O quanto nós sabemos sobre os atentados em Mogadíscio?

Julia Mendonça
Observatório de Mídia
3 min readOct 31, 2017

A cidade já foi alvo de dezenas de atentados somente neste ano. O pior deles até agora aconteceu em 14 de outubro, quando um caminhão-bomba deixou pelo menos 300 feridos e 270 mortos. Ontem mesmo, dia 29 de outubro, aconteceu outro atentado, e o número de mortos divulgado por enquanto gira em torno de 30 pessoas.

Até a publicação deste artigo, o levantamento oficial é de que pelo menos 500 pessoas tenham sido mortas e outras 600 feridas em 2017.

Eu trouxe essa enxurrada de números logo nos primeiros parágrafos para agora perguntar a você, leitor(a): quantas notícias você leu, assistiu ou ouviu pelos grandes veículos midiáticos? Quanto tempo dos telejornais foi dedicado exclusivamente à cobertura dos acontecimentos na cidade? Quantas manchetes de jornal? Cadê o #PrayForSomalia nos Trending Topics? Cadê os plantões de última hora para informar a atualização dos números de mortos e feridos?

Quantos dos seus amigos no Facebook, caro leitor(a), estão fazendo campanha, trocando a foto de perfil? Quantos estão subindo uma hashtag no Twitter para chamar a atenção do mundo para toda essa atrocidade?

Entre nos sites dos veículos mais conhecidos do Brasil e do mundo, observe suas páginas principais. G1, Folha, El País, NY Times, BBC. Sério, abra uma aba nova no navegador e acesse a cada uma destas páginas. Dá pra contar nos dedos o número de menções ao que acontece na Somália.

O atentado do dia 14 de outubro é o maior no mundo desde o 11 de setembro.

Vamos a uma comparação com outro atentado que também aconteceu durante o mês de outubro deste ano: o tiroteio em Las Vegas. Segundo as informações da mídia, cerca de 59 pessoas morreram. Veículos como o El País e o G1 fizeram cobertura ao vivo dos acontecimentos, com atualizações de dados constante. Enviados especiais, links ao vivo nos telejornais.

Hoje, quase um mês após o ocorrido, o Uol publicou uma matéria sobre um casal que sobreviveu ao tiroteio e morreu depois, em um acidente não-relacionado.

Quer outro exemplo? Quem não se lembra da hashtag #JeSuisCharlie, que teve uma imensa repercussão nas redes sociais, chamando atenção para o assassinato a tiros de 12 pessoas na sede do jornal parisiense Charlie Hebdo em 2015?

Nós temos lembrança dos acontecimentos que mencionei pelo fato de terem recebido grande espaço na mídia e nas redes sociais. Agora puxe na memória quantos atentados na Somália você lembra de terem acontecido em 2017. Difícil, né?

E o motivo é simples: não há cobertura jornalística aprofundada, constante e atual sobre os acontecimentos em Mogadíscio porque não é interessante aos grandes veículos. Caso você leitor(a) ainda não saiba, a cidade é a capital da Somália, na África, e possui aproximadamente dois milhões de habitantes.

Ou seja: o que está deixando de ser divulgado aqui não é somente a morte de centenas de pessoas em um atentado, mas sim centenas de mortos de uma população negra, em um país africano. E isso não precisa de ampla exposição pela imprensa por quê?

No primeiro ano da faculdade de jornalismo, aprendi sobre como as notícias são selecionadas para veiculação. A grande questão está nos chamados valores-notícia, critérios que determinam se uma matéria vai ou não ser publicada. Entre esses valores podem ser citados “número de pessoas envolvidas” e “interesse humano”.

Os 500 mortos e 600 feridos não constitui um número maior de envolvidos do que o tiroteiro em Vegas ou o de Hebdo? O que torna esses dois últimos de maior interesse humano do que o que está acontecendo neste exato momento em Mogadíscio?

Eu te digo: é que eles aconteceram nos EUA e na Europa, respectivamente. E a partir daí suas vítimas possuem rostos, histórias, uma vida interrompida precocemente. Mas na Somália parece que não é da mesma forma.

A partir do momento em que uma bala perdida que vai parar dentro de um pão em Niteroi é mais importante e merece mais destaque na página principal do G1 do que as centenas de Somalis mortos e feridos e a certeza de novos ataques que não tem hora para acontecer, é que se percebe o quanto a mídia brasileira e internacional não dá a mínima importância para o povo africano.

Precisa acontecer no quintal das nossas casas, nos EUA ou na Europa para que seja reconhecido por nós. Lá se perdem vidas humanas, com importância, com valor.

Mogadíscio? Onde fica mesmo?

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