Quem deve se preocupar com a censura?

Lara Ignezli
Observatório de Mídia
3 min readDec 23, 2017
“La bête” Foto: divulgação

Definir qual limitação pode ser caracterizada como censura é o centro de infinitas discussões ao longo da história. Toda vez que algum conteúdo novo — estranho às definições do que é certo e do que é errado premeditadas — é exposto ao público a discussão ressurge e inquieta o receptor da mensagem.

O jornalismo conhece a censura intimamente, visto que é responsável por formar opiniões da população. E a opinião do público é algo que interessa (muito!) as pessoas que detém o poder, mas o holofote de 2017 se virou para a censura de outro tipo de conteúdo: o artístico.

Tudo começou em setembro, quando o 35º Panorama da Arte Brasileira no Museu de Arte Moderna (MAM) teve uma abertura que contava com a apresentação do coreógrafo carioca Wagner Schwartz, onde o público podia tocar e manipular seu corpo nu. Fotos e vídeos de uma criança interagindo com a obra viralizaram na internet; e de repente todo mundo tinha uma verdade absoluta sobre o assunto. A internet se dividiu entre “ato de pedofilia” e “arte é arte, não deve ser contestada”.

Depois de toda a repercussão, o MAM fez uma declaração pública avisando que a exposição estava sinalizada quanto ao seu conteúdo,e as pessoas que entraram tinham consciência do que estava sendo exposto. Os responsáveis pelos acompanhantes de menores de idade eram quem decidiam se era algo próprio ou não para pessoas menores de 18 anos. Em momento algum foi escondido o conteúdo da exposição.

Considerando que a sinalização tenha sido feita, a problematização da arte em si foi desnecessária. Talvez questionar a decisão dos pais e responsáveis seja válido, mas condenar uma produção específica para um público específico — que entenda que a mira não era, de forma alguma, a erotização — é misturar as coisas e uma argumentação sem fundamento.

O Movimento Brasil Livre (MBL) acusou o MAM de erotização infantil e o veredito final foi o fechamento da exposição.

No Brasil algo é censurado o tempo todo. O episódio da exposição não foi uma coisa pontual. Por exemplo, em janeiro de 2016 a escritora Lívia Natália teve seu poema “Quadrilha” retirado do outdoor onde foi exposto seis dias após sua publicação, que originalmente duraria dois meses, por criticar a Polícia Militar.

Foto: Revista Modo de Usar

A censura ao poema não foi efeito de um conteúdo subjetivo; foi exatamente o contrário. Os versos apontavam o dedo para um culpado e soletravam seu nome com todas as letras. Entretanto, se observadas de perto, é possível notar algo que conecte as duas situações: afetar instituições poderosas no país. No primeiro caso o que determinou o fechamento foi o posicionamento do MBL e no segundo o descontentamento da Polícia Militar. Pode ser polêmico, pode ser controverso, sim. Se tiver tudo bem para os gigantes do poder.

Será por acaso o filme de Danilo Gentili (“Como se tornar o pior aluno da escola”), que ofende inúmeras minorias, incita pedofilia e atinge um público infinitamente maior, não ter sido censurado — apesar de ser ofensivo de jeitos inquestionáveis — e um poema em um outdoor, no nordeste do país ter sido?

A verdade é que para produzir não é necessário refletir se a obra vai ofender alguém. É necessário refletir sobre quem pode ofender sem sofrer as consequências.

--

--