Autoestima Jornalística

Tatiany Garcia
Observatório de Mídia
6 min readDec 18, 2017

--

O jornalismo não nasceu de teses da academia. Ele, é a razão ,após a consolidação de uma consciência profissional sedimentada ao longo de quatro séculos, geralmente não-verbalizada, porém inequívoca. Viva.

A sociedade não vive sem informação e vice-versa. O jornalista é o mediador que interliga a ponte entre mundo e sociedade. Para tanto, sua função é essencial para a vida social.

O jornalista apura, investiga, reporta, analisa, interpreta e tenta por sua essência reproduzir a realidade para a sociedade da maneira mais objetiva possível. Brinco, dizendo que o jornalista tem sede de ensinar e busca levar isso para seu público, para que ele ‘’aprenda’’ e fique por dentro de tudo.

Foi essa autoestima que levou o fotógrafo Roberto Stuckert Filho por exemplo, a acionar a sua câmera, foi esta dignidade coletiva que levou a repórter Vera Magalhães a prestar atenção ao que dizia um magistrado do STF no pátio de um restaurante, e tantos outros casos que a sociedade só pode ter acesso através da atitude de cada profissional para cumprir com a essência de sua atividade.

Você já ouviu aquela música do Charlie Brown Jr., ‘’Dias de luta, dias de glória’’? Pois é, este é ‘’karma’’ jornalístico que perdura até os dias de hoje. São dias de luta para defender o jornalismo.Quando digo karma, me refiro a este cenário em que o jornalista tem que encarar. É diante da opressão da chefia, do público, das instituições e das condições da profissão, que levam o jornalista muitas vezes a ‘’andar fora dos trilhos’’.

A questão é que não estou aqui para defender que o jornalista nunca tenha agido de ‘’má fé’’ para cumprir com o que lhe foi designado. Este texto vem tratar justamente da falta de autoestima do profissional de jornalismo

É a não obrigatoriedade do diploma de um lado, os baixos salários e o seguir a fielmente a linha editorial, que acabam limitando a visão do jornalista, que acaba se acomodando a somente uma vertente para se seguir, sem poder provocar mudanças, na produção de conteúdos jornalísticos por exemplo, onde o jornalista precisa obedecer as regras do veículo e nem sempre terá a tal da liberdade para veicular algum conteúdo ‘’diferente’’.

São muitas as explicações. ‘’ qualquer um pode fazer jornalismo ‘’, ‘’os valores-notícias precisam ser observados’’, ‘’o veículo precisa sobreviver, então não ‘atacaremos’ os anunciantes’’. Ambas, desmotivam a cada dia o jornalista a continuar em sua profissão.

Além disso, a desvalorização financeira da profissão tem desanimado cada vez mais jornalistas ou futuros. Já se tornou comum faculdades fecharem cursos referentes a essa área por pouca demanda. O futuro jornalista que se depara com este cenário como citado anteriormente, perde seu interesse.

Mas, me diga você leitor, e se não houvessem mais jornalistas?

Não podemos negar que desde a decisão do STF em derrubar a exigência do documento, a grande discussão com relação a obrigatoriedade do diploma está calcada na liberdade de expressão como direito do cidadão e não é neste ponto que queremos entrar. No entanto, é fato que alguém que compreenda e domine os mecanismos de comunicação consigam exercer tal função com clareza e objetividade. O médico pode escrever sobre saúde, ele é especialista nisso, porém muitas vezes colocará a sua visão sobre os fatos. O jornalista é um compilado que precisa compreender de todas as áreas de alguma forma e todas as ‘’realidades’’, por conta disso para ele deve se atentar mais ao que o público quer ou não saber, mesmo que os meios hoje estejam deixando sua ideologia influenciarem nas produções, bem como os interesses de terceiros.

jornalista (créditos: imagens do google)

De acordo com o Art 9º do Código de Ética do Jornalista é dever do jornalista:
– Divulgar todos os fatos que sejam de interesse público;
– Lutar pela liberdade de pensamento e expressão;
– Defender o livre exercício da profissão;
– Valorizar, honrar e dignificar a profissão;
– Opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo e à opressão, bem como defender os princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos do Homem;
– Combater e denunciar todas as formas de corrupção, em especial quando exercida com o objetivo de controlar a informação;
– Respeitar o direito à privacidade do cidadão;
– Prestigiar as entidades representativas e democráticas

Poderíamos listar aqui belas sentenças que discorrem sobre a imensidão da nossa profissão. Poderíamos estufar nosso peito orgulhosos, olhar para o colega na mesa ao lado na redação e fingir que está tudo bem.

Infelizmente o pessimismo e até possível utopia destes tópicos listados acima, se faz presente cada vez mais na rotina do jornalista. Desde a hora de escolher a profissão, o estudante que vê o cenário atual da mídia que , recorrentemente dissemina cada vez mais ideias manipulatórias e oprime o fazer jornalístico por sua essência de alguma forma e acaba desestimulando.

O pior nesse cenário, em minha opinião, é ver a aliança cada vez mais explícita entre os poderes dos donos dos grandes veículos como: jornais, revistas, rádios e televisões e o governo atual, que se empenha com crueldade em acabar com todos os direitos conquistados pelos trabalhadores. Isto é, provavelmente, o pior para a nossa profissão. Estão na lista de ‘’maldades’’, o achatamento dos salários, demissões em massa e acúmulo de funções.

Já que não precisamos mais de diploma para executar essa função, muitas faculdades nem abrem mais turmas de jornalismo. Isto é um grave problema, pois cada vez mais mediadores de informação que dominem de certa forma os conceitos de comunicação e saibam lidar com eles irão se extinguir. Soma-se a isso um quadro de disseminação de notícias falsas (a pós-verdade) no cenário contemporâneo, o que evidencia a necessidade dos jornalistas serem diplomados e capazes de produzir informações com qualidade e ética.

A existência ou não de um Conselho da profissão, assim como a exigência ou não de diploma de nível superior para o exercício profissional, não tem necessariamente relação direta com a importância social dessas profissões. Está ligada, muito mais, ao poder de articulação e à representatividade de cada categoria.

Por isso, lutar pela exigência do diploma é uma legítima atitude da classe dos jornalistas. Não tem nada de pitoresco pensar em tal atitude. E há muitas pessoas, muitas mesmo (e entre elas me incluo) que acreditam que, dadas as atuais regras legais, a obrigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo é adequada, útil e proveitosa não só para os jornalistas, mas para toda a sociedade.

Hoje, com o jornalismo digital é frequente a atuação do público como produtor de notícias. Isto não é algo ruim, já que é direito de todos a informação e também a liberdade de expressão. Mas, será que isto não pode se tornar um ‘’compilado’’ de opiniões? Onde seremos bombardeados com diversos pontos de vistas, sem uma visão mais pragmática e generalizada como estamos acostumados com o jornalismo? É fato que agora a função do jornalista se pauta em observar e compreender mais a sociedade para fazer um apanhado de todos estes pontos de vistas expostos e dar um segmento, tentando produzir um conteúdo que abranja a tudo isto.

Podemos dizer que a mídia é manipulatória, que isto desanima mais. Realmente, sou estudante de jornalismo e a cada dia me vejo mais distante da minha profissão. Saber que ao chegar no mercado de trabalho vou ter que me sujeitar a muitas ordens e não produzir tão quanto eu queira um conteúdo jornalístico mais fidedigno, claro que dei

Entretanto, é preciso que mesmo diante de toda essa corrupção dentro do cenário jornalístico, essas mudanças bruscas de produção de conteúdo juntamente com a sociedade e a não exigência de um documento que comprove minha atuação seja motivo para que o espírito de todo jornalista volte.

É preciso que cada um de nós nos lembremos de nossa autoestima, do nosso dever com a sociedade e que nem tudo está perdido, e é possível sim, mesmo diante de todo este contexto, produzirmos um jornalismo de qualidade, que se adapte aos conceitos de produção pós-modernos e fujam um pouco da ideologia dos meios.

Observar a imprensa sem levar em conta a sua humanidade é um exercício crítico fadado ao fracasso. É clichê dizer, mas o futuro do jornalismo está nas mãos dos jornalistas e se nós não lutarmos contra todas essas opressões que vivemos em nossa profissão, não será possível nunca construir um jornalismo de qualidade que satisfaça a demanda social e ainda possa sustentar a estima do profissional e o próprio veículo, sem que o tal seja um fantoche para satisfazer os interesses de outros, interferindo no conteúdo a ser disseminado.

--

--

Tatiany Garcia
Observatório de Mídia

Estudante de Jornalismo, pesquisadora e apaixonada por Dostoiévski.