Foi tudo visando o bem do Brasil: Jornal O Globo admite erro de 1964, mas volta a cometê-lo em 2016

Júlia Belioglo
Observatório de Mídia
4 min readNov 28, 2017

Em 2013, o Jornal O Globo publicou um texto admitindo ter dado apoio editorial ao golpe de 1964. Usando as palavras da próprias Organizações Globo, o sustento fornecido para a ditadura foi um equivoco, um erro.

Se você parar de ler por aqui, provavelmente achará muito nobre a atitude que assume o auxílio pelo O Globo. Mas ao ler toda a declaração do jornal, nota-se sinais de arrogância e ignorância por parte de quem a escreveu. No momento político atual, com um golpe parlamentar e um governo corrupto instaurado no Brasil, é oportuno responder a principal organização midiática do país, comparando o que foi dito anteriormente com o que o Brasil vive hoje.

Logo na introdução, é dito que governos e instituições tem que reagir ao clamor das ruas, dentro do contexto das manifestações de 2013 e as críticas à Globo. É de conhecimento geral as diversas manifestações contra o impeachment da então presidente Dilma Rousseff em 2016. Essas tomaram as ruas de todo o país durante longos meses, além de protestos pacíficos, vaias, desabafos por meio de redes sociais. De tudo que aconteceu, o que não foi abafado pela grande mídia, foi manipulado e transformado em atitudes ridículas e dignas de punição violenta pela polícia — essa, sendo a maneira que a instituição decidiu responder aos que lutam por melhorias, coloca em questionamento a abertura do texto sobre respostas a pedidos da nação.

Seguindo ainda na introdução, lê-se sobre o apego incondicional aos valores democráticos. Aparentemente, a eleição de uma presidente não se encaixa aos tais valores democráticos — ou então O Globo aprendeu a desapegar. Com o golpe parlamentar legitimado com o nome de impeachment, maquiou-se o voto de 54,5 milhões de brasileiros.
O texto, em seu desenvolvimento, cita novamente manifestações, especificamente as que tomaram as ruas antes do episódio de 64. Na tentativa de dividir a culpa do apoio aos militares com outros jornais e a própria população, ignora-se que os que foram às ruas, além de manipulados por uma mídia que repreendia com todas as forças o populismo representado por João Goulart, eram minoria.

Conforme a leitura continua, O Globo prova que não só manipula as manifestações contrárias à ideologia que segue, mas também a própria História. Ao ler as palavras que dão importância a essa, tão exaltada pelo jornal, tem-se a impressão de convicção plena dos fatos apresentados. A verdade é que não é necessário que ninguém seja especialista em História para que se intrigue com a imagem de Jango como um vilão da democracia e o principal motivador da ditadura, segundo uma interpretação tendenciosa do jornal. Nenhum erro do presidente, cujo mandato foi impedido por um bom tempo pela elite conservadora do país, explica os desastres políticos, econômicos e sociais dos 21 anos a partir de 64.

Ainda buscando se defender da própria atitude, O Globo destaca a carta de
Roberto Marinho, escrita duas décadas depois da ditadura ter sido instaurada. Nela, o diretor das Organizações Globo, exaltava todo avanço econômico e político dos 20 primeiros anos do regime militar e se referia ao golpe como “Revolução”. Além disso, a carta dizia que, se não fosse pelo povo, a derrubada de Jango seria chamada de “golpe” e com isso ele não compactuaria. Novamente, o jornal manipula o conteúdo do editorial que glorificava o período que manchou a História do país. Segundo o texto de 2013, a mídia só havia apoiado os militares no poder por enxergar neles a única maneira da manutenção da democracia — mesmo que a posse deles fosse totalmente contra aos valores democráticos.

Já perto do término do texto, O Globo diz que a História é o instrumento para se analisar e seguir com segurança para o futuro, e complementa esse raciocínio com “aprende-se com os erros cometidos e se enriquece ao reconhecê-los”. Comparando a declaração com a posição tomada pelo jornal no processo de impeachment de Dilma, concluí-se que o único aprendizado tirado da falha confessada de 1964 é que a manipulação da grande mídia é constantemente perdoada através do uso de palavras complexas e ocultação de informações. 52 anos depois, O Globo voltou a cometer aquilo que chamou de erro.

Acredita-se, no início da leitura do editorial de 2013, que O Globo tinha a intenção de redimir-se admitindo que teria errado, porém, o texto é uma explicação fraca do apoio aos militares em 1964. De maneira covarde, o jornal parafraseia a famosa “os fins justificam os meios”: o apoio que forneceu ao governo de cinco décadas atrás pareceu, aos que dirigiam o jornal, a melhor atitude a ser tomada para quem visava o bem do país. E sem muitas surpresas, é exatamente assim que as Organizações Globo referiram-se, como um todo, às suas ações tendenciosas durante todo o processo que retirou da presidência Dilma Rousseff.

Texto do Jornal O Globo: https://oglobo.globo.com/brasil/apoio-editorial-ao-golpe-de-64-foi-um-erro-9771604

Editorial escrito por Roberto Marinho em 1984: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/O-editorial-de-Roberto-Marinho-que-exaltou-a-Ditadura-Militar/4/27682

--

--