O jornalista é responsável pela interpretação do público?
Foto viral de criança negra assistindo à queima de fogos em Copacabana provoca debate sobre responsabilidade do comunicador
Logo na primeira semana de 2018, uma imagem chamou a atenção do Brasil: no Réveillon de Copacabana, o mais famoso do país, um menino negro observa, atônito, a queima de fogos. Está aparentemente sozinho, com parte do corpo na água e com os pulsos entrelaçados, enquanto atrás, na areia, uma multidão vestida de branco comemora a entrada de 2018.
A foto desencadeou uma enxurrada de compartilhamentos e comentários nas redes sociais. “Um soco no estômago”, “Que essa imagem sirva de reflexão para o que podemos ser em 2018: mais sensíveis, mais tolerantes, mais inclusivos”, “De um lado o encanto. Do outro a indiferença”. Houve até quem se apropriasse da imagem para corroborar pautas da esquerda.
Ativistas do movimento negro, no entanto, lançaram outro questionamento: será que enxergaríamos esta foto da mesma maneira se o menino fosse branco?
Em entrevista ao El País, Mayara Assunção, integrante do Coletivo Kianda, disse: “Eu vejo uma criança que parou para olhar a queima de fogos no meio de uma festa. Sinceramente, nós temos que parar de achar que todo menino negro e sem camisa está abandonado, triste, sozinho, infeliz e contrastando com a felicidade dos outros. Temos que parar de achar que todo menino sozinho é criança que vive em situação de rua. Inclusive, que é legal expor nossas crianças para a branquitude começar o ano com pena e compaixão de nós. Ah, por favor né, a gente tem essa mania horrível de reforçar os estereótipos de nossas crianças: ‘Que pena!’, ‘É o retrato do Brasil!’, ‘Imagem muito impactante, reforça as desigualdades do país’. Parem! Vocês nem sabem quem é aquele menino. E vocês não querem saber também.”
Diante dessas opiniões divergentes, surge um questionamento: o fotojornalista tem responsabilidade por interpretações que fazem de sua foto?
Lucas Landau, o responsável pela imagem polêmica, é fotojornalista e contou, em sua conta do Facebook, que ficou assustado com a repercussão da foto. Ele revela que foi contratado para registrar o Réveillon em Copacabana e se deparou com o menino. A foto foi entregue, em cores, à agência Reuters. Lucas disse que encontrou “uma criança deslumbrada, assistindo ao espetáculo”. E contou, ainda, que “a pureza dos seus gestos e o encantamento no seu olhar” o tocaram.
Fico contente de ver a fotografia cumprindo seu papel enquanto arte: levantando discussões, ensinando, questionando, gerando debates que nos fazem evoluir como sociedade.
Essa é a minha fala: a foto. É assim que me expresso, fotografando. Não acredito ter algo a acrescentar, além do que já contextualizei. Nesse caso em que a fotografia cria vida própria, a opinião do fotógrafo de nada importa. Cada um projeta as suas próprias bagagens quando olha para o menino no réveillon.
É possível perceber pelo relato do fotojornalista, principalmente na parte final destacada acima, que ele não quer se posicionar. Pelo menos não explicitamente. No entanto, é imprescindível lembrar que a subjetividade é inerente a qualquer profissão. E o fotojornalismo não se isenta desta condição. A fotografia, aliás, é, em essência, o resultado da passionalidade.
Diante da imensa repercussão que a foto causou, é natural que o profissional queira se preservar, inclusive para não ser acusado de reforçar o estereótipo de retratar uma criança negra sozinha e à margem da sociedade. Porém, é evidente que há na imagem muito das impressões pessoais e da visão de mundo do profissional. Não quero abordar as diversas interpretações feitas à imagem. Aqui, quero me ater ao profissional e não ao público.
Assim, acredito que o fotojornalista tem, sim, responsabilidade pela imagem que torna pública.
É importante destacar, também, que responsabilidade não tem, necessariamente, sentido negativo. O que se reforça, aqui, é o fato de que o profissional de comunicação não tem controle sobre as interpretações que farão de seu trabalho, seja uma reportagem, um artigo ou uma foto.
No entanto, nós, comunicadores, temos responsabilidade e grande impacto social. E devemos lembrar sempre disso.
Sem o bom jornalismo, afinal, não há revolução.