As filhas da Mãe do Fogo são netas da terra!

O Marajó é uma ilha de linhagem materna, as mulheres marajoaras desenvolvem atividades essenciais para a manutenção de saberes, proteção, cura e defesa dos seus territórios. Existe uma forte relação com o solo — como as erveiras, benzedeiras e parteiras.

Atualmente o Observatório do Marajó está com o projeto Filhas da Mãe do fogo, um projeto para reconectar mulheres marajoaras às técnicas e práticas sustentáveis de monitoramento e controle do fogo em seus territórios. O projeto foi elaborado a partir da lenda da Mãe do Fogo — uma mulher que utilizava o fogo para assombrar invasores da floresta, e assim proteger o local.

Uma das ações do projeto tem como foco a premiação de cinco grupos de mulheres que estejam à frente de experiências com manejo sustentável do fogo.

Grande parte dos conhecimentos da ilha estão contidos nas narrativas orais, — principalmente dos mais velhos — e nas lendas que cada município possui. Entrevistamos a liderança de Chaves, Izabel Miranda, ribeirinha, educadora do campo, artesã de biojoias e apaixonada por lendas, para falar do seu trabalho de educação através do uso dessas narrativas, da relação dela com as lendas, e do aumento no índice de queimadas no Marajó.

Obs do Marajó: A cultura e a identidade marajoara possuem as lendas como um valor expressivo da vivência das populações. Como tu começaste a gostar de trabalhar com lendas?

Izabel: Desde criança eu já oralizava as lendas que escutava dos nossos ancestrais, fui criada neste misticismo, quando criança meus melhores amigos era o Pajé e o Pároco de Soure, o famoso Pajé Zé Piranha e o meu querido frei Vovô, João Ignacio Almendarez Ibarrola, achava tão lindo o respeito ecumênico que os dois me transmitiam, cresci com esse respeito pela Mãe Natureza e os seres que integram sem distinção de raças, de opção sexual e machismo.

Obs do Marajó: Qual a importância das lendas para a população?

Izabel: As lendas sempre têm um fundo ecológico, de explicar o mistério, de mostrar o respeito com o meio e as pessoas.

Obs do Marajó: Quais lendas tu conhece?

Izabel: Honoratinho, Mãe do fogo, Mãe d’água, Curupira, Homem com saco de osso, a menina que bateu na Mãe e virou estátua, Matinta, Feiticeira, Iara, Pirarucu, Boaventura, cavalo marinho do Capinar, o gigante do Camaleão, a cobra do Sucego, a mulher cheirosa, o padre sem cabeça, a mão de pilão, o toco da morte, o homem que carrega o caixão, o homem que carrega o homem que ele matou afogado, o homem que vira: búfalo, porco, cachorro, gato, cavalo, galinha preta… o Pretinho da bacabeira, a carroça de osso, a lenda do açaí, a lenda do guaraná, a lenda do milho, a lenda da mandioca, a mula sem cabeça, a vitória regia, o boto, o Tui que virá o cinto do boto…

Obs do Marajó: Já presenciaste algum fenômeno das lendas?

Izabel: Sim com o toco da morte em Soure e com a Matinta e a Iara no Mandubé

Obs do Marajó: Atualmente estamos trabalhando em um projeto que foi pensado a partir de uma lenda, a da Mãe do Fogo, tu podes narrar essa lenda pra gente? Se sim, narre aqui:

Izabel: A mãe do fogo começa fraquinha, depois vai crescendo. Reza a lenda que existe ouro no local em que a mãe do fogo aparece, mas somente quem tem o coração puro é que consegue encontrar o local exato do ouro. Existem relatos que pessoas tentaram encontrar o ouro, mas não mereciam, e por isso ficaram com alucinações. Também existe a lenda que a mãe do fogo é a dona do local e só passa por ela quem respeitar o local em que ela vive.

Obs do Marajó: Tu trabalha com educação no campo. Nós tratamos no projeto Filhas da Mãe do Fogo da relação das comunidades com o fogo. Como educadora do campo, como tu vê a questão das queimadas e incêndios no Marajó?

Izabel: Como Marajoara, Professora e Educadora Ambiental, vejo que temos que criar soluções, atualmente existem soluções para o processo de manejo com o solo de forma sustentável e também vejo que é falta de sensibilização de certas pessoas que provocam a queimada com uma bagana de cigarro, além da pessoa está destruindo a sua saúde, também destrói o Meio Ambiente que não tem como se defender.

O aumento das queimadas implica no aumento da temperatura, o que contribui com as mudanças climáticas que já vem sendo percebida nas comunidades. Uma parte da população diretamente afetada, são mulheres grávidas e idosos. Tendo sua qualidade de vida afetada. Os municípios do Marajó como Bagre, Curralinho e Soure, mais que dobraram os focos de queimadas. Melgaço, Salvaterra e Ponta de Pedras tiveram um aumento de 80%, sendo Portel o município da região que mais aumentou esses focos nos últimos três anos.

Como na lenda da Mãe do Fogo e nas palavras da liderança Izabel, precisamos urgentemente criar soluções sustentáveis de combate e manejo do fogo. Precisamos, enquanto Filhas da Mãe do Fogo, defender nosso território e contribuir com a manutenção da biodiversidade ainda existente.

As comunidades tradicionais hoje têm papel fundamental nessa defesa e manutenção da biodiversidade. Devemos olhar para elas e tomá-las como exemplo.

Por isso, o Observatório também está mapeando comunidades afetadas pelo fogo.

Tu podes acessar o formulário em: https://forms.gle/gstRT5516KQQQJh99

Siga: @obsdomarajo ou acesse www.observatoriodomarajo.org

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