Entrevistas com usuários na prática
Um guia com dicas e boas práticas para entrevistas com usuários
As entrevistas com usuários são feitas para coletar informações mais profundas sobre certo assunto ou contexto. Elas são feitas principalmente para entender o porquê e o como, de como uma experiência acontece. Nesse sentido, as entrevistas podem ocorrer em diversos momentos do desenvolvimento de um projeto com diversos objetivos:
- Início do projeto: servem para quando ainda não se tem muitas informações sobre o contexto daquele projeto ou da persona, servindo assim de pontapé inicial para o planejamento as próximas etapas/ações de pesquisa e desenvolvimento;
- Meio do projeto: para validar ou enriquecer informações já existentes sobre o contexto ou persona;
- Final do projeto: para conseguir mais insights ao final de um processo de validação, como por exemplo, de um teste de usabilidade.
Tipos de entrevistas
As pesquisas são classificadas conforme o grau de estruturação: não-estruturada, semi-estruturada e estruturada.
Entrevista não-estruturada: formato onde só é definido os tópicos a serem abordados, mas não tem um roteiro de perguntas. Os pontos positivos dessa entrevista é a flexibilidade e a personalização conforme o participante ou contexto. Já os pontos negativos são o grande risco de algum tópico ser esquecido pelo moderador, de alguma pergunta acabar sendo feita de forma muito enviesada ou induzindo o participante à alguma resposta, e que não permite comparativo entre entrevistas por terem perguntas muito diferentes. Considerando isso, esse formato não é muito utilizado dentro das pesquisa de UX, a não ser em casos muito específicos, onde no início de um projeto não existe insumo o suficiente nem para montar um roteiro.
Entrevista semi-estruturada: formato onde existe um roteiro definido de perguntas, mas elas podem ser flexibilizadas conforme a necessidade. Os pontos positivos são a flexibilidade de explorar insights que surgem durante a conversa, e também apresentam um ritmo mais natural de conversa que deixa o momento mais confortável para o participante. O ponto negativo é que as perguntas que surgem fora de roteiro podem ser feitas de maneira enviesada ou induzindo o participante a alguma resposta. Esse formato é um dos mais utilizados, principalmente nos momentos iniciais de um projeto, para coleta de insights e contextos de uso.
Entrevistas estruturadas: formato onde o roteiro de perguntas é seguido à risca, sem acrescentar ou tirar perguntas durante a conversa (a não ser perguntas previamente consideradas condicionais — “se responder sim para a pergunta 1, faça a pergunta 2”). Os pontos positivos são a objetividade da entrevista, a facilidade de comparação direta entre resultados, e a diminuição de viés das perguntas (se já foram prensadas previamente assim). O ponto negativo é que a conversa se torna mais mecânica, e se perde a possibilidade de explorar mais algum insight levado pelo participante. Esse formato é melhor utilizado quando é necessário uma grande quantidade de entrevistas, quando elas vão ser feitas por terceiros, ou após testes de usabilidade.
Como fazer entrevistas?
Antes de dar início a entrevista em si, é preciso fazer todo o planejamento prévio para evitar qualquer problema. O planejamento normalmente conta com as seguintes etapas:
- Definir objetivo das entrevistas e que dúvida que precisam ser respondidas;
- Definir o cronograma das entrevistas
- Definir e recrutar os usuários;
- Criar e validar o roteiro da entrevista;
- Moderar as entrevistas;
- Compilar as entrevistas.
Objetivo da entrevista
Antes mesmo de decidir fazer entrevistas, é preciso entender qual o objetivo desta pesquisa, qual o público e que questões precisam ser respondidas, ou que informações precisam ser validadas, e se o formato de entrevista é o mais adequado para tal objetivo. Com isso em mente, tenha um objetivo escrito de forma clara e alinhada com toda a equipe do projeto, que servirá de guia para a construção do roteiro.
Definindo o cronograma das entrevistas
O cronograma deve ser definido considerando o prazo do projeto/tarefa, mas também o tempo mínimo necessário para conseguir planejar e executar o mínimo necessário (5) de entrevistas.
Outro ponto importante, é considerar o seu tempo livre de agenda para priorizar a moderação entrevistas (quanto mais livre, mais opções de horário para os recrutados), e também o tempo livre de alguém para acompanhar, a fim de ajudar nas anotações, aumentar a quantidade de insights gerados, e até mesmo para cobrir possíveis problemas técnicos (queda de energia, internet, etc.). Essa pessoa pode ser da equipe do projeto ou não, mas caso não seja, é importante repassar um contexto breve sobre a pesquisa para o acompanhamento ser mais rico.
Definindo público
Um dos passos mais importantes do planejamento de uma entrevista, é escolher os participantes certos, que vão conseguir responder os questionamentos de forma mais assertiva e completa. A escolha se dá a partir da persona do projeto em questão, ou a partir de uma hipótese de quem é a persona do projeto. Nesse último caso, a entrevista acaba servindo muito mais para validar se a hipótese de persona está correta, do que levantar insights relevantes.
Criando o roteiro de perguntas
Com o objetivo e o público já definido, chega a hora de criar o roteiro de perguntas. Os pontos mais importantes ao criar um roteiro, é definir perguntas que não possam ser respondidas apenas com “sim”ou “não” (para conseguir informações mais ricas), atentar para o número de perguntas conforme o tempo de entrevista definido, evitar perguntas ambíguas ou com vieses que induzam a uma resposta. Por exemplo:
“Você gostou dessa interface?” Vs “O que você achou dessa interface?”
A primeira pergunta dá a possibilidade de responder sim ou não, e também coage o participante a responder que “sim” por educação. Já a segunda pergunta dá mais espaço para o participante responder o que realmente achou de forma mais ampla do que apenas com sim ou não, e sem ou com menos constrangimento.
Com o roteiro de perguntas definido, agora é o momento de validar se as perguntas escolhidas são as mais adequadas e estão elaboradas da melhor forma. Para validar se as perguntas vão conseguir alcançar o objetivo da pergunta, pode ser feito uma validação com a própria equipe do projeto, colhendo feedbacks e dúvidas sobre os objetivos esperados de cada pergunta. Para validar se as perguntas estão bem elaboradas, sem ambiguidade ou viés, o melhor é fazer uma pré entrevista, que pode ser feita já com um usuário real, ou com alguém próximo (mas não da equipe do projeto) se o contexto permitir.
Recrutando os participantes
Com o perfil definido e o roteiro pronto, é hora de iniciar o recrutamento. O número mínimo de entrevistas esperadas é 5, pois é a quantidade onde já é possível encontrar padrões de resposta, menos que isso, pode acontecer da pesquisa não trazer informações relevantes e/ou confiáveis. Considerando isso, é recomendável definir o número esperado de entrevistas, e já ter uma lista de contatos com uma margem de segurança levando em conta os que possivelmente vão recusar, não vão responder, ou que talvez não compareçam no dia marcado.
O contato inicial para o recrutamento precisa iniciar no mínimo uma semana antes do período esperado para a realização das entrevistas, já que a resposta e as ações de follow up podem demorar (dependendo do canal essa demora é ainda maior, como no caso de contato pelo linkedin). Para facilitar, você pode definir scripts de contato considerando o tom de voz mais adequado para aquele público, e para cada uma das etapas de contato, como por exemplo: contato inicial, follow up (quando não há resposta), resposta após a recusa, resposta após o aceite.
Para facilitar a escolha de horários é possível utilizar a plataforma Calendly, que oferece uma página de agendamento e conecta com a sua agenda bloqueando os horários indisponíveis automaticamente. Isso facilita a definição de horário, tanto para você quanto para o participante, mas o ideal é sempre oferecer as duas opções: agendar pelo Calendly, ou pedir para o participante repassar qual o melhor horário para ele.
O tempo da entrevista pode variar de acordo com a necessidade e contexto do projeto, mas é recomendável não passar de 1 hora, e se possível dar preferência para encontros de 30 a 45 minutos, que normalmente tem uma aceitação maior na hora do recrutamento.
Moderando as entrevistas
Chegando o momento da entrevista, pode ser útil mandar um aviso para o participante (pelo canal já existente com o participante) relembrando o horário do encontro (principalmente com clientes B2C que nem sempre utilizam agendas virtuais). Confira se você tem todas as ferramentas necessárias em mãos e funcionando (microfone, câmera, roteiro ou outros materiais), e esteja presente na sala de videoconferência com antecedência junto com seu acompanhante.
Ao iniciar a entrevista, lembre-se de se apresentar e dar um breve contexto ao participante (você pode incluir isso no roteiro para facilitar), e perguntar se ele permite a gravação. Por motivos de segurança de dados e privacidade, utilize as gravações apenas internamente (equipe de design e/ou research), para posterior transcrição e consulta, e caso alguém fora da equipe solicite, você pode deixar claro que os resultados alcançados com as entrevistas estarão todos na documentação da pesquisa.
Ao pedir a permissão de gravação, explique o porquê, por quem e como essa gravação será utilizada, e com o aceite, inicie a gravação. Após iniciar a gravação, peça que o participante dê um aceite verbal com os seguintes dados:
“Sou [nome do participante], portador do documento [documento que o participante se sentir mais confortável, RG ou CPF] e autorizo a gravação”
Caso o participante não aceite a gravação, a entrevista segue normalmente, só sendo mais crítico nas anotações para evitar perder informações importantes. Durante a moderação, o importante é prestar atenção nas respostas do participante, e tentar entender algum ponto que pode ser melhor explorado, e saber controlar bem o tempo para conseguir finalizar dentro do combinado. Quanto mais você conseguir dar espaço e tempo para o participante falar melhor, mas devido ao espaço de tempo e do perfil da pessoa (falar mais ou menos), você pode ordenar seu roteiro por prioridade, definindo as perguntas que são essenciais e quais são secundárias, assim você permite mais flexibilidade durante a conversa e também mantém o foco nos pontos prioritários.
Compilando a entrevista
Existem várias formas de compilar uma entrevista, mas o formato que recomendamos dentro da nossa equipe é através do Atomic Research. Considerando esse framework, você transforma a entrevista em pequenos fatos, em sua forma mais crua. O que isso significa? Você vai pegar todas as informações importantes da conversa, quebrar no menor tamanho possível, e transcrever o mais fiel ao que o participante falou, evitando adicionar percepções pessoais ao fato. Ou seja, se durante a entrevista o participante comentou “eu gosto de comprar pelo celular, e quando posso pagar com cartão de crédito”, você pode transformar essa fala em dois fatos:
“eu gosto de comprar pelo celular”
“[eu gosto] quando posso pagar com cartão de crédito”
Dessa forma, ao transformar uma entrevista em fatos, você consegue usar esses fatos para vários propósitos e projetos, aumentando a vida útil de uma pesquisa e facilitando a correlação entre vários fatos, até mesmo de pesquisas diferentes.
Com os fatos extraídos, outra forma de facilitar a clusterização e correlação entre as informações, é categorizar esses fatos, em uma ou mais categorias. As categorias são variáveis para cada empresa e/ou projeto, então podem ser desde categorias baseadas em jornadas, em produtos, em personas ou várias outras possibilidades. O importante é pensar em categorias que façam sentido e facilitem a filtragem e clusterização desses fatos posteriormente.
A partir desses fatos, você pode retirar insights, e a partir desses insights, recomendações. São esses dois níveis os mais importantes para serem apresentados na documentação final da pesquisa, por servirem melhor como indicativo de ação e de próximos passos dentro de um projeto/produto. Mas apesar disso, os fatos sempre estarão disponíveis como fundamentação e base para os insights e recomendações levantadas.