Memes, Fake News e Bolhas Ideológicas: Como Metal Gear Solid 2 previu o futuro

Lucas Lombardi
Observatório de Mídia
5 min readDec 12, 2017

Em 2001, Hideo Kojima já nos alertava sobre os diversos perigos que hoje enfrentamos na mídia atual

Lançado em 12 de Novembro de 2001, o game dirigido pelo aclamado Hideo Kojima, Metal Gear Solid 2: Sons of Liberty”, apesar de a princípio não ter sido muito bem recebidos pelos fãs por causa de seu protagonista,revolucionou, e foi aclamado pela crítica por sua história e temas abordados.

A trama é densa, às vezes surreal, contendo elementos pós-modernistas, e abordando temas como a teoria de memes, de Richard Dawkins, filosofia, sociologia, inteligência artificial, política, terrorismo, patriotismo, censura e controle de informação, além de outros assuntos.

Durante o game, encaramos a pele de Raiden, que substitui Solid Snake, o protagonista do jogo anterior da série. Os eventos a princípio parecem padrão para uma trama de espionagem, Raiden está em uma missão para resgatar o Presidente dos Estados Unidos de um grupo de terroristas que o mantém como refém. Após boa parte do jogo, próximo ao final (Spoilers!), Raiden é enganado por Snake e capturado pelos terroristas.

A partir daí, tudo se torna extremamente surreal, com a revelação de um grupo que controla o mundo, ao estilo Illuminati e referências que quebram a quarta parede. É revelado que os contatos de Raiden durante a missão, sua namorada Rose e o Coronel Roy Campbell, são na verdade IAs, ou Inteligências Artificiais, que se tornam insanos por causa de um vírus de computador.

Os personagens, o jogo em si, e até mesmo o próprio jogador viram de ponta cabeça em busca de respostas do que é real. O antagonista estava errado em suas ações? O protagonista era realmente o mocinho? Em quem devemos acreditar? Quem estava mentindo? Essas são as perguntas que o jogo faz no final, também questionando sobre o estado do mundo fora do jogo, e desafiando a percepção da realidade do jogador.

O jogo utiliza esses desafios para questionar os perigos dos memes, não os memes de internet que conhecemos hoje, mas sim os memes da teoria de Richard Dawkins, que, explicando de forma extremamente sintetizada, seria a transmissão de ideias que se multiplicam de cérebro em cérebro através de gerações, assim como os genes passam de pai para filho. Um simples exemplo seria um professor com uma ideia, que ao ensinar a seus alunos ou escrever artigos, acaba propagando-a.

“(…)Acho que um novo tipo de replicador recentemente surgiu neste próprio planeta. Ele está nos encarando de frente. Ainda está em sua infância, vagueando desajeitadamente num caldo primordial, mas já está conseguindo uma mudança evolutiva a uma velocidade que deixa o velho gene muito atrás. O novo caldo é o caldo da cultura humana. (…)”

— Richard Dawkins, O Gene Egoísta, 1975

As IAs do Coronel e Rose, que dialogam com Raiden, e por extensão, o jogador representam controle social coletivo através de memes. Os diálogos do game apresentam uma reflexão da sociedade que chega a ser quase profética, levando em conta que é apresentada em 2001. Preste muita atenção nesse trecho, em tradução livre:

“(…)No mundo atual, digitalizado, informações triviais estão se acumulando a cada segundo, preservadas em toda a sua banalidade. Nunca desaparecendo, sempre acessíveis. Rumores sobre questões mesquinhas, interpretações erradas, difamação… Todos esses dados inúteis preservados em um estado não filtrado, crescendo a um ritmo alarmante. Isso só diminuirá a taxa de progresso, reduzirá a taxa de evolução. (…) Você exerce seu direito à “liberdade” e esse é o resultado. Toda a retórica para evitar conflitos e se proteger mutuamente. As verdades não testadas giradas por diferentes interesses continuam a se acumular na caixa de areia do politicamente correto e sistemas de valores. Todos se retiram em sua própria pequena comunidade fechada, com medo de um fórum maior. Eles ficam dentro de suas pequenas lagoas, vazando quaisquer “verdades” que os convém para a crescente fossa da sociedade em geral. (…)”

Se quiser, pode conferir acima o diálogo original na íntegra, em inglês.

Parece familiar? Na internet, a sobrecarga de informações é comum. A reação é rápida, e a distribuição de informações é mais ainda. Fake news e bolhas ideológicas são problemas que a mídia atual constantemente combate. Não há espaço para contra-argumentos. Há apenas a visão que certos veículos espalham da realidade, que é manipulada e distorcida. Certos assuntos são mais visíveis e comentados na mídia. Certas figuras públicas são alvos mais frequentes de certos veículos.

A verdade é que todos temos um viés de confirmação. E não se trata de um fenômeno apenas social, mas psicológico, e é praticamente inevitável que a realidade seja corrompida na mídia. O agente comunicador realmente consegue impedir que seus memes sejam distribuídos sem quaisquer interesses privados, como consta no código de ética dos jornalistas? A verdade que a mídia apresenta é genuína?

Metal Gear Solid 2 apresenta um espelho perfeito para o mundo de “pós-verdade” que vivemos hoje. Crenças pessoais tem mais importância do que nunca. As pessoas estão preocupadas com os dados particulares coletados na internet pelo governo ou grandes empresas como o Google ou o Facebook. Os partidos políticos lutam pelo controle sobre a população, nos apresentando verdades que são incompatíveis. Com o fluxo de desinformações, é comum ver acusações e contra-acusações de fake news em ambos os lados.

Apesar disso, quem realmente está no controle de informações são as massas. Nós podemos expor o que pensamos, mas quem vai decidir o que é certo ou errado é o público. Memórias coletivas e culturais são o que restam no futuro, tudo o que sabemos hoje foi passado pelas gerações anteriores, assim como os genes.

Há quem questione que games não deveriam ser considerados arte, e talvez eu apenas esteja pensando demais sobre um jogo onde você enfrenta robôs gigantes e se esconde de inimigos em uma caixa de papelão, mas através do exagero, Metal Gear Solid 2 entrega uma mensagem reflexiva que sem dúvida, estava à frente de seu tempo.

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Lucas Lombardi
Observatório de Mídia

Estudante de Jornalismo da Unesp. Entusiasta de coisas demais e apreciador de café.