O reflexo do jornalismo atual em Black Mirror
Questões de ética e atuação da internet no jornalismo são temas citados em “The National Anthem”
Das atuais produções de sucesso da televisão, uma das que chama mais atenção para a questão dos debates que gera a cada episódio é a série “Black Mirror”, antologia científica criada pelo roteirista Charlie Brooker para a TV britânica e sendo vendida para a rede de streaming Netflix.
“The National Anthem” (Hino Nacional) é o capítulo de estréia da série, com o enredo girando em volta do sequestro da princesa britânica Susannah. Imagens da monarca caem na internet de forma anônima, e como resgate, o sequestrador exige que o primeiro-ministro tenha relações sexuais com um porco em rede nacional.
A preocupação do governo britânico com a veiculação das imagens e informações sobre o atentado a coroa é desenvolvida ao longo de todo o capítulo, gerando grande questionamento sobre a rapidez da veiculação de conteúdo com a internet, além do papel sensacionalista que a mídia desempenha no episódio.
Logo que o vídeo do sequestro caí no Youtube, as autoridade britânicas tentam tirá-lo do ar, sem grande sucesso, pois em pouco minutos as imagens já foram baixadas e visualizadas por cerca de 50 mil pessoas e o assunto entra para o “Trending Topics” do Twitter.
Pessoas compartilham e visualizam o sequestro com muito mais antecedência do que as empresas de jornalismo conseguem cobrir. Inicia-se então a crítica sobre como a internet está maximizando a veiculação de conteúdos a sociedade.
Basta um clique de um botão, e a notícia está sendo postada em diversas redes sociais e comentadas por todo o globo. Essa rapidez fornecida pela internet permite que qualquer pessoa seja o emissor de um conteúdo informativo, quebrando com o velho padrão “emissor-receptor”.
Um exemplo que se encaixa com a realidade é o atentado ao show da cantora Ariana Grande em Manchester. O ataque terrorista foi praticamente veiculado pela internet
Muito antes das mídias chegarem ao local, os próprios fãs divulgavam informações, imagens e vídeos nas redes sociais, gerando informação muito antes dos jornalistas.
Logo após, os veículos jornalísticos digitais cobriram em primeira mão todos os fatos do acontecimentos, sempre atualizando as notícias nos portais da internet, coisa que as mídias tradicionais (rádio, impressos e TV) só conseguiam noticiar horas depois.
Seguindo os acontecimentos do episódio de “Black Mirror”, a imprensa britânica é proibida de veicular qualquer informação sobre o episódio do sequestro, levantando, mais uma vez um questionamento a mídia jornalística.
Até que ponto as empresas de comunicação respeitam a norma ética de se comprometer com a veiculação de informação ao público sem ser impedido por nenhum interesse privado?
As informações que chegam ao público são distorcidas, manipuladas e passadas por um peneira que tem como critério os conceitos de “gatekeeping” e “agenda setting”.
Olhando para a mídia, é possível perceber que certos assuntos são mais cotados nos noticiários que outros e como muitos acontecimentos nem chegam a serem repassados nos meios informativos.
Ainda que o governo britânico tenha proibido a veiculação das informações do sequestro, no capítulo “The National Anthem” , muitas mídias começam a noticiar o atentado, iniciando assim, um circo de sensacionalismo ao redor do tema.
Quando o sequestro finalmente chega nas mídias tradicionais, que no episódio, é tido como a televisão, o enfoque dado pelos jornais é na exigência feita pelo sequestrador de que o primeiro-ministro tenha relações sexuais em rede nacional com um animal.
Toda a comoção e preocupação com a segurança da princesa é deixada de lado e começam a criar enquetes e entrevistas “fala povo” para que os espectadores possam decidir se o primeiro-ministro deveria ou não aceitar a exigência.
Especulações são feitas acerca do acontecimento, criando um verdadeiro show com os holofotes voltados para o fato errado.
É comum que isso aconteça em nossa mídia, que muita vezes cria um grande sensacionalismo em volta de acontecimentos violentos e geram grandes espetáculos nacionais durante dias, como no caso do avião da TAM que bateu contra o prédio da empresa aérea, ou o caso da menina Isabella Nardoni e até mesmo o assassinato de Eliza Samudio, envolvendo o goleiro Bruno.
Consegue-se perceber, portanto, que “Black Mirror” é um espelho da sociedade moderna atual e que serve como reflexão sobre a atuação do jornalismo como profissão.