Boletim Semanal — 15.09.2022

Resumo das principais decisões

Temos a satisfação de publicar hoje, 15.09.2022, o 5º boletim do Observatório da Desinformação Online nas Eleições de 2022, parceria entre o CEPI e o Núcleo COMPPIT da FGV-SP.

Aplicando os nossos critérios de relevância para seleção de casos, identificamos e analisamos 13 decisões de todas as áreas jurisdicionais da Justiça Eleitoral, emitidas desde 31 de agosto de 2022.

Total de decisões analisadas: 13
Decisões contendo pedidos de remoção de conteúdo: 9

Conteúdo mantido

5 decisões (56%) indeferiram pedidos de remoção, não enquadrando os casos como desinformação.

Avaliação da veracidade:

Em 1 desses casos (20%), não foi feita nenhuma pesquisa adicional para aferir a veracidade do conteúdo observado.

Nos demais, a verificação da (in)veracidade foi feita pelo magistrado por meio de:
Consulta a fontes de notícias: 2 decisões (40%)
Fontes oficiais de investigação: 0 decisões (0%)
Versão original do conteúdo: 1 decisão (20%)

Conteúdo removido

4 decisões (44%) deferiram pedidos de remoção, enquadrando os casos como desinformação.

Avaliação da veracidade

Em 1 desses casos (25%), não foi feita nenhuma pesquisa adicional para aferir a veracidade do conteúdo analisado.

Nos demais, a verificação da (in)veracidade foi feita pelo magistrado por meio de:
Consulta a fontes de notícias: 2 decisões (50%)
Fontes oficiais de investigação: 0 decisão (0%)
Versão original do conteúdo: 0 decisões (0%)

A distribuição regional da amostra analisada pode ser visualizada no mapa abaixo.

Decisões em destaque

Caso 1 — “Um escândalo tamanho família”: Enquanto houver espaço para o debate público discutir ou apurar os fatos, não cabe intervenção da Justiça Eleitoral

0600952–52.2022.6.00.0000 (TSE) — 08.09.2022

Representante(s): Coligação Pelo Bem do Brasil
Representado(s): Coligação Brasil da Esperança

Conteúdo impugnado: Propaganda eleitoral produzida pela Coligação Brasil da Esperança, veiculada nos dias 4 e 5 de setembro, que, com base em matéria publicada pelo veículo jornalístico UOL, aponta a compra de 107 imóveis em nome da família Bolsonaro desde de sua entrada na política.

A propaganda teve o seguinte teor: “Mansão de 20 mil metros quadrados no interior de São Paulo; mansão no Rio de Janeiro; mansão de 6 milhões em Brasília. Esses são apenas 3 dos 107 imóveis comprados pela família Bolsonaro desde sua entrada na política. A investigação da imprensa revelou outro escândalo: 51 desses imóveis foram pagos em dinheiro vivo, no valor atualizado de 25 milhões. De onde vem tanto dinheiro vivo da família Bolsonaro? É um escândalo tamanho família.

Decisão: O Ministro Paulo Sanseverino indeferiu a liminar que pedia a remoção da referida propaganda, entendendo não haver, neste caso, a ocorrência de fake news. A alegação era a de que o conteúdo era inverídico, gravemente descontextualizado e ofensivo ao candidato Jair Bolsonaro, visto que os representados se utilizaram do termo “dinheiro vivo — o que confere impressão de ilicitude -, ao passo que a reportagem do UOL se refere a “moeda corrente”. Segundo o Ministro, o conteúdo não representa desinformação porque: (i) a publicidade questionada se baseia em matéria jornalística (o que comprova a ausência de descontextualização); (ii) a publicidade não se enquadra no conceito de “sabidamente inverídico” (aquele verificável de plano) porque as alegações ainda não foram comprovadas nem desmentidas pelas esferas públicas. Assim, ainda que indesejável, a confusão entre os termos dinheiro “vivo” ou “em espécie” faz parte do debate público legítimo. Por fim, (iii) a propaganda possui caráter irônico e retórico; conforme jurisprudência do TSE, a adoção de tom exaltado ou sensacionalista não configura, por si só, fake news.

Análise/Discussão: A decisão traz conceitos de desinformação (abaixo), o que é relevante para o mapeamento jurisprudencial do que o TSE entende como ‘fake news’. A decisão deixa claro que se algo não passou pela apuração de veracidade (conforme esfera competente), não há como se falar em “sabidamente inverídico”, dando a entender que a evidência da inveracidade depende de comprovação por esferas competentes.

  • Conceito de desinformação (jurisprudência eleitoral): Para que a liberdade de expressão seja devidamente assegurada, em princípio, não devem ser caracterizados como “fake news”: os juízos de valor e opiniões; as informações falsas que resultam de meros equívocos honestos ou incorreções imateriais; as sátiras e paródias; e as notícias veiculadas em tom exaltado e até sensacionalista. Deve-se usar o conceito de “fake news” para o conteúdo manifestamente falso que é intencionalmente criado e divulgado para o fim de enganar e prejudicar terceiros, causar dano, ou para lucro. (RESPE nº 972–29/MG, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJe de 26/08/2019) (grifos no original).
  • Conceito de desinformação (Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) da União Europeia,): Uma notícia, por definição, não é falsa. Falsas são as narrativas que, embora anunciadas como notícias e contendo partes de textos copiados de jornais ou de sites do mesmo género, integram conteúdos ou informações falsas, imprecisas, enganadoras, concebidas, apresentadas e promovidas para intencionalmente causar dano público ou obter lucro. […] Para melhor delimitação do universo em causa, foi adotado como conceito operacional de desinformação toda a informação comprovadamente falsa ou enganadora que é criada, apresentada e divulgada para obter vantagens económicas ou para enganar deliberadamente o público, e que é susceptível de causar um prejuízo público. […] A desinformação não abrange erros na comunicação de informações, sátiras, paródias ou notícias e comentários claramente identificados como partidários e, como já referido, não estão em causa conteúdos ilegais.

Palavras-chave: propaganda eleitoral; UOL; imóveis; Bolsonaro; TSE; conceito de desinformação

Caso 2 — Se fala for ambígua, não cabe remoção de conteúdo que explora um de seus significados

0600927–39.2022.6.00.0000 (TSE) — 05.09.2022

Representante(s): Coligação Brasil da Esperança
Representado(s): Eduardo Nantes Bolsonaro

Conteúdo impugnado: Posts de Eduardo Bolsonaro nas redes sociais explorando fala de Lula no Jornal Nacional em diálogo sobre a relação entre meio ambiente e agronegócio, em que expressou a seguinte frase: “O agronegócio fascista, sabe, que é fascista e direitista.”

Decisão: O pedido de remoção do conteúdo foi indeferido. Na visão da Ministra Maria Claudia Bucchianeri, não há grave descontextualização, uma vez que a fala foi suficientemente ambígua para permitir interpretações diversas. Prova disso é que o próprio candidato foi instado, na entrevista, a corrigir sua fala. Para conferir a informação, a Ministra recorreu a mídias de notícias e consultou o conteúdo em seu formato original, contextualizado. A decisão se baseia no art. 38 da Resolução TSE nº 23.610/21, que determina a menor interferência possível do Judiciário no debate democrático.

Palavras-chave: Lula, agronegócio, fascista, indeferimento

Caso 3 — Apesar de conter referência a notícias jornalísticas reais, postagem de Eduardo Bolsonaro caracterizada como desinformação

0600826–02.2022.6.00.0000 (TSE) — 01.09.2022

Representante(s): Coligação Brasil da Esperança — Nacional e Luiz Inácio Lula da Silva
Representado(s): Eduardo Nantes Bolsonaro

Conteúdo impugnado: publicação no Twitter, Instagram e Facebook afirmando que Lula e o Partido dos Trabalhadores “apoiam invasões de igrejas e perseguição de cristãos”, construídas a partir de recortes de reportagens jornalísticas antigas e atuais. As antigas noticiaram o apoio do PT à eleição de Ortega na Nicarágua. Entre as mais recentes: “Em entrevista, Lula minimiza ditadura de Ortega na Nicarágua”; “Polícia da Nicarágua proíbe procissão católica em repressão à igreja no país”; etc.

Decisão: A Ministra Cármen Lúcia determinou a remoção do vídeo e a proibição de repostagem de publicações de mesmo conteúdo.

Na decisão liminar, a Ministra entendeu que, apesar de a intervenção da Justiça Especializada dever ser mínima, o conteúdo impugnado não pode ser mantido, pois não se enquadra como legítima manifestação de pensamento. Em sua visão, o conteúdo configuraria divulgação de informação sabidamente inverídica e ofensiva à honra e imagem do pré-candidato, uma vez que buscou vinculá-lo à perseguição religiosa.

Análise/Discussão: Diferentemente de decisões analisadas previamente nestas eleições, o fato de a narrativa ter sido construída a partir de notícias jornalísticas efetivamente veiculadas não foi suficiente para afastar a caracterização como desinformação. A dimensão de ódio religioso parece ter contribuído para um grau menor de tolerância por parte da Ministra, seguindo a aparente tendência da Corte. A decisão não avalia a possibilidade de o uso de notícias antigas configurar grave descontextualização.

Palavras-chave: Nicarágua; PT; perseguição religiosa; remoção

Caso 4 — Não remove o conteúdo, mas divulga o responsável

0600722–10.2022.6.00.0000 (TSE) — 16.08.2022

Representante(s): Partido Democrático Trabalhista (PDT)
Representado(s): Perfil do Instagram “@LIBERTA_LIMOEIRO”

Conteúdo impugnado: Vídeo veiculado no Instagram, apresentando suposta montagem do candidato à Presidência da República Ciro Gomes. Intercala falas do candidato a respeito dos mandamentos bíblicos e valores cristãos com falas do candidato contrárias a estes mandamentos. Por exemplo: Após falar “Não matarás…”, corta-se o vídeo e são exibidas imagens e som com os seguintes dizeres: “esse Moro mandou prender um blogueiro. Ele que mande me prender. Eu recebo a turma dele na bala”.

Decisão: Apesar das alegações dos representantes sobre uso de artifício de montagem, trucagem e grave descontextualização para disseminar conteúdo difamatório e descontextualizado sobre o candidato, a Ministra Cármen Lúcia, em decisão liminar, não ordenou a remoção do conteúdo. Entendeu não configurada propaganda negativa, pois os requisitos para tanto (pedido explícito de não voto no candidato, divulgação de fato sabidamente inverídico ou, ainda, a maculação da honra) não se encontram preenchidos. Ademais, afirma que a liberdade de expressão protege críticas políticas, ainda que duras e ácidas, como parte do debate político. Apesar disso, a Ministra autorizou que o Instagram divulgasse as informações referentes à conta do administrador do perfil responsável.

Conclusão(ões)-chave: Em se tratando de decisão liminar (i.e., partindo de análise superficial e não definitiva), não há contradição entre o deferimento de um pedido e o indeferimento do outro. Ainda assim, a decisão chama atenção, já que a maioria das decisões analisadas neste período eleitoral não tem acatado pedidos de identificação do usuário.

Palavras-chave: [Ciro Gomes, montagem, descontextualização; dados sobre o adminstrador; Instagram]

O total de decisões mapeadas não corresponde a uma lista exaustiva de todos os processos da Justiça Eleitoral que tratam do tema de desinformação online, mas deve ser entendido como uma amostra de casos publicados no Diário Oficial de todos os estados e do TSE dentro do período analisado. Ademais, erros de codificação e casos em zonas cinzentas que venham a demandar maior análise não compõem a amostra atual devido a limitações temporais.

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CEPI - FGV DIREITO SP
Observatório da Desinformação nas Eleições 2022

O Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da Escola de Direito da FGV SP visa debater temas jurídicos que envolvem tecnologia, sociedade e educação. @fgvcepi