Modelo “Vice” de jornalismo: uma medida paliativa ou o futuro que nos aguarda?
Em tempos de fake news, sensacionalismo, publieditoriais, e tantos outros estilos jornalísticos que se confundem com entretenimento, pouco espaço sobra para o jornalismo tradicional — aquele que se preocupa com as diretrizes éticas de produção de conteúdo (e com o próprio conteúdo veiculado, claro).
Na realidade, espaço tem, o problema é conseguir capturar a atenção do público com a mesma facilidade que as listas ou os famigerados testes do Facebook. Quem é que quer saber de desgraça quando você pode descobrir, entre outras coisas, qual eletrodoméstico você seria ou qual é a paleta de cores que mais combina com a sua personalidade?
É aí que começamos a nos deparar com grandes machetes do jornalismo: “O comovente caso da lesma que arriscou a vida para fumar”, “O que a ciência aprendeu dando LSD para golfinhos”, ou a clássica “Esse Cara Só Come Pizza Há 25 Anos — Para o Dan, pizza é como sexo: mesmo quando é ruim, é bom”. E por aí vai. Dos títulos mais esdrúxulos aos mais infames e nojentos. Sem limites.
Sim, estou falando da “Vice”. E não só a do Brasil.
Há quem apenas critique e repudie esse tipo de jornalismo gonzo (dos mais babacas existentes na face da terra). É uma tiração de sarro imensa com o público; uma paródia com o conteúdo buscado no google pelos Millennials; uma zoeira ilimitada com o bom senso do brasileiro médio. Falem o que for, o que importa é apenas uma coisa: vende.
É bem aí que entram alguns pontos importantes.
Não é só esse tipo de conteúdo que aparece lá. Na realidade, tem muita grande reportagem de ótima qualidade, envolvendo assuntos extremamente pertinentes, com uma apuração impecável. “O boa noite cinderela e o consumo de drogas em São Paulo”, por exemplo, retrata um problema que tem se intensificado cada vez mais na noite paulistana, e se propõe a entender como isso acontece e mostrar que pode atingir qualquer um — como se precaver então? É de utilidade pública.
O problema é que, como colocado no início do texto, é uma tarefa complicada se propor a competir com um tipo de jornalismo (é jornalismo mesmo?) que utiliza estratégias publicitárias para vender. Difícil é diferente de impossível, e tem muito site bacana que tem conseguido capturar todo o público que tem se tornado órfão de um bom jornalismo investigativo: Nexo, Agência Pública, e até mesmo o El País.
Mas será que temos que julgar com tanto afinco os sites que não estão interessados em manter essa ética e, sim, levar tudo com mais leveza e entrar na competição pela atenção do público descendo ao mesmo nível que os piores adversários?
Uma coisa é fato: a Vice sabe o que faz. Tanto é que a linguagem e a identidade visual dela é procurada incessantemente por grandes agências publicitárias. E é o fato deles saberem que fazem bem feito e serem autossuficientes que dão a eles a liberdade de escolher quais jobs aceitar ou não.
E é também essa mesma autossuficiência que dá a eles a possibilidade de pagar bons repórteres para produzir duas ou três grandes reportagens por ano, de altíssima qualidade.
Uma das melhores coberturas sobre a resistência curda no Oriente Médio, bem no auge dos ataques do Estado Islâmico, foi da própria Vice. Ela não só falou sobre, e foi até lá entrevistar as mulheres do PYJ (braço feminino de resistência do partido de esquerda curdo, o PKK), como também deu espaço para que uma dessas mulheres escrevesse as suas experiências.
Essa mesma estratégia de marketing também é utilizada atualmente pelo Buzzfeed e, inclusive, a expressão “buzzfeedização do jornalismo” é a que define esse modo de obter a atenção do público.
Por mais que tudo isso seja pensado, e que, se você analisar com calma as matérias que estão nos “relacionados” de cada uma dessas clickbaits (aqueles conteúdos que são tão absurdos que você olha e pensa “eu preciso clicar nisso”), a maioria delas nos leva a conteúdos mais relevantes, menos bobos… Não seria esse um jeito de viciar o público em um tipo de jornalismo completamente desvirtuado do sentido real da profissão?
Será que em algum ponto, em um futuro (distante ou não), a gente vai conseguir se livrar dessa mistura entre jornalismo e entretenimento, ou ele se tornará o único jornalismo possível de ser feito?
Fica a reflexão.