A Depressão e a Psicanálise

Uma visão psicanalítica da depressão.

Allan Limeira
Objeto a
8 min readJun 22, 2024

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"Melancolia" Louis Jean-François Lagrenée

Segundo estudo epidemiológico da depressão no Brasil disponibilizado pelo Ministério da Saúde, cerca de 15% das pessoas sofrem desse mal em algum momento da vida. A OMS afirma que cerca de 10% das pessoas que procuram a rede primaria de saúde estão acometidos pela depressão.

Muitas vezes confundimos a depressão com luto ou tristeza, estas últimas são algo comum para nossa espécie e fazem parte de nosso desenvolvimento, estão ligadas às decepções que temos no decorrer da vida ou ao processo de perda de um objeto e o direcionamento a um novo. Já a depressão pode ser entendida como um rebaixamento da nossa vontade de viver, perda pelo interesse na vida, podendo ser dividida em leve, moderada ou grave, nesse último o rebaixamento é tão severo que existe grande risco de suicídio.

Alguns dos sinais de alerta da depressão observados são intolerância extrema a perdas e frustrações, subordinação ao julgamento dos outros, exigência exagerada de si mesmo, baixa autoestima, sentir-se não amado e sensação constante de desejo inalcançável.

Para a neurologia contemporânea, um dos principais fatores para que ela ocorra são os baixos níveis de serotonina, mas para a psicanálise, isso é apenas o efeito de um problema de maior dimensão.

Para Freud, tanto o luto quanto a melancolia acorrem a partir de um evento traumático, uma perda. Essa perda não precisa necessariamente ser uma morte, pode ser a mudança de cidade, o fim de uma amizade ou até mesmo o fim de um ciclo na vida. O luto não costuma ser patológico, é um momento em que se reelabora e se ressignifica a perda, é o momento necessário para o indivíduo parar de associar a libido a certo objeto. É a vitória da realidade sob nosso Eu, aceitando pode-se assim continuar a viver. O luto ocorre porque nossa energia psíquica está direcionado a certo objeto e, quando esse objeto é perdido, essa energia se volta ao Eu. O afastamento social ocorre pois o indivíduo está concentrado em se desvincular do objeto perdido para poder reinvestir essa energia em novos objetos.

Segundo Freud, existem três precondições para a melancolia, a perda do objeto, ambivalência e regressão da libido ao Eu. Tanto a perda do objeto quanto a ambivalência estão presentes também nas auto-recriminações que acontecem no luto, porém em relação a libido que retorna ao Eu, no caso do luto, esta se liga a um novo objeto após o processo, já na melancolia isso não acontece.

Com o melancólico ocorre a identificação com o objeto. É como se de certo modo o objeto fizesse parte do indivíduo, ele não aceita a perda, fixa-se no que foi perdido mesmo sem saber o que se perdeu, as vezes até tendo a consciência do objeto perdido, mas não exatamente o que se foi com ele.

Considerando a ideia de ambivalência concebida por Freud, inconscientemente nós amamos e odiamos o mesmo objeto, quando ocorre a perda no melancólico, o ódio antes direcionado ao objeto retorna ao Eu, que se se vê então dividido em duas partes uma que ataca, sádica e outra que é atacada. O automartírio prazeroso como é chamado por Freud ocorre no melancólico quando este se vinga pela autopunição em vez de confrontar o próprio objeto. Sendo assim, o melancólico não se importa de fazer autocritica exacerbada, insultar si mesmo, se autoincriminar, pois os ataques na verdade se referem inconscientemente a outras pessoas. Segundo Freud (1917),

“No luto é o mundo que se torna pobre e vazio; na melancolia é o próprio Eu” (Freud, Luto e melancolia, 1917)

Alguns autores como Julia Kristeva diferenciam a melancolia da depressão. Segundo a autora, a depressão está mais associada a uma perda de energia, vitalidade, já a melancolia envolve uma perda mais profunda do sentido da vida.

Tanto uma como outra podem ser explicadas também pelo pensamento Lacaniano. A origem da depressão pode estar relacionada ao objeto de desejo do sujeito, sendo a depressão uma manifestação relacionada a busca pela realização desse desejo.

Segundo Lacan, o sujeito se constitui pelo processo de alienação, assim, sendo introduzido na cultura, na linguagem, essa alienação faz com que o sujeito se identifique com um ideal imaginário, buscando se encaixar em uma imagem preestabelecida, podendo, assim, levar a uma sensação de frustração, inadequação, quando não atinge a imagem ideal. Nesse sentido,

“ (…) O desejo do homem encontra seu sentido no desejo do outro, não tanto porque o outro detenha as chaves do objeto desejado, mas porque seu primeiro objeto (do desejo do homem) é ser reconhecido pelo outro.” (LACAN)

Para teoria Lacaniana a depressão pode nascer da relação do sujeito com a falta. Quando ocorre o confronto com a falta, acontece a separação. O sujeito sempre estará separado de seu objeto de desejo pelo simbólico, pela linguagem, quando este não consegue lidar com essa falta surge a depressão.

A Depressão anaclítica ou essencial, caracteriza-se principalmente pelos sentimentos de solidão, de vazio. Para entendermos melhor devemos ter conhecimento do conceito proposto por Freud da escolha anaclítica do objeto, que está baseada na escolha do objeto usando como modelo a relação com seus pais, o desejo de querer receber o tratamento semelhante aquele que recebia de sua mãe e ou de seu pai.

De forma genérica podemos explicar as raízes da depressão essencial, para a psicanálise, durante as fases de desenvolvimento psicossexual. Na infância nossa libido é direcionada à zona referente aquele estádio, essa libido vai seguindo seu caminho até chegar ao estágio de latência, onde ocorre uma certa “dormência” desta e, neste processo, parte dela é dessexualizada abrindo caminho para os interesses em outras atividades externas, sociais. Posteriormente a parte da libido que se manteve sexualizada retorna encaminhando o indivíduo para busca de um parceiro ou parceira sexual.

Alguns indivíduos no estádio anterior à latência não conseguiram resolver seu complexo de édipo de forma eficaz, apesar de superarem este estágio tendem a manter em seu inconsciente um aprisionamento nesta relação “perfeita” pré-edipiana onde seus desejos, vontades e necessidades eram todos supridos pelos pais. O indivíduo com estas características procura por diversas formas encontrar novamente o prazer que lhe era permitido nessa relação e, durante esse caminho, seu objetivo inconsciente acaba até sendo-lhe uma espécie de “combustível” para o seu desenvolvimento, no entanto, essa busca por um conceito de felicidade, realização impossível acaba por frustrá-lo e muitas vezes, apesar de suas conquistas profissionais, no relacionamento ou em outros pontos positivos de sua vida, nunca encontra o que procura, e é quando este percebe a impossibilidade de sua busca que nasce a depressão, aquele sentimento que o leva ao rebaixamento da vontade de existir, de viver.

Com a pesquisa do psiquiatra Bowlby, na qual foram descobertos três estágios que ocorriam quando os bebês eram afastados de suas mães podemos entender melhor o que ocorre na depressão.

O primeiro é o protesto onde a criança chora a procura da mãe perdida. O segundo é a desesperança em que o bebê está em sofrimento e já não acredita poder encontrar a mãe. O último estágio é o retraimento quando ocorre o desapego emocional e a indiferença, essa fase seria correspondente a depressão adulta.

Outro caminho para pensarmos, proposto pelo psicanalista Jorge Forbes, é a depressão fruto da quebra da nossa identidade.

Atualmente vivemos uma modificação na forma da nossa organização social e a organização de nossa identidade. Segundo Forbes, estamos passando de um mundo que antes era verticalmente orientado para um mundo horizontalmente orientado. Ele os diferencia como a Terra um (antiga) que era hierárquica, progressiva, disciplinada e modalizada para o mundo e a Terra dois (nova) que é variável, criativa é diversa, fluida. A geração de adultos mais velhos teve constituída a identidade no mundo antigo, vertical e foi obrigada a se adaptar ao novo mundo, o horizontal. Essas pessoas acabam passando pela sensação de desbussolamento, sentem-se perdidos, sem compreensão sobre o que escolher e como fazer, quando isso acontece culpabilizam-se.

Podemos entender melhor como isso ocorre em menor escala resumindo um exemplo dado por Forbes, em que o indivíduo se encontra caminhando por uma rua movimentada junto a um amigo quando avista outro amigo vindo em direção a eles, ele se prepara para cumprimentá-lo e, ao passar ele o cumprimenta, porém é ignorado. O amigo que está ao lado diz então, “o que você fez pra ele te tratar assim?” Nesse momento, o sujeito começa a pensar o que poderia ter feito de errado. Com esse exemplo vemos a seguinte situação, a perda de identidade ao ser ignorado e essa identidade sendo recuperada quando o indivíduo se culpa, se insulta, pensando o que foi feito de errado por ele. Quando a identidade é recuperada por meio do auto-insulto, da própria culpabilização ocorre então a depressão.

Uma importante colocação, que serve também como alerta para reduzirmos os danos as gerações futuras é a depressão causada por identificações patógenas que são as de identificação com o objeto deprimido. Neste tipo de depressão, a criança acaba seguindo o mesmo caminho daquele adulto que a está preparando para a vida e, dificilmente, irá conseguir escapar do pessimismo e da perda de vontade, do desinteresse de viver naquele mundo que o adulto está a apresentar-lhe.

Vale lembrar do conceito parentalidade suficientemente boa, derivado do conceito do psicanalista inglês, Donald Woods Winnicott de mães suficientemente boas. Os pais suficientemente bons devem preparar seus filhos oferecendo-lhes toda a base que lhe permitam viver as frustrações tanto em sua relação com eles, quanto com o mundo, sem perder o interesse pela vida. Segundo o autor,

“A provisão ambiental suficientemente boa que torna possível à prole lidar com o imenso choque da perda de sua onipotência”.

Essa relação suficientemente boa e de um ambiente facilitador pode ser demonstrada com a situação de um bebê que brinca sozinho, mas com sua mãe por perto, fazendo seus afazeres pronta para ajudá-lo quando preciso, assim deixando-o desenvolver o seu próprio espaço. Tanto uma relação insuficiente a qual leva a criança desamparada ao desenvolvimento precoce, quanto a que não lhe permite o espaço necessário para desenvolver individualidade, provavelmente darão origem a futuras psicopatologias.

Faz se importante ressaltar que estas não são as únicas origens dos diversos tipos de depressão. Diante das complexidades que envolvem o tema, este deve ser debatido de maneira multidisciplinar, sempre levando em consideração as implicações culturais e sociais.

A psicanálise busca uma melhor relação entre o sujeito e a falta. A aceitação de que seremos sempre sujeitos de desejo e estaremos sempre lidando com a falta, passarmos de sujeitos faltantes para sujeitos desejantes, sairmos da alienação, sairmos da posição de objeto de desejo e passar a satisfazer o próprio desejo.

Referências bibliográficas:

FREUD, Sigmund. Luto e Melancolia. In: Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. Editora Imago, 1996, v. XIV.
FREUD, Sigmund. Três Ensaios Sobre a Sexualidade. In: Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. Editora Imago, 1996, v. VII.
KRISTEVA, Julia. “Melancolia e Depressão: do Luto à Clínica
LACAN, Jacques. Escritos. Editora Zahar, 1998.
LAPLANCHE, Jean. Vocabulário da Psicanálise. Martins Fontes, 2012.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Depressão. Disponível em: <www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/d/depressao> Acesso em: nov. 2023.
ZIMERMAN, David E. Fundamentos Psicanalíticos: Teoria, Técnica e Clínica. Editora Artmed, 2017.
WINNICOT, D. W. O Ambiente e os Processos de Maturação. Editora WMF Martins Fontes, 2019.
DUNKER, Christian. Como a psicanálise enxerga a depressão? [Online]. Disponível em: < www.youtube.com/watch?v=UV5JpG3O64g >. Acesso em: nov. 2023.
FORBES, Jorge. Depressão | Jorge Forbes [Online]. Disponível em: <www.youtube.com/watch?v=io-PLcgw9rg >. Acesso em: nov. 2023.

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