Uso de câmeras escondidas pelo “Jornal Hoje”
Existem Muitas controvérsias quando ao uso de câmeras escondidas no jornalismo. Até que ponto elas são realmente necessárias?
Mas o maior problema é mostrar a identificação da pessoa sem tarjas ou meios que possibilitem seu reconhecimento. Um exemplo é uma reportagem do “Jornal Hoje” da Rede Globo, “O Golpe do flagrante em manobrista”, como o objetivo de mostrar os riscos enfrentados pelos motoristas. Era uma série de reportagens com o tema sobre os furtos realizados pelos manobristas em diversos ambientes. Para isso utilizaram câmera escondidas que mostravam claramente os rostos dos manobristas vasculhando carros de São Paulo, estas publicadas tanto na tv aberta, quanto na internet e site da televisão. Este método de apuração jornalística, mesmo nas consideradas “reportagens investigativas”, não é tão comum no cotidiano jornalístico, supondo que houve acordo dos diretores do programa, inclusive para a veiculação destas imagens. Se a intenção era expor estes manobristas, conseguiram! Agora, se pretendiam fazer com que eles parassem com esta atitude, aí já não é possível comprovar.
A base fundamental do código de ética brasileiro, é o direito do cidadão ter acesso à informação e dever do jornalista informar e ser informado. Assim, muitas vezes se faz necessário o uso de câmeras para a comprovação de certos boatos ou mesmo denúncias. Também não seria correto apenas ouvir pessoas que foram alvos de furtos em seus carros e dizer que isso era corriqueiro para os manobristas, generalizando um ato que pode ter acontecido apenas algumas vezes. Era preciso sim ter certeza, antes da divulgação e acusação de estabelecimentos em que isto ocorreu. A informação transmitida deve ser correta e precisa conforme art. 2, ao mesmo tempo que é preciso “combater e denunciar todas as formas de corrupção, Art. 6º.
Mas ao mesmo tempo, o jornalista necessita defender os princípio expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, o que não ocorreu com essa série de reportagens:
- 1º: Art. XI “Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.” Não cabe ao jornalista julgar e expor essas pessoas à sociedade se este não foi ainda acusado ou apresentado defesa, mesmo que isto esteja explícito nas câmeras.
- 2º: Artigo XII “Ninguém será sujeito à interferência em sua vida privada, em sua família, em seu lar ou em sua correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação.” Agora imagina para as famílias desses manobristas, assistindo à TV depois do almoço e vendo seu filho, sobrinho ou irmão, exposto dessa forma. Deve ser humilhante. O jornalista deve pensar nas consequências de suas ações, tanto para as pessoas envolvidas, quanto para a própria empresa midiática decorrente de suas atitudes antiéticas.
- 3º: Artigo XIX “Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.” Mesmo com a defensão dessa tão falada liberdade de expressão, ela é válida enquanto não interfira negativamente na vida de alguém, muito menos quando isso intervir em sua ética.
Mas como toda legislação é confusa…Conforme o art. 11, inc. III “O jornalista não pode divulgar informações: obtidas de maneira inadequada, por exemplo, com o uso de identidades falsas, câmeras escondidas ou microfones ocultos, salvo em casos de incontestável interesse público e quando esgotadas todas as outras possibilidades de apuração”. Era tão interessante assim o público reconhecer estes manobristas¿ O interesse está mais em saber que os furtos existes, como agir em um caso deste e como se prevenir. Fazendo isso, não estariam colocando “em risco a integridade das fontes”(art. VI), nem desrespeitando “o direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem do cidadão” (art. VIII) do código de ética.
Para a gravação das cenas foram colocadas quantidades significantes de moedas e doces, usadas como “tentação”, palavra usada na reportagem. Isso pode ser considerada uma provocação à eles. Segundo o art. 7, inc. V, o jornalista não pode “incitar a violência, a intolerância, o arbítrio e o crime”. Quem garante que essa já era uma atitude frequente, ou foi causada ou no mínimo influenciada pelo jornalismo¿ Pois encontrar esse número de doces ou moedas nos caros não é algo comum nas grandes cidades. Tanto é que até mesmo os manobristas desconfiaram: “o carro aqui parece uma doceria” ou “tem câmera? têm ou não têm?”. Segundo o Supremo Tribunal Federal, “não há crime quando o fato é preparado mediante provocação ou induzimento, direto ou por concurso, de autoridade, que o faz para fim de aprontar ou arranjar o flagrante”. É extremamente irônico o jornalismo denunciar crimes e atos ilícitos da sociedade se ele mesmo não os cumpre.
Até mesmo os Princípios Editoriais das Organizações Globo não permite “o uso de micro câmeras e gravadores escondidos, visando à publicação de reportagens”, da mesma forma que rege o código de ética. Como já dito, era possível fazer essa cobertura usando de outros métodos. Jornalistas vão atrás da pauta e não devem cria-la!
Mas o engraçado é que a preservação das empresas em que eles trabalhavam foi mantida. Talvez porque elas iriam recorrer judicialmente à danos morais por todas essas questões éticas descumpridas pela emissora. Diferente dos manobristas agora desempregados que dificilmente terão voz para tomar a mesma atitude que as empresas teriam.
O art. 12 diz que o jornalista deve “ouvir sempre, antes da divulgação dos fatos, o maior número de pessoas e instituições envolvidas em uma cobertura jornalística, principalmente aquelas que são objeto de acusações não suficientemente demonstradas ou verificadas”. E isso também não foi cumprido.
Mas temendo maiores repercussões, os vídeos foram tirados do ar. Só encontrei pela internet as matérias (Links na referência).
Tudo isso acontece na mídia por não existir punições. Apenas ser expulso do sindicato ou proibido de participar quem não faz parte dele, não coloca medo em nenhum jornalista. Também não existe punição às empresas midiáticas. Raramente uma ou outra é obrigada a pagar uma indenização de um valor extremamente mínimo para o tanto que ganhou com tal reportagem sensacionalista ou antiética que alcançou altos picos de audiência.
Referências:
https://www.conversaafiada.com.br/brasil/2012/01/06/o-golpe-do-flagrante-em-manobrista-cade-a-etica, acesso em 26 de outubro de 2017.
http://bdm.unb.br/bitstream/10483/11738/1/2015_AdrianoBelmiroIsaiasRoberto.pdf, acesso em 26 de outubro de 2017.
Declaração Universal dos Direitos Humanos: http://www.onu.org.br/img/2014/09/DUDH.pdf, acesso em 28 de outubro de 2017.
Código de ética Brasileiro: http://fenaj.org.br/wp-content/uploads/2014/06/04- codigo_de_etica_dos_jornalistas_brasileiros.pdf, acesso em 28 de outubro de 2017.
Links da série de reportagens (vídeos tirados do ar):