Da Lute Sem Fronteiras ao Observatório do Marajó: por que um observatório e por que agora?

Fui ao Marajó pela primeira vez na vida em 2009, quando tinha 16 anos, participando de um projeto da escola onde eu estudava que levava todo ano 3 alunos para participar de projetos em comunidades ribeirinhas do município de Portel. Em 2010, voltei com um tio e primos médicos, que fizeram atendimentos básicos em algumas comunidades. Em 2011, voltei para batizarmos meu afilhado e depois para inaugurarmos uma biblioteca na comunidade São Miguel.

A partir daí, realizamos uma série de esforços para apoiar as iniciativas das comunidades próximas em três áreas: Educação e Cidadania, Saúde, Alimentação e Moradia, e Empreendedorismo Social. Na prática, fizemos cartilhas de direitos humanos, apoiamos o registro e a documentação das terras das famílias, inauguramos outras duas bibliotecas, levamos duas dentistas com kits de higiene bucal para serem distribuídos, uma engenheira agrônoma que ofereceu um curso gratuito para construção de hortas para lideranças comunitárias.

Além do apoio a construção de uma dessas hortas, demos um capital semente para três fundos comunitários de microcrédito, firmamos uma cooperação com a marca Clube Melissa em uma iniciativa de reunia reciclagem, artesanato e renda para jovens mulheres ribeirinhas, apoiamos o manejo sustentável de cacau, cupuaçu e açaí em uma comunidade, demos antenas para duas comunidades conectarem telefones fixos, apoiamos financiamentos de construção ou compra de embarcações para duas lideranças comunitárias, tentamos entender os fluxos migratórios espontâneos e forçados de meninas e mulheres ribeirinhas (quando encontramos vários casos de tráfico de pessoas e alguns empecilhos práticos para seguir), facilitamos o processo de negociação com a Prefeitura de Portel para a construção da Escola Comunitária de São Miguel do Acuti Pereira e financiamos sua construção.

A escola foi construída em 6 meses pelos homens da comunidade, sob a coordenação de Ronildo dos Santos, com o fundamental apoio das mulheres, sob a liderança de Valma Telles, peça central da negociação com a prefeitura. Foi inaugurada em 2013 com 102 alunos e alunas, da pré-escola ao 9o ano, mais de 100m², alojamento para os professores e professoras e banheiros para todos. Até hoje a escola segue funcionando, com professores e professoras enviados pela Prefeitura e alguns funcionários da própria comunidade. Temos orgulho de fazer parte dessa história.

Foi assim que a Lute Sem Fronteiras nasceu: para facilitar e organizar esse processo, sendo formalmente uma organização sem fins lucrativos e, na prática, uma cooperação baseada no afeto.

Foto: Lute Sem Fronteiras| Em Portel, no Marajó

Em 2019, essa jornada completou dez anos. O tempo traz consigo reflexões. Em 2009, foi possível não olhar para 2019. Em 2019, não era possível não olhar para 2029.

Vimos as mudanças climáticas tornaram-se uma emergência; os povos originários e tradicionais serem desrespeitados, ridicularizados e marginalizados por autoridades públicas, incluindo o presidente da República; políticas de desenvolvimento social foram esvaziadas e o Brasil voltou ao mapa da fome; o ativismo socioambiental foi criminalizado e lideranças rurais e ativistas do campo foram assassinados e presos.

Não temos as respostas sobre o que virá. É preciso, então, estar atento e atenta. A nossa disposição para apoiar iniciativas locais e estratégias comunitárias de desenvolvimento seguirá mas nossos esforços institucionais estão redirecionados a partir de 2020. Queremos aumentar e fortalecer o espaço cívico do Marajó — reunir informações, dados e saberes que já existem e formatá-los em tecnologias sociais que sirvam para as lideranças locais, em especial às mulheres ribeirinhas, consolidarem as agendas de suas comunidades, se reapropriarem dos processos políticos e pautarem os ciclos das políticas públicas.

Mantemos a lógica de que a transformação deve ser pensada e construída de baixo para cima, dos territórios para as estruturas de poder. Mudamos o campo de atuação: deslocamos nosso foco de impacto para as políticas públicas e os processos políticos.

Para tanto, a Lute Sem Fronteiras dá um passo atrás e se propõe a firmar o Observatório do Marajó: um observatório de políticas públicas do Marajó e seus 16 municípios, a partir da análise de dados, indicadores, experiências e soluções em três grandes temas:

- Progresso Social e Vulnerabilidade, reunindo, de início, educação, saúde, saneamento e moradia;

- Efeitos e Sintomas da Crise Ambiental e Emergência Climática, olhando para o histórico de desmatamento, uso do solo e ameaças socioambientais;

- Participação Cidadã e Representação Política, com análise e dados sobre os processos eleitorais.

O Marajó é a maior ilha fluviomarítima do mundo (se fosse um estado, seria maior do que o Rio de Janeiro ou o Espírito Santo!), sendo a maior Unidade de Conservação na costa norte do Brasil. Ao mesmo tempo que é uma das regiões mais ricas do país em recursos hídricos e biológicos, é um território extremamente vulnerabilizado e precarizado, tendo, por exemplo, 8 dos seus 16 municípios entre os 50 piores IDHMs do país — incluindo o pior.

Para entender melhor porque é tão importante atentar e agir em valorização e cuidado com o Marajó, sua gente e sua natureza, vale a pena ler o post da Micaela Valentim, oceanógrafa belenense e especialista em Gestão de Cidades e Sustentabilidade, que trabalhou nesses primeiros meses do Observatório comigo, aqui no nosso blog.

Para começar, estamos lançando um Boletim semanal com notícias relacionadas ao Marajó, mas também com os principais acontecimentos urbanos e questões humanas da Amazônia — do Marajó ao Juruá, de Macapá a Porto Velho, das grandes capitais, regiões metropolitanas e suas periferias aos municípios rurais, suas comunidades ribeirinhas, quilombolas e indígenas. Ao mesmo tempo que queremos inserir o Marajó no debate urbano da Amazônia, queremos fortalecer essa agenda nacionalmente.

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Em breve lançaremos novidades e esses são os canais em que divulgaremos e compartilharemos tudo. Fica por dentro porque vamos precisar de você!

Vamos em frente!

Um abraço do tamanho do Marajó,

Luti

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Observatório do Marajó
Blog do Observatório do Marajó

Um observatório de dados e indicadores de políticas públicas do Marajó e seus 16 municípios. https://www.observatoriodomarajo.org/