Boletim Semanal — 20.10.2022

Resumo das principais decisões

Temos a satisfação de publicar hoje, 20.10.2022, o 10º boletim do Observatório da Desinformação Online nas Eleições de 2022, parceria entre o CEPI e o Núcleo COMPPIT da FGV-SP.

Aplicando os nossos critérios de relevância para seleção de casos, identificamos e analisamos 23 decisões de todas as áreas jurisdicionais da Justiça Eleitoral, emitidas desde 25 de setembro de 2022.

Total de decisões analisadas: 23
Decisões contendo pedidos de remoção de conteúdo: 15

Conteúdo mantido

5 decisões (33%) indeferiram pedidos de remoção, não enquadrando os casos como desinformação.

Avaliação da veracidade:

Em 2 desses casos (40%), não foi feita nenhuma pesquisa adicional para aferir a veracidade do conteúdo observado.

Nos demais, a verificação da (in)veracidade foi feita pelo magistrado por meio de:
Consulta a fontes de notícias: 0 decisões (0%)
Fontes oficiais de investigação: 0 decisões (0%)
Versão original do conteúdo: 1 decisão (20%)

Conteúdo removido

10 decisões (67%) deferiram pedidos de remoção, enquadrando os casos como desinformação.

Avaliação da veracidade

Em 6 desses casos (60%), não foi feita nenhuma pesquisa adicional para aferir a veracidade do conteúdo analisado.

Nos demais, a verificação da (in)veracidade foi feita pelo magistrado por meio de:
Consulta a fontes de notícias: 0 decisões (0%)
Fontes oficiais de investigação: 1 decisão (10%)
Versão original do conteúdo: 3 decisões (30%)

A distribuição regional da amostra analisada pode ser visualizada no mapa abaixo.

Decisões em destaque

Caso 1 — Bolsonaro e Pedofilia

0601521–53.2022.6.00.0000 (TSE) — 16.10.2022

Representante(s): Coligação Pelo Bem do Brasil, Jair Messias Bolsonaro
Representado(s): Coligação Brasil da Esperança, Gleisi Helena Hoffmann e Luiz Inácio Lula da Silva

Conteúdo impugnado: Vídeo, publicado por Gleisi Hoffmann em suas redes sociais, que apresenta trecho de entrevista concedida pelo candidato à reeleição ao cargo da Presidência da República, Jair Bolsonaro, no qual ele diz:

[…] parei a moto numa esquina, tirei o capacete, olhei umas menininhas, três quatro bonitas, arrumadinha no sábado numa comunidade, parecidas, pintou um clima, voltei, posso entrar na sua casa, entrei, tinha umas quinze vinte meninas, sábado de manhã, se arrumando, todas venezuelanas, e eu pergunto: meninas bonitinhas, 14 15 anos se arrumando para quê? Para ganhar a vida.

Juntamente ao vídeo, Hoffmann veiculou o seguinte texto: “Bolsonaro confessa q [sic] pintou clima com meninas de 14, 15 anos. Que entrou na casa das garotas… O q [sic] mais vamos saber desse homem?! Depravado, criminoso, É triste ver esse traste na presidência do Brasil!”.

Decisão: O Ministro Alexandre de Moraes aceitou o pedido de Bolsonaro para que a publicação fosse removida e proibida de ser veiculada novamente. O Ministro afirma haver um descolamento entre a publicação e a realidade, dado que o vídeo apresentaria cortes e encadeamentos inexistentes de falas do Representante, de forma a torná-las descontextualizadas. Tal descontextualização, diante da associação da figura de Bolsonaro a fato grave (pedofilia), imputando-lhe o crime do art. 217-A (estupro de vulnerável), teria alto potencial de indução do eleitorado negativamente. Moraes ressalta, para demonstrar a dimensão dos efeitos da publicação, que a #bolsonaropedofilo se tornou rapidamente a primeira colocada no Twitter. Para o Ministro, não se demonstra na fala o conteúdo do crime atribuído a Bolsonaro, concluindo que o trecho configura divulgação de fato sabidamente inverídico e descontextualizado pela Representada.

Palavras-chave: [Bolsonaro; pedofilia; remoção; descontextualização]

Caso 2 — Nikolas Ferreira e o “faz o L”

0601399–40.2022.6.00.0000 (TSE) — 10.10.2022

Representante(s): Coligação Brasil da Esperança, coligação do candidato Lula

Representado(s): Nikolas Ferreira de Oliveira, deputado eleito mais votado das eleições gerais de 2022, e outros

Conteúdo impugnado: Vídeo publicado nas redes sociais de Nikolas Ferreira no qual apresenta uma série de supostas consequências futuras negativas e as associa ao “faz o L”, marca da campanha de Lula. Por exemplo: “Quando seu filho chegar em casa com os olhos vermelhos de tanta droga, dá um sorriso e faz o L”, associando o “L” ao uso de drogas. O vídeo segue no formato, fazendo referência às práticas de roubo, assassinato, abordo, censura e fechamento de igrejas.

Decisão: Foi deferido, pelo ministro do TSE Paulo Sanseverino, o pedido da Coligação Brasil da Esperança de remoção das publicações realizadas pelo Representado. O ministro considerou o discurso “manifestamente inverídico e odioso”, reconhecendo o objetivo de induzir usuário da rede social a vincular o candidato a práticas imorais e ilegais, cabendo intervenção da Justiça Eleitoral para proteger a honra do candidato e garantir o livre exercício do voto.

Conclusão(ões)-chave: Apesar de o teor da publicação ser mais opinativo do que factual, o fato de a crítica ser violenta, com caráter odioso, parece autorizar a remoção como um conteúdo desinformativo.

Palavras-chave: [Nikolas Ferreira; Lula; “faz o L”; inverídico; odioso; remoção]

Caso 3 — Lula Defende Assalto ou Asfalto?

0601469–57.2022.6.00.0000 (TSE) — 15.10.2022

Representante(s): Coligação Brasil da Esperança, coligação do PT
Representado(s): Carlos Nantes Bolsonaro e outros

Conteúdo impugnado: Publicação dos representados de vídeo originalmente postado pelo candidato Luiz Inácio Lula da Silva, mas com a legenda original alterada, conforme a seguir: “Uma grande rodovia é muito importante para quem tem carro. E para o povo que anda a pé? Será que um assaltozinho [asfaltozinho, no original] na rua que ele mora não é melhor, não é imprescindível?

Decisão: O pedido liminar foi parcialmente deferido pelo Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, determinada a remoção dos vídeos das plataformas citadas (Twitter, Instagram, Facebook, Tiktok, Kwai). Sanseverino destacou o entendimento do Tribunal de que a Justiça Eleitoral pode interferir na livre circulação de pensamentos para “coibir práticas abusivas ou divulgação de notícias falsas, de modo a proteger a honra dos candidatos e garantir o livre exercício do voto”, o que, em seu entendimento, teria ocorrido no caso. O Ministro ordenou notificação dos fatos ao Ministério Público Federal, pois entendeu que a “divulgação de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados pode ensejar a apuração de responsabilidade penal, abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação

Conclusão(ões)-chave: Manipulação de legenda pode ser considerada notícia falsa, o que não só ofende a honra do candidato, mas também obsta o livre exercício do voto.

Palavras-chave: [Lula; asfaltozinho; manipulação de legenda; remoção]

Caso 4 — Ação de Investigação Judicial Eleitoral: Google Ads para fazer propaganda política é válido?

0601312–84.2022.6.00.0000 (TSE) — 06/10/2022

Representante(s): Coligação Pelo Bem Do Brasil e Jair Messias Bolsonar
Representado(s): Coligação Brasil da Esperança e seus candidatos a Presidente e Vice-Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva e Geraldo José Rodrigues Alckmin Filho

Conteúdo impugnado: Propagandas eleitorais favoráveis ao candidato à presidência Luiz Inácio Lula da Silva, utilizando-se dos algoritmos dos Anúncios do Google. Ao pesquisar termos como: “Lula condenação”, “Lula Sérgio Moro”, “Lula corrupção PT”, “Lula Petrobrás”, “Lula Triplex”, “Lula corrupto”, “Lula lava jato”, “Lula processos” e “Lula anulação processos”, os anúncios mostravam primeiramente as opções: “Lula foi absolvido — A farsa da Prisão de Lula”, “Lula foi absolvido — a inocência de Lula”, “Processos que Lula ganhou — Lula foi absolvido”.

Decisão: O ministro Benedito Gonçalves indeferiu o pedido liminar de remoção dos conteúdos, não só porque os anúncios mencionados não estavam mais disponíveis, mas fundamentalmente porque entendeu que não se sustentavam as alegações jurídicas de abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação a partir do uso da ferramenta Google Ads. Para além de desconsiderar que a busca pelas palavras indicadas acima pode ser feita por pessoas que gostariam de se informar sobre as anulações dos processos e não somente sobre as etapas de condenação, (i) a legislação eleitoral já permite a utilização de anúncios pagos por campanhas (art. 26, Lei 9.504/97), contrariando a tese de que os anúncios estariam adulterando a ordem de exposição dos fatos; (ii) os anúncios pagos pela campanha estão associados ao nome do candidato do próprio partido e não de candidato adversário (o que já foi, inclusive, entendido como lícito pela Corte); (iii) a liberdade de informação não é violada quando o eleitor se depara com conteúdos de sentido inverso daqueles que gostaria de encontrar ao realizar uma busca, mas, na verdade

“[…] é essencial ao exercício dessa liberdade a diversidade das fontes informativas, o que não exclui os recursos de impulsionamento lícito na internet, desde que essa circunstância seja destacada. Nesse sentido, a lei, ao exigir que o anúncio feito no google ads alerte que se trata de propaganda eleitoral paga, confere ao usuário condições de avaliar se lhe interessa acessar o conteúdo e qual o valor lhe deve ser atribuído.”

Conclusão(ões)-chave: Percebe-se a defesa do uso dos algoritmos dos Anúncios do Google como forma de impulsionamento lícito, permitido dentro da disputa eleitoral.

Palavras-chave: [algoritmo; Google Ads; impulsionamento de conteúdo; licitude]

Caso 5 — Associação com PCC em montagem no WhatsApp

0601811–35.2022.6.12.0000 (TRE-MS) — 11/10/2022

Representante(s): Coligação Mudança de Verdade (PRTB/ Avante)
Representado(s): Números +55 67 9 8482–0740 (Celene Portilho) e +55 67 9 9815–1013 (Helen)

Conteúdo impugnado: Vídeo compartilhado em grupos de WhatsApp com montagem associando o candidato a governador do MS, Capitão Contar, ao PCC, ao tráfico de drogas e ao crime organizado.

Decisão: O juiz Ricardo Gomes Façanha deferiu o pedido de remoção do conteúdo, além da sua não veiculação em qualquer outro meio de comunicação social, por entender tratar-se de ultrapassagem dos limites permitidos à liberdade de expressão no debate político. O magistrado entendeu haver uma clara ofensa à honra do Representante, ao associá-lo ao crime de narcotráfico, sem fundamentação contundente. Ademais, o vídeo foi considerado descontextualizado, ofensivo e atinge a integridade do processo eleitoral. Determinou não somente a remoção do conteúdo mas também a publicação do conteúdo original, acompanhado da decisão na íntegra nos grupos de WhatsApp onde a montagem foi divulgada.

Conclusão(ões)-chave: Como não é possível excluir conteúdos do WhatsApp após 60 horas de seu envio, pode-se determinar a proibição de repostagem do conteúdo em qualquer mídia social e a publicação da decisão judicial corretiva nos mesmos canais da veiculação da desinformação.

Palavras-chave: [WhatsApp; montagem; PCC; Capitão Contar]

Caso 6 — “Roda-Bicha” Infantil

0603536–10.2022.6.21.0000 (TRE-RS) — 16.10.2022

Representante(s): Coligação Um Só Rio Grande (PSDB, CIDADANIA, PODEMOS, PSD, MDB, UNIÃO)
Representado(s): Maurício Jacobsen da Costa, eleitor

Conteúdo impugnado: Vídeo de Tiktok divulgado no Twitter e no Instagram do Representado: “Pessoal, me sinto na obrigação de fazer uma denúncia sobre um ato do Eduardo Leite que aconteceu ainda quando ele era governador e que passou despercebido pra [sic] muitos pais. Antes dele renunciar aos gaúchos ele apoiou um evento chamado roda bicha que promove um show chamado criança viada. Pasmem vocês, é isso mesmo. Criança viada. E ele colocou as redes da nossa Secretaria de Cultura à disposição para realizar o projeto roda bicha. Com o dinheiro dos gaúchos. Pra[sic] esse evento o que eles chamam de arte. Isso aqui ó: “criança viada jamais será calada”, “criança viada travestida lambada”. É isso. Eu não tenho nada contra vida privada. Eduardo Leite, faz o que tu bem entender na tua vida privada. Jesus Cristo respeitou o livre-arbítrio. Quem somos nós para proibi-lo? Mas uma coisa é tu fazer o que bem entender na tua vida privada, outra coisa é tu bulir, tu mexer com crianças que não tem de fazer escolhas ainda. Muito menos de fazer escolhas sexuais sendo manipuladas. E o Eduardo Leite é aquele que já tinha feito um contrato com a UNESCO para implementar a ideologia de gênero nas escolas gaúchas. E o mais preocupante de tudo isso é que muitos pais ainda não acordaram pro perigo chamado Eduardo Leite, o perigo que ele representa para as nossas crianças.”

Decisão: A Desembargadora determinou a remoção do conteúdo, evidenciando que o objetivo da veiculação é realizar propaganda eleitoral negativa, em prejuízo da candidatura postulada, e gerar temor do eleitorado em relação ao candidato Eduardo Leite, no sentido de que este representaria um perigo para os filhos de potenciais eleitores. Ainda, disse que a situação seria grave, já que as postagens foram realizadas em momento sensível e crítico das eleições, uma vez que as disputas de segundo turno envolvem somente dois candidatos do Rio Grande do Sul, sendo inegável o prejuízo causado pela publicação nas redes sociais. Dessa forma, a magistrada entendeu por bem limitar a liberdade de expressão do Representado em detrimento da preservação da honra do candidato, como vem sendo o entendimento reiterado dos Tribunais Eleitorais.

Conclusão(ões)-chave: Alegação grave, capaz de causar temor no eleitorado, sobretudo em momento eleitoral sensível (segundo turno) torna cabível a remoção.

Palavras-chave: [Eduardo Leite; roda-bicha; criança viada; remoção; momento crítico]

O total de decisões mapeadas não corresponde a uma lista exaustiva de todos os processos da Justiça Eleitoral que tratam do tema de desinformação online, mas deve ser entendido como uma amostra de casos publicados no Diário Oficial de todos os estados e do TSE dentro do período analisado. Ademais, erros de codificação e casos em zonas cinzentas que venham a demandar maior análise não compõem a amostra atual devido a limitações temporais.

--

--

CEPI - FGV DIREITO SP
Observatório da Desinformação nas Eleições 2022

O Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da Escola de Direito da FGV SP visa debater temas jurídicos que envolvem tecnologia, sociedade e educação. @fgvcepi