As eleições presidenciais de 1989 e a influência do debate editado pela Rede Globo em seu resultado
As primeiras eleições diretas pós-Regime Militar no Brasil foram marcados por uma questionável atuação da emissora na cobertura e divulgação dos fatos
A década de 1980 marcou um gradual processo de retorno à democracia no Brasil. O Regime Militar vigente desde 1964 estava desmoronando em seus próprios erros e obscuridades, e a população finalmente retornava às ruas após o AI-5 de 1968 para exigir o fim da ditadura e o início de um novo período democrático. Sindicatos, movimentos organizados (como o estudantil) e a ascensão de novos partidos no cenário político somavam-se em uma matemática desfavorável aos militares. Em 1984, já era possível sentir os ares da redemocratização no Brasil.
Mesmo assim, o movimento das Diretas Já! falhara em promover eleições com participação popular neste ano e, como consequência, a escolha do primeiro presidente da Nova República brasileira se deu por via indireta. Seriam necessários mais 5 anos para que os brasileiros testemunhassem a ascensão de um presidente elegido pelos seus votos nas urnas.
O fim da espera
1989 foi o ano deste estabelecido para o tão esperado pleito. Seja por ter sido o primeiro através de via direta do período da redemocratização, seja pelos momentos marcantes (para o bem e para o mal, e regados à ofensas entre os candidatos, humor espalhafatoso e uma dose de esperança e renovação nacional que emanava de seus discursos) estas eleições tornariam-se icônicas na história do país. Como era de se esperar, e não poderia ter sido diferente, a corrida eleitoral foi intensa e marcada pela presença de muitos candidatos, entre eles, personalidades conhecidas até hoje, como Silvio Santos (que teve a candidatura impugnada por irregularidades), Fernando Gabeira, Leonel Brizola e Ulysses Guimarães. No entanto, os nomes que mais se destacavam entre todos eram os de Lula, que construiu uma trajetória política a partir do movimento sindicalista do fim do Regime Militar, e o de Fernando Collor de Mello, governador do estado do Alagoas, e até então figura pouco conhecida em todo o resto do país.
Collor saiu da obscuridade política para se tornar um dos candidatos preferidos ao cargo de presidente através de uma propaganda política agressiva e radical. Lançava mão de sua idade — muito mais jovem que os demais candidatos — para vender a ideia de que era um político diferente dos demais. O seu mote era o de que acabaria com a corrupção que já havia se consolidado nos primeiros anos da Nova República. Autointitulou-se o “Caçador de Marajás”, um slogan que, apesar de soar cafona nos dias de hoje, cativou muitos brasileiros à época.
Desta forma, superando os demais presidenciáveis, Collor alcançou o segundo turno e o disputaria com Lula, que devido a sua popularidade, já era esperado como candidato na segunda rodada de votações.
Durante a propaganda eleitoral do entremeio, os números indicavam um empate técnico entre Collor e Lula. A disputa estava equilibrada e até as vésperas da votação de segundo turno, o lado vitorioso permanecia uma incógnita. Neste contexto, os debates televisionados adquiriram um papel relevante, pois, supostamente, seriam espaços onde os candidatos poderiam expor e discutir suas propostas de governo ante uma mediação imparcial das emissoras a fim de angariar os votos necessários à presidência.
O último debate, transmitido pela Rede Globo, foi o mais determinante e polêmico. Faltavam poucos dias para o pleito e, mais uma vez, Collor e Lula estavam frente a frente. No confronto anterior, também promovido pela emissora, Lula claramente havia superado Collor. No segundo debate, o cenário mudou e o desempenho de Lula foi inferior ao do governador alagoano.
É então que, especula-se, a mão invisível da emissora surgiu para influenciar o resultado do segundo turno. Na antevéspera da votação, a Rede Globo publicou, em dois de seus jornais, resumos com os “melhores” momentos do debate. O primeiro foi ao ar no Jornal Hoje e era mais equilibrado, tanto em tempo quanto na seleção das falas dos candidatos.
Entretanto, dando muito mais destaque para os momentos de eloquência de Collor, Lula foi apresentado durante todo o segundo resumo, veiculado no Jornal Nacional, em seus piores momentos, reforçando, assim, uma imagem de alguém incapaz de assumir a presidência.
Após o resumo, que durou aproximadamente seis minutos, o âncora Sid Moreira ainda apresentou os resultados de uma pesquisa feita por telefone onde os eleitores apontavam o vencedor do debate em uma série de fatores. Evidentemente, Collor venceu em todos os quesitos. O detalhe é que a empresa responsável pela pesquisa em questão também era responsável pela publicidade de Collor ao longo de toda a sua campanha.
O desfecho das eleições presidenciais de 1989 é conhecido: Collor foi eleito com 53,03% dos votos, uma vitória apertada contra Lula. Apenas dois anos depois, o mesmo Collor, “Caçador de Marajás”, renunciaria à presidência e sofreria um processo de impeachment por estar envolto a um mar de corrupção.
Não é possível dizer qual seria o resultado de 1989 caso a Rede Globo não tivesse veiculado o resumo do debate e a pesquisa de opinião dos eleitores. No entanto, para além do próprio desfecho, as atitudes tomadas pela emissora rendem discussões acaloradas sobre a ética jornalística.
É possível resumir em seis minutos um debate que durou mais de duas horas e ainda assim ser imparcial? É possível a uma emissora selecionar as “melhores falas” de cada candidato sem que, voluntária ou involuntariamente, um dos dois acabe por se destacar? Qual o impacto de um resumo deste na antevéspera de uma eleição? E a validade de uma pesquisa telefônica tão vaga, mas que ainda assim possui um grande poder de influenciar a opinião pública?
As eleições presidenciais de 1989 demonstram a capacidade que os meios de comunicação de massa possuem de influenciar a agenda de toda uma nação. Quando a ascensão de um novo presidente é, muito em parte, determinada pela imprensa, fica evidente que até mesmo o futuro político e econômico de um país pode ser condicionado pelo grande poder concentrado nas mãos de poucos senhores da comunicação.