A representação sexista de combatentes curdas na Mídia

Beatriz Fanton de Freitas
Observatório de Mídia
3 min readDec 4, 2017
Print de Asia em matéria do Jornal de Notícias.

Em setembro de 2016 uma jovem combatente curda chamada Asia Ramazan Antar, de 19 anos, faleceu após uma batalha contra o Estado Islâmico. Ela fazia parte das forças de Unidades Curdas de Proteção das Mulheres (YPJ), na qual integrava desde 2014.

Após sua morte, diversos veículos de comunicação brasileiros e internacionais divulgaram sua morte objetificando-a e limitando-a à sua aparência. As diversas chamadas se restringiam a falar que a “Angelina Jolie do Curdistão” (como ficou conhecida devido à semelhança física) havia falecido em combate.

Em uma das notícias, veiculadas no site Jornal de Notícias é citado: “Apesar de ser mais parecida com a espanhola Penélope Cruz, Asia Antar era conhecida como “Angelia Jolie” do Curdistão. Um epíteto que deriva da beleza da jovem curda (…)”, e logo após “Conhecida no Ocidente pela beleza, Asia é reconhecida pelo envolvimento em numerosas batalhas contra o Estado Islâmico (…)”

Desde o começo da guerra contra o Estado Islâmico no Curdistão, em 2014, centenas de combatentes foram mortos em batalha, a maioria com a idade da jovem, mas nenhum deles obteve a visibilidade midiática de Asia. Ela participou de cinco batalhas antes de ser morta próxima a fronteira da Turquia e era uma líder de equipe, responsável pelo uso de uma metralhadora.

A filosofia da organização militar YPJ, no qual a jovem fazia parte é exatamente combater o sexismo e opressão diária em que as mulheres são sujeitas. Em 2015, apesar da enorme resistência de grupos religiosos conservadores, as militantes do grupo juntamente com outras mulheres enfrentaram uma séria luta no Curdistão Sírio para aprovarem leis progressistas que tornassem ilegais a violência contra as mulheres, o casamento forçado e a poligamia. Graças a isso foi criada uma unidade de polícia feminina para implementar as leis.

Mas seus ideais e vitórias não foram citados nas matérias que anunciavam sua luta. Nem as inúmeras conquistas do YPJ. As pesquisas jornalísticas rasas e superficiais em que Asia apareceu apenas se preocuparam em compará-la fisicamente a atriz hollywoodiana.

Combatentes curdas do YPJ. Fonte: Dailymail

Asia não é a primeira combatente curda a ser sexualizada nos meios de comunicação. Esse é um acontecimento constante na imprensa ocidental. Em 2012 a plataforma da Vice New-for-dudes declarou que “poucas coisas perturbam a mente masculina como uma dama armada”. No ano passado o jornal Daily Mail também fez uma matéria sobre as combatentes curdas do exército Peshmerga do Iraque. A matéria, no entanto, focava no uso de maquiagens pelas integrantes do exército.

A desvelada objetificação dessas combatentes não só relativiza suas participações em conflitos como também contribui para a “glamourização da guerra”, uma espécie de visão indiferente e de “aventura” trazida pelos veículos de comunicação ocidentais. É inegável a necessidade de voz e visibilidade dessas mulheres, mas com suas reais representações na sociedade.

Enquanto isso elas seguem em seus planos para uma sociedade liberada e autônoma, e um de seus lemas curdos nunca foi tão pontual: A resistência é vida.

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