Legado da partida do zepelim prateado: a Geni de hoje tem apenas 12 anos

Geovana Alves
Observatório de Mídia
5 min readOct 31, 2017

Fonte: Carlos Latuff

O presente texto tem como objetivo a análise crítica da repercussão midiática do estupro coletivo de uma menina de 12 anos, ocorrido em abril deste ano na Baixada Fluminense, a partir dos títulos e corpo textual que podem demonstrar a culpabilização da vítima -tese desenvolvida em 1976 por William Ryan a partir de situações em que a culpa pelo crime é mais atribuída à vítima que ao criminoso-.

— Títulos

Toma-se como base o artigo “O discurso de títulos de notícias sobre violência sexual: a mídia online e a culpabilização da vítima de estupro” de Isabela Cardoso e Viviane Vieira, cujo argumento central fundamenta-se na desmoralização da vítima ao colocá-la como única responsável da ação, ao ponto que não há a presença do ator do crime nos títulos.

“Menina de 12 anos sofre estupro coletivo na Baixada Fluminense”

“Polícia do Rio investiga estupro coletivo de menina de 12 anos postado no Facebook”

“Polícia do Rio investiga caso de estupro coletivo de menina de 12 anos”

Ao se analisar estes títulos é possível comprovar a ausência do responsável pela ação, assim como, no primeiro exemplo, a exclusividade de quem sofreu. Enquanto isso, não esperado pelo artigo, surge outro “personagem” na história dos exemplos seguintes -a polícia-.

Outro ponto antagônico neles, é a falta de palavras que simbolizam dúvida sobre o acontecimento, ao contrário dos apresentados -e analisados- no texto de Cardoso e Vieira:

Há a visualização mais nítida da culpabilização da vítima quando a manchete acompanha informações que contêm juízo de valor ou efeito de causa e consequência, como no vídeo a seguir que denuncia a fala do radialista do “Jornal da Manhã” -que inflige o artigo 10º do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros — “A opinião manifestada em meios de informação deve ser exercida com responsabilidade”- veiculada em 26 de julho de 2016 sobre o estupro coletivo de uma garota de 18 anos:

— Corpo Textual

Já este ponto, será avaliado segundo o referencial utilizado no artigo “A mídia do Estupro: análise de notícias sobre violência sexual durante o mês de maio de 2015” de Mariana Caires: a seleção de fontes, a composição imagética e como é feito o relato.

Neste exemplo, a única fonte é a delegada responsável pelo caso, que também serve de recurso imagético como representante da lei e ordem; e embora a vítima não seja exposta por relatos, é relembrado que existe o vídeo nas mídias sociais, seguido de uma tentativa de desviar a persuasão anterior em buscar o material.

Já neste, ouve-se mais de uma versão “oficial” -polícia e delegada- e utiliza-se uma imagem que tangencia a matéria, já que se trata de uma manifestação que relembra as vítimas de violência sexual. Por fim, é notável que há um relato desnecessário do ocorrido que serve apenas para expor e não para informar, indo contra o artigo 6º do Código de Ética -VIII respeitar o direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem do cidadão-.

Assim como os outros, a única fonte ouvida é a polícia e a delegada, mas surpreende ao ponto que utiliza a imagem -mesmo que pixelizada- do vídeo do abuso, além da tentativa de culpar a vítima por estar em uma festa e expô-lá ao detalhar o ocorrido. Por fim, o mais inquietante, está nas aspas da delegada que sugere a procura do vídeo para que se veja que não houve o consentimento da menina.

— Dois em um

Por se tratar de um caso relativamente próximo ao de 2016 -vítima menor de idade, no Rio de Janeiro e em menos de um ano-, a mídia achou pertinente relembrá-lo. No entanto, alguns veículos ultrapassaram o bom senso e menosprezaram o caso atual ao ponto de utilizar como lide o passado para depois informar sobre o presente:

“Cerca de um ano após o estupro coletivo de uma adolescente de 16 anos no Morro do Barão, na Praça Seca, imagens de um novo caso chocaram muita gente nesta sexta-feira na Internet.”

Ao contrário de outros que o usaram para demonstrar as alterações nas investigações e abordagens posteriores, no que diz respeito a não indagar a repetição do relato, assim como sua veracidade. Ou aqueles que simplesmente realizaram um resumo para -talvez- preencher o número de caracteres.

— Considerações finais

Após a análise, é possível dizer que a mídia ainda veicula casos de estupro de maneira sensacionalista e desrespeitosa, assim como atribuí juiz de valor -seja do jornalista ou do veículo- ao contexto estrutural, o que contribui para a continuidade da dominação de gênero, como defende Polly Apfelbaum:

“Tornar o outro invisível, tornar crível a ideia de que ele não é mais do que um simples caso particular, que por isso mesmo não pode ser considerado um interlocutor válido, garante por tabela que o dominante ocupe legitimamente a posição de representante do universal. Esse é o preço da prática de dominação, a desapropriação do outro, posto em situação de tutela, como a apropriação do corpo das mulheres.”

--

--