A crítica cultural pode ser espaço de militância?

Bárbara Alcântara
Observatório de Mídia
3 min readJan 8, 2018

A crítica cultural negativa está cada vez mais escassa e isso é fato inegável. Um artigo no The Wall Street Journal, lançado em agosto do ano passado, fala muito especificamente sobre isso e traz ainda uma questão muito importante: tem muito menos gente falando mal de música do que em outras categorias.

Já passei muito tempo me perguntando o porquê disso acontecer e, por mais debates e conversas que eu tenha ou livros e textos sobre o assunto que eu leia, não consigo chegar a uma conclusão específica. Seria porque o jornalista tem medo do feedback? Seria porque ele acredita que precisa escrever o que o público quer ler? Seria porque ele simplesmente não sabe como fazer de outra forma? Ou porque, como diz o artigo do WSJ, a crítica cultural já não é mais levada tão a sério assim e virou mero entretenimento?

Sinceramente, eu não sei. E não conheço quem o saiba.

Mas eis que outra questão vem à minha cabeça: atualmente, cada vez mais sites de crítica cultural com viéses específicos têm surgido. Eu sou colaboradora em um, o Delirium Nerd, e nele analisamos e resenhamos obras produzidas por mulheres, ou que tenha a mulher e/ou o feminismo como tema central. E todas as vezes que tive essa discussão sobre a importância ou não de existirem críticas negativas, fico pensando que lá, na maioria das vezes, falamos bem das obras.

Encontro-me em uma situação complicada porque eu sou partidária do “cadê as críticas negativas? Precisamos!”. Ao mesmo tempo, entendo que, nesse caso específico, algumas outras questões precisam ser levadas em consideração, e entre elas: 1) tem muito mais obra produzida por homem sendo resenhada e divulgada por aí; 2) nem sempre a mulher é levada tão a sério assim, seja produzindo a obra quanto opinando sobre ela; 3) tem obra produzida por mulher que precisa ser analisada por uma mulher porque só uma mulher entende o que está escrito ali porque ela vive aquilo.

Parece cruel ou extremista sendo dito dessa forma (jamais utilizarei a expressão radical porque radical é algo que vem da raiz, e acho isso bonito demais para ser usado com uma conotação negativa). Mas é uma realidade. E agora retorno ao tema inicial: a crítica musical. Música sempre foi algo considerado masculino. É tipo futebol, sabe? Você fala que gosta, e logo te pedem a escalação do seu time em 1987. E banda de mulher? Pior ainda. Nunca é boa o suficiente.

Eis que surge aqui um espaço quase inabitado: mulheres escrevendo sobre mulheres que fazem música. Para não dizer que é exagero, só em maio de 2015 a jornalista Jessica Hopper lançou o livro “The First Collection of Criticism by a Living Female Rock Critic” e, logo na abertura, ela diz o quanto é importante que as mulheres se posicionem como críticas musicais, reclamem esse espaço. Porque ninguém quer dar isso a elas.

Então fica a pergunta… Por mais que o jornalismo seja uma profissão que busque a tal da imparcialidade (que é um mito, convenhamos), e por mais que devamos escrever as críticas isentas de interesses e/ou viéses, será que é tão ruim assim utilizar a visibilidade como uma forma de dar voz a quem dificilmente teria? Usar esse espaço como forma de militância é antiético mesmo?

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