Boletim semanal — 28.09.2022

Resumo das principais decisões

Temos a satisfação de publicar hoje, 28.09.2022, o 7º boletim do Observatório da Desinformação Online nas Eleições de 2022, parceria entre o CEPI e o Núcleo COMPPIT da FGV-SP.

Aplicando os nossos critérios de relevância para seleção de casos, identificamos e analisamos 33 decisões de todas as áreas jurisdicionais da Justiça Eleitoral, emitidas desde 21 de setembro de 2022.

Total de decisões analisadas: 33
Decisões contendo pedidos de remoção de conteúdo: 24

Conteúdo mantido

12 decisões (50%) indeferiram pedidos de remoção, não enquadrando os casos como desinformação.

Avaliação da veracidade:

Em 7 desses casos (58%), não foi feita nenhuma pesquisa adicional para aferir a veracidade do conteúdo observado.

Nos demais, a verificação da (in)veracidade foi feita pelo magistrado por meio de:
Consulta a fontes de notícias: 0 decisões (0%)
Fontes oficiais de investigação: 1 decisões (8%)
Versão original do conteúdo: 4 decisão (33%)

Conteúdo removido

12 decisões (50%) deferiram pedidos de remoção, enquadrando os casos como desinformação.

Avaliação da veracidade

Em 7 desses casos (58%), não foi feita nenhuma pesquisa adicional para aferir a veracidade do conteúdo analisado.

Nos demais, a verificação da (in)veracidade foi feita pelo magistrado por meio de:
Consulta a fontes de notícias: 0 decisões (0%)
Fontes oficiais de investigação: 2 decisões (17%)
Versão original do conteúdo: 3 decisões (25%)

A distribuição regional da amostra analisada pode ser visualizada no mapa abaixo.

Decisões em destaque

Caso 1 — A desinformação também pode ser visual: “santinho adulterado” inaceitável

0601143–97.2022.6.00.0000 (TSE) — 23.09.2022

Representante(s): Partido Democrático Trabalhista (PDT)
Representado(s): Augusto de Arruda Botelho Neto — Deputado Federal; Responsável pela página “@jairmearrependi”; Storm Ideas Sugar Bond House.

Conteúdo impugnado: imagem de propagandas eleitorais digitais na plataforma Instagram que se utilizam da identidade visual da campanha do candidato Ciro Gomes, mas com o número e nome do candidato Luiz Inácio Lula da Silva. Houve utilização das mesmas cores, fontes e slogan “Prefiro Ciro”, adaptado para “Prefiro Lula”.

Decisão: A ministra Maria Claudia Bucchianeri deferiu o pedido de remoção do conteúdo, por entender se tratar de uma “desinformação visual”, isto é, algo que poderia levar o eleitor a erro no momento de realizar a sua escolha consciente de voto. Isto porque, ao utilizar a identidade visual da campanha de Ciro com o nome de Lula, o eleitor poderia entender erroneamente que haveria apoio ou aliança entre os candidatos. Argumentou também haver uma tutela eleitoral da identidade visual das campanhas e de seus símbolos, devendo haver proteção judicial ao eleitorado contra desinformações advindas dessa esfera.

Conclusão(ões)-chave: A proteção contra a desinformação vai além dos fatos sabidamente inverídicos, perpassando também a desinformação visual, atrelada à simbologia das campanhas, que carrega significado aos eleitores. Em sua decisão, a Ministra determinou, ainda, a quebra de anonimato, exigindo dados de acesso e registro, bem como endereço de IP, gerando discussões sobre potenciais violações ao direito de liberdade de expressão e privacidade.

Palavras-chave: [desinformação visual; símbolos; identidade de campanha]

Caso 2 — Ofensa à honra como dano à higidez do processo eleitoral

0602410–12.2022.6.07.0000 (TRE-DF) — 21.09.2022

Representante(s): Damares Regina Alves (Republicanos), candidata ao Senado Federal
Representado(s): Responsável pelo perfil @brasiliasemdamares, da rede social Instagram

Conteúdo impugnado: Publicações realizadas no perfil @brasilsemdamares, no Instagram, contrárias a Damares Alves. São abordados na decisão dizeres como: “as mutretas de Damares”, “Pessoa Pavorosa” “#damaresalvesmentirosa”, “ENGAmares, com a sutileza de um rinoceronte com unha encravada”.

Decisão: O juiz auxiliar Demetrius Gomes Cavalcanti aceitou o pedido da Representante, determinando liminarmente a remoção dos conteúdos impugnados. O juiz entendeu que os dizeres depreciativos veiculados no perfil equivaleriam a propaganda eleitoral negativa. Além disso, tal conteúdo atentaria contra a honra de Damares Alves e prejudicaria sua imagem, o que atingiria, por sua vez, a própria integridade do processo eleitoral, uma vez que a igualdade de chances entre os candidatos estaria ameaçada.

Conclusão(ões)-chave: A decisão vai na contra-mão da jurisprudência ao elevar ofensas pessoais à honra de candidatos ao status de poderem ser consideradas elementos atentatórios à própria higidez do processo eleitoral, por seu potencial de inviabilizar a igualdade de chances entre candidatos, daí a necessidade de intervenção judicial.

Palavras-chave: [Damares Alves; ofensa à honra; remoção; igualdade de chances]

Casos 3 e 4 — Desinformação segundo elementos de dolo e dano

Duas decisões do TRE-PR proferidas pelo mesmo Juiz Auxiliar, Roberto Aurichio Junior, trazem dois elementos inusitados para avaliação da (in)veracidade do conteúdo impugnado: o dolo e o dano. Na primeira decisão (caso 2), há maior foco na intenção do agente: o dolo é entendido como um dos elementos necessários para caracterização da desinformação. Já no segundo caso (caso 3), embora o Representado argumente não só pela existência do dolo, como também do dano causado pela suposta desinformação, o magistrado decide que, no caso, nenhum desses elementos está presente.

Caso 3 — Intenção do Representado como elemento da desinformação
0603784–14.2022.6.16.0000(TRE-PR) — 23.09.2022

Representante: Fernando Lucio Giacobo (PL)
Representado: Edinho Vieira (PL)

Conteúdo impugnado: prints e áudios compartilhados em grupos de Whatsapp sobre existência de débitos do Representante frente à União.

Decisão: O magistrado Roberto Aurichio Junior decidiu pela remoção e proibição de repostagem do conteúdo, pois entendeu que o Representado havia, de fato, divulgado informação falsa com intenção de prejudicar politicamente o Representante, não estando protegido, portanto, pela liberdade de expressão. Utilizou como fundamento para caracterização do dolo os áudios enviados pelo Representado, nos quais teria intenção de inflar o povo a requentar notícias antigas para diminuir o número de votos a ele destinados. Considerou também o potencial de repercussão da desinformação na opinião do eleitorado, haja vista o conteúdo das mensagens e a potencialidade de disseminação de conteúdo no Whatsapp.

Palavras-chave: [remoção; proibição de reportagem; dolo]

Caso 4 — Manutenção da publicação em virtude de múltiplas interpretações possíveis e inexistência de falsidade, dolo e dano
0602231–29.2022.6.16.0000 — (TRE-PR) — 13.09.2022

Representante: Federação Brasil da Esperança — FÉ BRASIL (PT/PCDOB/PV)
Representado: Sérgio Fernando Moro

Conteúdo impugando: Publicações compartilhadas no Twitter e Instagram do representado com o seguinte texto: “Atenção eleitor do @ratinho_jr e do @jairbolsonaro: o PT “esqueceu” de reclamar do santinho do Álvaro Dias. Afinal, quem é o candidato real do PT ao Senado no PR?”.

Decisão: O pedido de remoção foi indeferido, mantendo o conteúdo no ar. Para o juiz, haveria mais de uma interpretação possível com relação ao texto divulgado por Sérgio Moro e, portanto, inexistiria qualquer forma de desinformação eleitoral. Isto é, ao contrário da tese do Representante, o texto não estaria dizendo expressamente que Álvaro Dias seria o real candidato ao Senado Federal pelo PT e, portanto, não estaria induzindo o povo paranaense ao erro, admitindo outras interpretações da mensagem veiculada.

Apesar das alegações de falsidade, dolo e dano, o juiz considera que tais elementos não estariam presentes no caso. Com relação ao dolo, o Representante havia alegado que o Representado teria intenção manifesta de aplicar manobra e artifício de má-fé na construção de uma narrativa fraudulenta, tendo em vista que é “do ramo do direito”, e que o dolo é ainda mais patente ao se verificar que as postagens posteriores ao tweet impugnado foram notas de Moro desmentindo outras fake news. O juiz discorda desse entendimento, concluindo que “a mera interpretação almejada pela Representante sobre a opinião crítica de candidato não configura por si só ‘fake news’.”

Palavras-chave: [Sérgio Moro; dano da desinformação; manutenção do conteúdo]

Caso 5 — Ofensa à honra de candidato em grupos de WhatsApp

0601659–14.2022.6.11.0000 (TRE-MT) — 22.09.2022

Representante(s): Jeferson Wagner Ramos (União), candidato a deputado federal
Representado(s): Amauri Blanco Gonsales, José Ferreira Bispo e Jefferson Ferreira de Souza, membros de grupos de WhatsApp

Conteúdo impugnado: Mensagens de vídeo e texto associando o candidato Jeferson Wagner Ramos à prática de atos de corrupção, veiculadas nos grupos de WhatsApp “TGA Acontece”, “TGA Agora” e “Grande Vila Esmeralda”, dos quais os Representados são membros.

Decisão: O juiz auxiliar Sebastião de Arruda Almeida determinou a remoção do conteúdo, além da proibição de sua replicação e da publicação de conteúdo semelhante pelos Representados. Fundamentou sua decisão afirmando que havia, por parte dos Representados, a intenção de desacreditar e ofender a honra do candidato (Wagner Ramos), dado que os conteúdos postados foram editados, apresentando falas e imagens descontextualizadas. Ressalta que a divulgação em grupo de mensagem instantânea amplia a difusão das postagens, potencializando seus efeitos. Por fim, aponta não ser possível determinar a autoria de vídeo compartilhado, o que configura anonimato, vedado por lei durante campanha eleitoral.

Conclusão(ões)-chave: O entendimento da Justiça Eleitoral, no caso, é que, havendo, em grupo de WhatsApp, conteúdo editado e descontextualizado com intenção de descredibilizar imagem de candidato e com alto potencial de difusão, cabe a remoção de circulação e a proibição de republicação.

Palavras-chave: [remoção, ofensa à honra, WhatsApp]

Caso 6 — Réu com ficha suja: TV Piquí e ameaça à integridade do sistema eleitoral

0601437–51.2022.6.18.0000 (TRE-PI) — 21.09.2022

Representante(s): Coligação Vamos Mudar o Piauí
Representado(s): Benedito Angelo de Carvalho Avelino Veloso (dono da página “TV PIAUÍ”)

Conteúdo impugnado: Postagens indicando promessa do candidato Silvio Mendes, da coligação Vamos Mudar o Piauí, de pagamento na quantia de R$250,00 a jovens que participassem de ato de publicidade em favor do candidato, sendo que, ao final, nenhum dos jovens teria recebido de fato o valor. Tal conteúdo foi veiculado nas redes sociais do Representado (Instagram, Facebook, Youtube e TikTok).

Decisão: O magistrado Marcelo Leonardo Barros Pio ordenou a retirada das postagens. Entendeu que o teor da publicação seria sabidamente inverídico, já que o contrato dos voluntários determinava, em seu artigo 1º, que o trabalho não seria remunerado. Afirmou que a Justiça Eleitoral tem trabalhado na contenção de notícias com o fim específico de “burlar, atrapalhar, desqualificar” notícias relativas ao processo eleitoral.

Além disso, o magistrado ressaltou a reincidência acentuada do Representado na Justiça Eleitoral, tendo contra si 8 processos, com diversas remoções e multas que somam o valor de R$30.000,00, entre outras sanções. Dessa forma, entendeu que o perfil do Requerido tinha não só o intuito de desinformar, mas também de ameaçar a integridade do sistema eleitoral. O magistrado intimou as plataformas de redes sociais a suspenderem temporariamente as contas do Representado e, em caso de descumprimento, estariam sujeitas a multa no valor de R$10.000,00 por dia. . Por fim, determinou que o caso pode constituir prática de crime eleitoral.

Conclusão(ões)-chave: A Justiça Eleitoral se mostrou atenta à recorrência de atores nos processos eleitorais. Neste caso, esse elemento não só contribuiu para o racional da decisão, entendido como uma espécie agravante da conduta, como também foi utilizado para configurar ameaça à integridade do sistema eleitoral (ultrapassando a inverdade pontual de cada caso).

Palavras-chave: [sabidamente inverídico; suspensão de contas; reincidência]

Conclusão(ões)-chave: A interferência no direito à liberdade de expressão só se justifica quando, de modo claro, existir dano à integridade eleitoral ou dano à honra de candidato.

Palavras-chave: [liberdade de expressão; fato sabidamente inverídico; ofensa à honra; integridade da eleição]

O total de decisões mapeadas não corresponde a uma lista exaustiva de todos os processos da Justiça Eleitoral que tratam do tema de desinformação online, mas deve ser entendido como uma amostra de casos publicados no Diário Oficial de todos os estados e do TSE dentro do período analisado. Ademais, erros de codificação e casos em zonas cinzentas que venham a demandar maior análise não compõem a amostra atual devido a limitações temporais.

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CEPI - FGV DIREITO SP
Observatório da Desinformação nas Eleições 2022

O Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da Escola de Direito da FGV SP visa debater temas jurídicos que envolvem tecnologia, sociedade e educação. @fgvcepi