IMPEACHMENT: os últimos dias de Dilma como presidenta segundo VEJA e EL PAÍS

Julia Mendonça
Observatório de Mídia
6 min readDec 10, 2017
Portal VEJA e portal EL PAÍS

Antes mesmo da consolidação do impeachment, tanto a VEJA quanto o EL PAÍS publicaram em seus portais textos a respeito dos últimos momentos de Dilma como presidente do Brasil.

O presente artigo tem o objetivo de fazer uma reflexão sobre o conteúdo de ambas as composições, traçando uma comparação nos aspectos textuais, éticos e jornalísticos.

Primeiramente deve-se atentar ao título das peças, que dão mais a impressão da morte da então presidente do que sua saída da presidência: “Os últimos dias de Dilma Rousseff” (VEJA) e “Dilma vive últimos dias abraçada a movimentos sociais e longe dos políticos” (EL PAÍS). Note que não há aqui a indicação de um fato noticioso ligado ao impeachment.

Em seguida vem a linha fina, que serve para complementar os dizeres do título, apresentando uma maior ideia do que se trata o texto seguinte. Pela linha fina da VEJA é observável uma suposição dos pensamentos e sentimentos pessoais de Dilma:

Às vésperas do impeachment, a presidente se isola e evita até mesmo os empregados do palácio. Sem expectativas de sobreviver à sessão no Senado e com poucas esperanças de vencer no julgamento final, já faz planos para um futuro longe do poder e não esconde a mágoa por aqueles que a traíram

Já neste ponto podemos refletir sobre o artigo 3º do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, que pauta o fato de que a informação divulgada pelos meios “terá por finalidade o interesse social e coletivo”.

Faço o questionamento de em qual dos Valores-Notícia (base para a publicação de uma matéria) é justificativa plausível para a linha fina apresentada pela VEJA? Até que ponto é de interesse público dizer que ela evita os empregados do palácio, qual a informação relevante nisso? Sendo a VEJA contrária ao governo da petista, é de seu interesse que essa informação seja transmitida somente para passar a ideia de que Rousseff virou uma ermitã dentro da sua própria casa, está miserável, acabada.

Ao contrario da VEJA, a linha fina do EL PAÍS faz alusão à atividades de cunho presidencial, que tinham, na época, potencial para realmente envolver a população brasileira:

Às vésperas de deixar o cargo após Senado votar o afastamento dela dentro do processo de impeachment, presidenta intensificou viagens e deu “meia volta ao mundo” em 15 dias

Logo após a linha fina se observa a imagem trazida pelos veículos, onde é reafirmada tanto sua posição em relação ao fato em questão (impeachment) quanto a forma em que o assunto vai ser abordado. A VEJA preferiu trazer a imagem de Dilma sorrindo em meio a chamas, enquanto o EL PAÍS representa a então presidente com bastante sobriedade.

As duas imagens trazem Rousseff com um sorriso no rosto, porém com intenções diferentes. A impressão que dá é a de que a VEJA retrata Dilma no inferno, ou queimando, ou morrendo, enquanto o EL PAÍS procura ser o mais respeitoso e minimalista possível.

Passando agora para uma análise do texto, não há como analisar cada parágrafo separadamente, visto que se trata de 17 deles no texto da VEJA e 11 no texto do EL PAÍS. Portanto, irei apontar algumas constatações e interpretações que considero mais pertinentes.

O primeiro parágrafo de uma matéria jornalística é o lead, que possui a função de apresentar as principais informações da matéria de uma forma simples e clara, para instigar o leitor a continuar lendo ou informá-lo da melhor forma possível com apenas um parágrafo.

Segundo o lead da VEJA:

  • Dilma errou muito em seu governo;
  • Dilma “tinha certeza” de que poderia corrigir leis de mercado;
  • Dilma “se convenceu” de que poderia governar com quem “bem quisesse”;
  • Dilma “pensou” que “conseguiria pairar, impoluta, ‘acima da sujeira do PT’”;
  • Dilma “tem certeza” de que seu afastamento “é o resultado de um complô tecido com os fios da vingança, do oportunismo e da ambição”.

Segundo o lead do EL PAÍS:

  • Dilma foi “abraçada” por movimentos sociais;
  • Dilma está “isolada” por seus pares políticos;
  • O governo de Dilma pode chegar ao fim com a votação no Senado sobre o afastamento dela do cargo dentro do processo de impeachment na quarta-feira;
  • Dilma possui uma “intensa” agenda de solenidades;
  • Dilma viajou entre os dias 25/04 e 10/05 por diversas cidades brasileiras;
  • Dilma fez 15 declarações públicas até então durante suas viagens.

Disposto assim em tópicos, fica fácil perceber qual dos dois leads realmente cumpre sua função informativa básica, na estrutura tradicional de elaboração de um produto jornalístico.

O EL PAÍS concatena de forma simples alguns pontos factuais, ainda que os dois primeiros também sejam romantizados em sua escolha de palavras. “Situa” o leitor das ações da então presidente na época, que no caso estava cumprindo uma agenda de solenidades antes da votação do impeachment no Senado.

Como observado acima, a VEJA faz diversas suposições romantizadas sobre o que Rousseff pensava de suas próprias decisões. Faltou apenas alguma fala comprobatória da mesma a respeito desses pensamentos. O que, no caso, não é apresentado ao longo da matéria. Esse parágrafo faz nada menos do que uma contextualização da linguagem que será utilizada em todo o texto.

O conteúdo que mais se assemelha ao que deveria ser o lead aparece apenas no segundo parágrafo do texto da VEJA, indicando que Dilma estava a poucos dias da votação no Senado e se mantinha reclusa no Palácio da Alvorada. Não há menção sobre sua agenda de viagens, sobre os eventos que estava atendendo na época.

Nisso esbarramos no artigo 13º do Código de Ética, e que apresenta “o jornalista deve evitar a divulgação dos fatos: com interesse de favorecimento pessoal[…]”. As informações apresentadas até agora no texto da VEJA escolhido para este artigo preferem divulgar apenas o que é conveniente para seu ponto de vista e objetivo, que é, como eu já citei anteriormente, “a ideia de que Rousseff virou uma ermitã dentro da sua própria casa, está miserável, acabada”.

É interessante salientar que ambos os textos apontam que Rousseff se distanciou dos seus parceiros políticos. No entanto, enquanto o EL PAÍS afirma que isso aconteceu à medida em que esses parceiros foram “deixando e aparecer” nos eventos para dar apoio, a VEJA afirma que isso aconteceu porque Dilma se trancou em casa e evitava falar até mesmo com seus servidores.

Em relação à forma como os textos foram escritos, a dualidade é bastante perceptível: a VEJA procura mostrar a “ruína” de Dilma, salientando o quanto ela estava sozinha e abandonada e como essa situação possui um único e exclusivo culpado: ela mesma. Do outro lado, o EL PAÍS retrata Rousseff como uma guerreira traída pelos seus próprios aliados, e que se mantém firme mesmo no momento mais difícil de sua carreira política.

Apesar de igualmente romantizados (reforçando a carga emocional da então possível saída de Dilma da presidência), no sentido mais jornalístico e informativo, o texto do EL PAÍS se sobressai.

Para além de demonstrar seu posicionamento em relação ao processo de impeachment, ele contém informações relevantes, sob o ponto de vista jornalístico. Traz dados sobre as medidas tomadas por Dilma enquanto ainda estava à frente do governo, nomeia deputados que foram contrários a ela na votação da Câmara (mesmo quando prometeram apoiá-la). Enquanto a VEJA prefere se manter apontando os erros de Dilma e a “teoria da conspiração” que montou sobre seu impeachment

Também gostaria de salientar como o posicionamento do veículo de comunicação fala mais alto sobre o processo de apuração jornalística. Teoricamente, como jornalistas deveríamos nos atentar somente aos fatos e interpretá-los, e transmitir essas informações para o público da forma mais transparente possível. No entanto, como é possível observar na análise desses dois textos, na prática a história é outra.

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