Ocupar o campo científico na profissão de jornalista é possível?

Rafael Toledo
Observatório de Mídia
4 min readJan 3, 2018
Imagem via pexels.com

O jornalismo científico ainda é um temor a estudantes e profissionais do ramo da comunicação. Tal fato é justificado com a premissa de que a ciência ainda é um espaço restrito a um grupo seleto. O diálogo se alonga para instâncias que envolvem o jornalismo como campo a ser atribuído à ciência, ou , então, se o jornalismo científico é um feito que pode estar associado ao campo científico. Contudo, mesmo com tantas articulações, a especialidade ainda gera embate no que tange o papel do jornalista no campo da ciência.

As publicações que se dedicam à divulgação científica estão associadas, geralmente, ao meio acadêmico, o qual, indionssincraticamente, baseia-se na precisão e na linguagem formal, pontos intimidadores ao acesso público às realizações e descobertas obtidas em pesquisas.

O papel governamental também carece de força perante à relação entre sociedade e acesso à ciência, o que torna nebuloso o processo de divulgação de feitos no campo científico. No Brasil, Projeto de Lei 1120/07, de 2007, aprovado na Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados ressalva que a ciência deve ser mantida regularmente atualizada à sociedade. Contudo, o que parece impedir as questões inerentes à publicação diz respeito aos profissionais aptos ao ofício, ou, quando menos, a falta deles.

Mas quem deve fazer?

Apesar de um cenário ainda repleto de obstáculos, o papel de comunicólogos tem se despontado visto que a necessidade da divulgação científica está inerente ao avanço nos processos que tangenciam a educação no país. Como comenta Macri Elaine Colombo em seu texto Jornalismo Científico: divulgação disseminação, e sua relação com os cientistas, “o jornalismo se encarrega da árdua tarefa de decodificar para a população, informações áridas quando se trata do assunto que envolve ciência (…)”. (pg.3)

Na conceituação do téorico José de Soares de Veras Júnior, o jornalismo científico está associado a profissionais (sejam eles repórteres ou editores) que se dedicam à divulgação especializada, geralmente coletada e reproduzida de acordo com os vieses da publicação para a qual trabalham. Contudo, há teses que vão na contramão dessa conceituação. É o caso da teoria apresentada por Wilson da Costa Bueno, que concorda que a divulgação não deve se restringir a nichos especializados, trazendo ao diálogo a responsabilidade social com a qual o jornalista e cientista entram em acordo, a fim de apresentar o processo de pesquisa.

Sabendo desse papel, deve-se perceber a importância que um jornalista científico exerce sobre o debate na alfabetização. Somado a isso, nota-se a função da qual o ofício se encarrega na projeção de um ambiente mais democrático, por meio da conexão entre comunidade tecnológica e domínio público. Comenta-se nesse intermédio a importância de uma linguagem que garanta acesso da população ao direito à informação, viés esse que será abordado mais adiante.

A internet como meio

A internet foi preponderante para o avanço da informação científica. Em postagem publicada em 2013 pelo portal FAPESP, 800 profissionais participaram da 8ª Conferência Mundial de Jornalistas Científicos, em Helsinque, na Finlândia, sendo que a percpeção geral do evento foi de jornalstas que atuavam em blogs que tem como viés temático o jornalismo voltado à divulgação científica. Destaca-se nesse meio, a apuração conhecida como watchdog, responsável por apurar evidências científicas divulgadas pela grande mídia, pela publicidade e, inclusive, por empresas públicas e privadas. A exemplo deste tipo de jornalismo, o Science-ish, plataforma associada à revista semanal canadense Maclean’s, surge focando na verificação de fatos acerca da saúde nacional.

Contudo, não é apenas o jornalismo online que se mune de alternativas para adentrar o meio científico. A conceituada revista Scientific American se contrui em anos de trabalhos dedicados à divulgação científica. Atualmente, molda-se na internet com blogs e o caminho parece não ser seguido apenas pela mesma. É o caso do ProPublica, criado por “filhos” do jornalismo impresso de redações tradicionais, destacando-se pela linha de financiamento por meio de doações. O projeto foi concebido por Paul Steiger, ex-editor investigativo do The Wall Street Journal, que permaneceu no mesmo até 2012.

Relação entre jornalista e cientista

A relação percebida entre cientista e jornalista é uma via de mão dupla. Isso porque foi sacralizada a necessidade de reportar acontecimentos inerentes ao campo científico, sem a integral compreensão prévia ao tecnicismo empregado pela área. Tal fato confere duas problemáticas acerca da divulgação: a linguagem atribuída ao texto para as diferentes instâncias sociais e prazos distintos.

O primeiro percalço surge em textos nutridos com o famoso processo de “cópia e cola”, visível reflexo da ausência de conhecimentos técnicos acerca do tema. Tal problemática ecoa na incompreensão de setores da sociedade não especializados, que passam a se desinteressar por temáticas que envolvem a divulgação científica.

Já o segundo empecilho se apresenta como consequência dos processos inerentes ao trabalho de profissionais da comunicação e ciência. Sabendo que a primeira área possui, em muitos casos, o imediatismo concebido pelo deadline, a segunda se forma com a análise de pesquisas que podem levar meses.

Esse contraponto sugere uma intolerância no que diz respeito aos ruídos surgidos dentro do diálogo entre ambos os campos. Nesse momento, é essencial ressaltar o papel da tolerância dentro dos dois contextos e como a mesma pode estar associada ao desenvolvimento social, como válvula ao acesso da divulgação científica e consequentes aprimoramentos dentro da comunidade no geral.

Referências

COLOMBO, Elaine Macri; LEVY, Denize Piccolotto Carvalho Jornalismo Científico: Divulgação ou Disseminação, e sua relação com os cientistas. 8º Interprogramas de mestrado em Comunicação Faculdade Cásper Líbero. Disponível em <https://casperlibero.edu.br/wp-content/uploads/2014/04/Macri-Elaine-Colombo-e-DENISE.pdf>.

Acesso em 26 de dezembro de 2017

TORRESI, S. I. Córdoba de; PARDINI, Vera L.; FERREIRA, Vitor F.. Sociedade, divulgação científica e jornalismo científico. Quím. Nova, São Paulo, v. 35, n. 3, p. 447, 2012. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-40422012000300001>.

Acesso em 24 de dezembro de 2017

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