Limites entre Jornalismo e Entretenimento

Tatiany Garcia
Observatório de Mídia
8 min readNov 18, 2017

Já se tornou comum encontrar notícias, principalmente em revistas, sites ou programas de TV como: ‘’ Caetano Veloso é visto atravessando a rua’’ ou até mesmo ‘’ Ex-BBB Adriana queima a boca ao morder pastel na praia. Veja fotos!’’. Não somente esses exemplos, mas tantas outros, que reafirmam o ‘’mau’’’ jornalismo que enfrentamos na contemporaneidade e o mercado de informações.

A busca pelo furo e a invasão de privacidade são umas das características deste chamado ‘’jornalismo de entretenimento ‘’. As mídias responsáveis por este setor, principalmente as de aspecto ‘’fofoca das celebridades’’ ficam na espreita, somente esperando o próximo passo da figura pública, que se tornará pauta e consequentemente notícia. É notório que, cada vez mais, os meios de comunicação se afastam do código de ética jornalístico.

No Art.1º do Código de Ética dos jornalistas brasileiros temos que, ‘’ O acesso à informação pública é um direito inerente à condição de vida em sociedade, que não pode ser impedido por nenhum tipo de interesse’’. Os meios que oferecem o jornalismo como somente entretenimento,, como visto nestas manchetes citadas acima, muitas vezes escolhem suas pautas, não com base na divulgação da informação por sua essência, direito social, mas sim para somente satisfazer interesses privados do próprio meio ou de terceiros.

Fonte: http://divadepressao.com.br

É comum definir o jornalista como o ‘’grande responsável ‘’ pelo repasse de informações de aspecto verídico e relevante para a sociedade. No entanto, muitos profissionais e veículos se utilizam deste ‘’ título’’ para definirem a maneira como se construir uma notícia, bem como no tratamento dos valores-notícia.

Vamos entender um pouco sobre jornalismo e entretenimento. No livro de Fábia Dejavite, ‘’INFOtenimento: informação + entretenimento no jornalismo’’, é possível verificar a predominância do termo usado por ela ‘’infotenimento, em nosso país. Várias emissoras de TV já transmitem programas ligados a este conceito. Infotenimento é todo conteúdo editorial que fornece informação e diversão ao receptor e faz uma certa ‘’ prestação de serviço’’ ao mesmo tempo.

Um dos grandes líderes de audiência da emissora Band é o programa CQC, que utiliza o ‘’Infotainment’’ ( informação e entretenimento). Além deles, a Rede Globo oferece também nesta temática, os programas como: Fantástico, Globo Repórter e Bem Estar. Todos estes conteúdos de infotainment são variados, pois vão desde economia até saúde. Todavia, o que caracteriza este conteúdo é a forma que é transmitida a notícia e a estética do cenário. Assuntos considerados ‘’sérios’’, de difícil compreensão do telespectador, são transmitidos de uma forma humorada e simples, para facilitar a compreensão do público,

Na televisão, o infotainment conseguiu atingir várias áreas de interesse do público, e chegou no jornalismo, quebrando paradigmas que ressaltam que uma notícia só poderia ser transmitida com seriedade, a fim de que o telespectador pudesse estabelecer uma relação de credibilidade com o discurso do mediador. Ligar entretenimento e informação nunca foi tão rentável em termos de audiência e lucro para as emissoras nos últimos tempos.

A forma como os limites entre o jornalismo e o entretenimento são colocados, é algo curioso. As notícias de temas aparentemente fúteis, como ‘’a troca de fralda que o jogador Neymar fez em seu filho’’, por exemplo, podem se tornar alvo da narrativa jornalística. O jornalismo “sério” acaba se tornando mais “divertido” a depender da construção textual.

Outro aspecto, em que se enquadra o jornalismo como entretenimento, é quando um fato é dramatizado, ou seja, quando escolhe-se um “personagem” capaz de comover o público, bem como nos momentos em que a sensibilização e a diversão se sobrepõem aos fatos, as matérias factuais também aparecem com o objetivo de entreter.

Na TV, por exemplo, é difícil levar muito a sério as notícias que são divulgadas nos intervalos comerciais, pois provocam o imaginário e “passeiam” pelo lúdico. Mas, o que de fato complica neste cenário é a qualidade da informação e o nível de formação de opinião. O público acaba sendo o principal prejudicado quando a notícia prioriza elementos não jornalísticos e “cria” uma narrativa mais próxima do ficcional. Quando há um propósito para se utilizar de elementos ficcionais, as ações se justificam, mas criar tramas apenas para mudar o tom do fato e satisfazer interesses, não parece ser uma ação muito profissional.

Então quer dizer que saber que Caetano Veloso anda na praia de chinelo, ou que o Jacaré da Lagoa da Pampulha ( notícia divulgada em veículo jornalístico digital) está gordo e feliz, é que o as pessoas querem adquirir como informação? Definir o que é notícia vai além desta análise de crítica de mídia, até porque não existe uma definição concreta, já que a notícia para se constituir, demanda do seu próprio autor e do que é relevante para a sociedade, ou como costumamos dizer, de interesse público. Mas, o que de fato é interesse público? Será que o nosso jornalismo, em todas as suas vertentes respeita tal critério para se elaborar as tais notícias? Essas são perguntas que permeiam toda discussão do jornalismo atual. O interesse público vem se transformando desde os primórdios do jornalismo.

Primeiramente, o que seriam notícias de interesse público? Basicamente, o que é relevante para sociedade. Em teoria, os fatores iniciais para se pensar em uma notícia são questões que permeiam a sociedade em geral e estão envolvidas com os temas ligados a saúde, política, educação e entre outros direitos da sociedade. No entanto, o que tem se pensado na hora de fazer uma notícia pelos veículos,nada mais é que ‘’ o que o público quer consumir’’. Informação se tornou mercadoria. O público, ou seja o receptor, passo a ser visto como ativo, contrários ao pensamento da Teoria de comunicação da Bala mágica, em que o receptor consome tudo aquilo que está sendo reproduzido.

O público passa a ‘’refinar’’ a forma como consumir informação, isto é, os assuntos que mais interessam. Portanto, a partir daí foram definidos os critérios de noticiabilidade, os chamados valores-notícia que auxiliam os profissionais na elaboração de conteúdos a serem vinculados pela mídia.

Vale salientar, que de acordo com o artigo 9º do Código de Ética do Jornalista é dever do jornalista ‘’divulgar todos os fatos que sejam de interesse público’’, O que percebemos com essa onda de fake news e notícias ‘’inúteis’’ por assim dizer, fica mais difícil de ser cumprido. Os interesses do veículo, formam a agenda, estabelecem o que vai ser noticiado, pois divulgam muitas vezes o que é de seu próprio interesse, e isto que pode vir a se tornar de interesse público, concretizando o fenômeno de agenda setting. Vou explicar melhor. Vimos anteriormente que os valores- notícia, constroem a informação a ser divulgada. Nestes casos analisados entre jornalismo e entretenimento, grande parte dos veículos que lidam com este tipo de informação, buscam os valores de celebridade, entretenimento, inovador e etc, para construir a notícia, só que muitas vezes vão além de somente estes critérios. É como se o veículo pegasse este valor-notícia de ‘’celebridade’’ por exemplo e ampliasse seu conceito, transformando ‘’ Caetano Veloso anda na praia de chinelo’’ por exemplo, em algo relevante para a sociedade que será consumido.

A ‘’ desculpa ‘’ dos meios, portanto, se volta para os valores-notícias,. ‘’ Mas, o público quer consumir isso’’ , e na verdade, isso seria um disfarce para o verdadeiro intuito com essas divulgações ‘’aleatórias’’: o comércio da informação.

Divulgar informação de qualidade e mais próximas da realidade factual são deveres do jornalista que carecem de cumprimento, devido a influências de seus meios que interferem na produção. É fato que os receptores ‘’refinam’’ suas escolhas para consumir informação, no entanto, a mídia continua a formar estes aspectos ideológicos e criar uma espécie de ‘’dinâmica’’ com os valores-notícias que sofrem uma flexibilização entre si.

O interesse do público pelo universo das celebridades tem sido responsável, há muito tempo, pelo sucesso de muitas publicações. Utilizando-se deste valor-notícia, as abordagens da mídia vão além da diversão, passando pela informação e chegando até aquilo que é de interesse para as emissoras: o lucro e a audiência. O fazer jornalístico dos profissionais focados no mundo das celebridades, por exemplo, tem levado ao desaparecimento das fronteiras entre ficção e realidade. Este desaparecimento atribui à mídia não apenas a capacidade de criar fatos, como também a de criar a ‘’opinião pública’’ sobre os fatos que ela mesma gerou.

Essa opinião pública. O excesso de exposição das celebridades por exemplo, leva a uma construção social feita pela mídia na sociedade, que constantemente populariza um dado artista, ou divulga incessantemente um astro da música ou da novela. É desse modo que as celebridades são o foco de interesse do público/consumidor contemporâneo. É incrível o fascínio gerado por essa disseminação da mídia. Os comentários que os internautas postam nas redes sociais, mostram o quanto os fatos sobre a vida dos famosos mexem com o imaginário dos leitores. Há sempre os que elogiam e os que fazem severas críticas.

Jornalismo e entretenimento unidos. Fonte: http://divadepressao.com.br

Tudo isto resulta a uma inversão de valores do que é de fato considerado valor-notícia para constituir um produto jornalístico, o que é de interesse público e relevante para a sociedade em geral. A notícia de que o Jacaré da Lagoa da Pampulha está gordo e feliz, ou que a Ex-BBB se queimou comendo pastel na praia, não é um problema e nem infringe de maneira inescrupulosa, o Código de Ética dos Jornalistas. O grande questionamento feito com base nestes casos, é com relação a esta exposição exacerbada dos meios jornalísticos, de dados irrelevantes para o bem estar social, ou seja que modifiquemos rumos da sociedade, quando temos fatos relevantes que afetam a comunidade em geral e são deixados de lados para satisfazer interesses privados, sendo ocultados e vítimas de manipulação da mídia.

O jornalista não pode esquecer que tem compromisso com a sociedade. além da essência do trabalho jornalístico, pautado na transmissão de informações mais próximas do real, já que o conceito de verdade, somente é contemplado pelos estudos filosóficos. Estas notícias tratadas nesta análise como ‘’inúteis’’, acabam ocupando espaço de outras que seriam importantes para os rumos sociais.

O jornalismo tem a função de informar, ao passo que o entretenimento tem a função de divertir. Mas, diante da informalidade e da dramaticidade cada vez mais impostas no trabalho jornalístico, fica difícil, entender o porquê de alguns assuntos ficarem no meio-termo entre o entretenimento e o jornalismo e assim, não conseguirmos diferenciar o que realidade e o que é ficção.

Contudo, quando entramos no cenário das notícias, distinguir os limites entre o jornalismo e o entretenimento fica mais difícil. Ambos, parecem simples de serem definidos, por conta dos objetivos distintos de informar e divertir, mas tendo em vista a dimensão que os fatos assumem nesse universo digital, televisivo, radiofônico e etc, as diferenças se tornam delicadas.

As celebridades acabam moldando comportamentos e pautam os noticiários sobre o mundo da fama, fazendo com que qualquer fato sobre esse mundo, seja noticiável e aceito pelo público.por conta da forte influência que exercem no imaginário nacional.

Logo, é imprescindível um jornalismo de caráter crítico, pois pode contribuir para a reflexão mais aprofundada sobre estes veículos de informação, além do entendimento do real papel que eles exercem na vida de quem os consome, já que é fato que os famosos interferem no comportamento e até mesmo na construção das ideias do público. Isto não pode ser uma artimanha utilizada pela mídia para repercutir qualquer tipo de informação, porque ‘’aquilo irá vender’’, mas sim um fato para que os meios se lembrem da essência do jornalismo, em informar e promover discussões sociais, esse compromisso com o público e com a realidade factual.

--

--

Tatiany Garcia
Observatório de Mídia

Estudante de Jornalismo, pesquisadora e apaixonada por Dostoiévski.