A adultização infantil na mídia

Patrick Souza
Observatório de Mídia
4 min readDec 19, 2017

Nas últimas semanas, um dos assuntos discutidos pelas redes sociais foi, junto ao lançamento da nova temporada da série da Netflix, Stranger Things, o comportamento adotado pela sua atriz Millie Bobby Brown, de 13 anos. Fãs acusam a indústria de adultização da garota, que se mostra com uma aparência muito mais velha, além de compilações de entrevistas recentes que demonstram uma personalidade nada condizente com sua idade.

Parte da culpa desse fenômeno é atribuída a mídia e sua retratação sexualizada de mulheres, que são submetidas cada vez mais cedo a este fenômeno para que se tornem mais rentáveis. Millie foi, inclusive, incluída numa lista na capa da revista W Magazine como uma das pessoas que estão deixando a televisão mais sexy. Mas é importante ressaltar que, antes de julgar a mídia alheia, é preciso perceber que esse fenômeno também está presente no Brasil. E o alvo mais recente é Larissa Manoela, de 16 anos.

Desde sua estreia na novela do SBT Carrossel, a atriz e cantora era retratada de forma escandalizada na mídia. Seus relacionamentos eram tratados como notícias importantes desde aquela época, e hoje podemos observar grande cobertura (principalmente nos jornais de entretenimento e de celebridades) dos mesmos, quase como uma perseguição.

Tal abordagem com famosos não é incomum nesse gênero jornalístico. Porém, a situação é mais delicada quando a pessoa que está sendo retratada é uma menor de idade. Mesmo com o argumento de que a vida dos famosos é um interesse público, é importante relembrar o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros:

Art.2º III — a liberdade de imprensa, direito e pressuposto do exercício do jornalismo, implica compromisso com a responsabilidade social inerente à profissão;

Art.6º VIII — respeitar o direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem do cidadão;

Assim como o Estatuto da Criança e do Adolescente:

Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.

Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.

A mídia ignora o fato de Larissa ainda ser menor de idade, colocando-a em um nível de exposição atribuído a celebridades mais velhas e experientes com o assunto. Assim, a prática começa a ser vista como algo comum dentro daquele ambiente, e todos aqueles que desejam se manter ali se veem obrigados a se acostumar com essa convivência.

Isso não apenas dá espaço para as indústrias continuarem com tais práticas, que lhes são rentáveis, como também para que o público consumidor também se habitue com elas. Com isso, é criada uma demanda cada vez maior pela imagem da celebridade, a qual é muitas vezes julgada de forma agressiva e vexatória. Valentina, a ex-participante do MasterChef Jr, foi alvo de assédios e diversos comentários de teor pedófilo, enquanto tinha 12 anos. É impossível não atribuir parte da culpa à exposição que a garota tinha na época do programa.

Comentário sobre a matéria de capa

As matérias com títulos sensacionalistas que dramatizam a vida da adolescente são o principal gatilho para comentários deste tipo nas redes sociais e matérias que envolvam Larissa. Eles acusam-na de “não se portar da maneira correta para uma garota da idade”. Há um total descomprometimento com a ética ao permitir que esta interpretação seja tão comum em sua matéria. Ainda maior quando ela é colocada de propósito.

Larissa é o exemplo brasileiro mais recente. Enquanto a demanda existir, outras atrizes continuarão sendo sexualizadas e tendo suas infâncias abortadas cada vez mais cedo pelos interesses financeiros, e no mínimo triste que o jornalismo tenha que ser um dos principais instrumentos nesta orquestra.

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