O apelo jornalístico ao emocional como recurso para ganhar visibilidade no meio digital

Vinícius Gálico
Observatório de Mídia
4 min readJan 4, 2018
Arte: Thomate

O assunto em questão não é novidade para quem já acompanha algum tipo de noticiário desde antes da consolidação da era digital no Brasil. A busca pela visibilidade através do apelo emocional no meio jornalístico é uma prática estabelecida pela imprensa brasileira há tempos. Seja nos veículos impressos, nas rádios ou no meio televisivo, não faltam exemplos, por vezes históricos, em que a imprensa relegou a apuração e exposição dos fatos à um segundo plano a fim de enaltecer aspectos ligados a dramatização e sensibilização e, consequentemente, garantir a audiência de seus espectadores.

Atualmente, no entanto, a quantidade de informação a que dispomos de uma só vez nos meios digitais evidencia ainda mais este problema. Pior, para além do jornalismo dito sério, outrora concentrado nas mãos dos grandes grupos de comunicação, a praxe passou a ser mimetizada em portais de entretenimento que se espalham aos montes pela web e que pouco ou nada se preocupam com a apuração e a busca pela verdade dos fatos, mas que ainda assim os noticiam. Consequentemente, temos a pulverização do “poder” de disseminação da informação na internet como um intensificador da espetacularização dos fatos.

Dado então que o apelo jornalístico ao emocional como recurso para ganhar visibilidade é um fato em nossa sociedade, surge uma nova questão: por que o jornalismo, neste caso em especial, o brasileiro, lança mão dessa prática?

  • Porque ela funciona bem.

Simples assim.

A questão passa a ser então a busca pela compreensão dos motivos que levam os jornais à escolherem e os espectadores a aceitá-la. Vamos à alguns deles.

O imediatismo noticioso

Desfrutamos as benesses da rapidez do mundo digital a todo momento, mas ela também possui as suas próprias obscuridades. A migração e o estabelecimento do jornalismo neste meio aumentou a velocidade necessária a apuração da informação à níveis alarmantes, excepcionalmente nos veículos que prezam pelo “furo de notícia”. Qualquer um, na hora e lugar certos, portando um aparelho conectado a rede mundial de computadores, pode ser o primeiro a divulgar e viralizar um ocorrido na internet. Logo, a fim de garantir o título de “primeiro”, o tempo necessário a investigação e refinamento de uma notícia no jornalismo caiu drasticamente. Já a de criação e publicação de matérias e reportagens alcançou um ritmo quase industrial de produção.

Arte: Latuff

A falácia

Argumentum ad passiones é o nome dado a uma das tantas falácias existentes na lógica e na retórica humana. Ela pode ser traduzida como um apelo à emoção e ocorre quando se usa a manipulação dos sentimentos do receptor (espectador) como forma de convencê-lo da validade de um argumento (fato). No caso da espetacularização jornalística, em especial, pode servir também como método para contornar a ausência de outros aspectos a se noticiar — seja por relevância ou por falta de tempo para apuração e pesquisa sobre o tema abordado.

O humano dentro de nós

Para completar a lista de “justificativas” do apelo jornalístico ao emocional no meio digital, devemos nos atentar agora a perspectiva do grande público que consome todo este material entregue pelos veículos de comunicação.

Não é de hoje que a ciência — em especial a psicologia e a neurologia — sabe que o ser humano possui maior afinidade e interesse em estímulos que possuam elementos que remetam a sua própria “humanidade”, por assim dizer. O rosto, a voz e os sentimentos humanos, quando empregados, por exemplo, em publicidades, têm um maior poder de atração e convencimento do que outros recursos disponíveis.

Também não é de hoje que os veículos de comunicação estão cientes das possibilidades que essa característica humana proporciona. Conteúdos jornalísticos que contenham “estímulos humanos” — seja a fotografia de uma vítima de tragédia, o áudio de um sobrevivente narrando os momentos de fragilidade e perigo, ou a descrição minuciosa em palavras de um evento que comova (para o bem ou o para o mal) — tendem a chamar e a manter a atenção do público de forma eficiente, pois de fato desperta interesse no mesmo.

Ao fim deste artigo, podemos concluir que, apesar de não ser um elemento novo no jornalismo, o apelo ao emocional possui uma penetração maior e mais intensa no meio digital. E isso se dá por uma série de motivos, como a velocidade da informação, a facilidade de recorrer ao emocional e a eficiência que ele possui para garantir uma boa audiência.

Todavia, não podemos nos dar por contentes em compreender um pouco mais sobre este recurso. Deve-se sempre ter em mente que ele é um fator que prejudica a produção jornalística, pois desvia o foco das notícias e afeta a apuração dos fatos a serem abordados. Além do mais, o mesmo é um dos grandes responsáveis por estreitar a margem que divide o jornalismo do entretenimento, o que em muitas perspectivas é mais um fator a avariar a nossa profissão.

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