O que disse a mídia sobre a Reforma do Ensino Médio

Ariely Polidoro
Observatório de Mídia
5 min readDec 24, 2017

No início de 2017, o presidente Michel Temer sancionou a lei da Reforma do Ensino Médio. Anterior a isso, a reforma foi feita como Medida Provisória, o que dá à ela urgência de aprovação na Câmara e no Senado.

Dentre muita polêmica, tanto na sua tramitação no Planalto, quanto nas suas propostas, o novo Ensino Médio adquiriu diversas facetas no seu processo de veiculação midiática.

Para este artigo, quatro portais de notícias foram analisados: O Globo, Uol, Carta Educação e Caros Amigos.

Os dois primeiros pertencem aquele núcleozinho que detém grande parte da comunicação brasileira (muito prazer, Grande Mídia, Mídia Hierárquica ou como quiser). Os outros dois são amigos próximos da esquerda brasileira e conhecidos como mídia oposicionista pelas críticas ferrenhas ao atual governo.

(Parênteses para os confusos: a Carta Educação é um braço da Carta Capital).

O Globo

[Matéria disponível aqui]

FONTES: temos duas fontes favoráveis à Reforma (Michel Temer, presidente e Mendonça Filho, Ministro da Educação). Como visão contrária, a matéria cita o procurador da República, Rodrigo Janot, que questionou a urgência e constitucionalidade da MP.

LINGUAGEM E ESTRUTURA: O texto dá voz às fontes favoráveis à reforma política — Temer e Mendonça Filho aparecem com suas falas em discurso direto. Já a fonte desfavorável, Janot, aparece em discurso indireto.

O uso do verbo “estimulará” no início do texto (“e a mudança na grade curricular que estimulará os alunos a optarem por matérias de áreas de interesse”) aparentemente passa ao leitor, já de cara, o primeiro ponto positivo da reforma (ora, o poder da escolha é algo tentador).

UOL

[Matéria disponível aqui]

FONTES: assim como na anterior, Michel Temer (presidente)e Mendonça Filho (Ministro da Educação) aparecem como fontes favoráveis, além do próprio Ministério da Educação (MEC). Novamente, Janot é a fonte desfavorável juntamente com o PSOL.

LINGUAGEM E ESTRUTURA: Utiliza discurso direto para fontes favoráveis e indireto para fontes desfavoráveis. [Nada de novo sob o sol].

Essa matéria explica, através de intertítulos, os principais pontos da reforma e assim como as suas críticas. Entretanto, algo importante de se destacar: a famigerada manchete. Nela, o jornalista faz questão de colocar número. Logo, a primeira impressão do leitor é a de que o novo ensino médio será bom, isso antes mesmo dele ler a matéria completa.

Por último, a aparição do verbo “obrigar” (“Até então os estudantes eram obrigados a cursar 13 disciplinas” — construção na voz passiva) que traz, de certo modo, uma negatividade no atual modelo de ensino já que coloca os estudantes como sujeito paciente.

Em ambas as publicações, os protestos e ocupações gerados pela reforma foram citados bem brevemente. Os textos também não aprofundaram e nem desdobraram essa questão.

O Globo e o Uol ressaltaram a fala do presidente sobre a geração de debate em volta do assunto, já que uma das críticas foi a urgência na aprovação da MP sem consultar estudantes, professores e especialistas em educação.

Carta Educação

[Matéria disponível aqui]

FONTES: Aqui, temos a presença de mais fontes desfavoráveis do que favoráveis à Reforma. Rossieli Soares da Silva (Secretário de Educação Básica) aparece pró-novo ensino médio; Daniel Cara (coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação) e Anna Helena Altenfelder (superintendente do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária) são contra.

LINGUAGEM E ESTRUTURA: Aqui, a situação se inverte. Para fontes desfavoráveis, o discurso é quase sempre apresentado em forma direta; para as favoráveis, o discurso é indireto.

O texto faz menção a dados em pesquisas para comprovar seus argumentos, ou seja, todo o texto é praticamente sob a voz das fontes contrárias à Reforma do Ensino Médio. O texto também utiliza verbos como “analisa”, “questiona”, “explica”, “avalia” como ações das fontes; a força de verbos como estes é muito maior do que um simples “disse fulano” ou “afirma beltrano”.

Não há um desdobramento das ocupações de 2015 no texto (há uso do hiperlink que redireciona para a notícia).

Caros Amigos

[Matéria disponível aqui]

FONTES: Apresenta apenas fontes desfavoráveis. Sonia Kruppa (especialista que compôs a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo entre 1989–1992 e professora da USP), Camila Lanes (presidente da União Brasileira de Estudantes Secundaristas — Ubes) e Roberto Catelli (coordenador da unidade de educação de jovens e adultos da Ação Educativa).

LINGUAGEM E ESTRUTURA: Para as fontes desfavoráveis, o discurso é quase sempre apresentado em forma direta. A partir que os pontos da reforma são explicados, em seguida o argumento da fonte é apresentado.

A Caros Amigos foi o único veículo que deu enfoque na mobilização dos secundaristas, tendo como uma de suas fontes, alguém que faz parte do movimento.

Já em sua manchete, vem o posicionamento contrário à sanção (uso do substantivo “retrocesso”). Assim, o leitor já teria como primeira impressão a visão de que a Reforma é negativa.

Foi o único texto que como recurso fotográfico, utilizou foto de secundaristas. Os demais textos colocaram fotos do presidente e do ministro da educação

As duas últimos matérias foram as únicos que se debruçaram sobre a questão da disponibilidade das escolas em oferecer as áreas optativas.

Todo ser humano é dotado de subjetividade. Todo ser humano não é um simples receptor esperando por preenchimento. Todo ser humano tem seu posicionamento. É sabendo disso que as nuances não podem passar desapercebidas.

De esquerda ou direita, nessas análises dá pra ver que faltou a tal imparcialidade, tanto pela apuração quanto estrutura das notícias. Mesmo se autodenominando e se posicionando sem rodeios, como a Caros Amigos, deve se ouvir a voz do outro. Não podemos cair na armadilha de que tudo que está ali é o certo, que é a verdade impenetrável.

Quando nos fechamos naquilo que queremos ouvir, ler e ver, nos privamos do conhecimento de mundo que pode favorecer a construção da nossa subjetividade e do nosso aprendizado. E um dos primeiros que deveria saber disso é o jornalista.

[Eu concordo com isso, mas a partir do quê?] A partir de opiniões e visões que eu não tenho conhecimento porque não me dou ao trabalho de apurar, de verificar. De discutir. Não há reflexão sem oposições.

[Outro parêntese pessoal da autora: a reflexão acima faltou na momento em que a Reforma do Ensino Médio começou sua tramitação].

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