Existem várias formas de compilar uma entrevista, mas o formato que recomendamos dentro da nossa equipe é através do Atomic Research. Considerando esse framework, você transforma a entrevista em pequenos fatos, em sua forma mais crua. O que isso significa? Você vai pegar todas as informações importantes da conversa, quebrar no menor tamanho possível, e transcrever o mais fiel ao que o participante falou, evitando adicionar percepções pessoais ao fato. Ou seja, se durante a entrevista o participante comentou “eu gosto de comprar pelo celular, e quando posso pagar com cartão de crédito”, você pode transformar essa fala em dois fatos:

“eu gosto de comprar pelo celular”

“[eu gosto] quando posso pagar com cartão de crédito”

Dessa forma, ao transformar uma entrevista em fatos, você consegue usar esses fatos para vários propósitos e projetos, aumentando a vida útil de uma pesquisa e facilitando a correlação entre vários fatos, até mesmo de pesquisas diferentes.

Com os fatos extraídos, outra forma de facilitar a clusterização e correlação entre as informações, é categorizar esses fatos, em uma ou mais categorias. As categorias são variáveis para cada empresa e/ou projeto, então podem ser desde categorias baseadas em jornadas, em produtos, em personas ou várias outras possibilidades. O importante é pensar em categorias que façam sentido e facilitem a filtragem e clusterização desses fatos posteriormente.

A partir desses fatos, você pode retirar insights, e a partir desses insights, recomendações. São esses dois níveis os mais importantes para serem apresentados na documentação final da pesquisa, por servirem melhor como indicativo de ação e de próximos passos dentro de um projeto/produto. Mas apesar disso, os fatos sempre estarão disponíveis como fundamentação e base para os insights e recomendações levantadas.

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Giovana Gamboa
Obj Experience Chapter

Oi! Sou uma Product Designer apaixonada por resolver problemas através da tecnologia.