Sejam bem vindos a Itaguari (#SextouEmRede)

Imagino que tu já saiba que a Ilha do Marajó é uma ilha indígena. Caso não saiba, basta uma observação atenta aos nomes dos municípios e seus rios, além das ferramentas e utensílios do cotidiano marajoara.

No sextou dessa semana embarcamos numa viagem com a liderança da RAM — (Rede de Ação Marajoara) — rumo à Ponta de Pedras. Terra de Dalcídio Jurandir! Sonyra nos conectou com a história do município e com a cultura local, e falou sobre sua escolha profissional: a música. Música, poesia, arte! São algumas das representações da riqueza curtural marajoara. Olha só:

Obs do Marajó: Sonyra, tu é de Ponta de Pedras, terra do regionalismo poético de Dalcídio Jurandir, e escolheste a arte na tua vida. Como foi pra ti esse processo de chegar até a música como profissão?

Sonyra: O meu encontro com a música foi muito despretensioso, minha mãe queria que eu tivesse algumas atividades extras, não precisei falar nada mas, como uma boa mãe observou que eu olhava diferente para a banda. Sem eu mesma perceber minha relação com a Música foi como se aquilo sempre fizesse parte de mim, do meu Eu, da minha essência. Sempre fui uma criança cheia de sonhos e extremamente sensível, as miudezas do meu dia era o suficiente para um “grande dia” e até mesmo um simples balanço das folhas nas árvores me chamava atenção. E na música não foi diferente, de miudezas e miudezas o quebra cabeça dos meus sonhos vêm sendo preenchido por meio da Música.

Obs do Marajó: No teu município tu sente que a arte é valorizada e incentivada para as próximas gerações?

Sonyra: As Artes no meu município é apreciada por mim e por muitos. Mudou a minha vida, ser do interior pode nos limitar, até né? Mas, lá em ponta de pedras os meus olhos para as exposições de esculturas esculpidas em madeira, o Artesanato, as rodas de carimbó, as encenações que aconteciam de tempos em tempos foram peças importantes que se fundiram com a Música para que muitas crianças e jovens tivessem suas vidas mudadas pelas artes. Essa valorização é linda, pequenos atos como o de ir até a praça e ouvir todos os dobrados que a Banda tocar, chegar mais cedo para ouvir o coral infantil cantar, é lotar todas a sessões de “A paixão de Cristo”, na minha cidade eu vejo que essa valorização vai muito além.

Obs do Marajó: Em alguns dos seus livros, Dalcídio Jurandir descreve caminhos, percepções da infância em Ponta de Pedras. Como você vê a arte na vida das crianças no teu município?

Sonyra: A Arte sob o olhar sincero de uma criança é um antídoto para qualquer male. Viver é uma tarefa árdua e que nos desafia diariamente, quando se é muito jovem com os pés no chão esse viver já é difícil, mas a Arte ela nos permite beber na sua fonte dando leveza em nosso caminhar. A infância era algo que quando esqueço de mim volto atrás e recordo minha essência.

Obs do Marajó: Conta pra gente um pouco da história de Ponta de Pedras, ou até mesmo curiosidades que só sendo do lugar pra saber.

Sonyra: O Rio Marajó — açú é a porta de entrada para Ponta de pedras a cidade recebe este nome por ser cercada de pedras submersas na entrada do rio. Porém Itaguari foi o seu primeiro nome. De lá pra cá o que posso dizer é que a cidade tem uma hospitalidade muito legal, um pequeno pedaço de terra habitado no meio da Amazônia que carrega consigo o peso místico das encantarias do lugar, dos rios, das flores, das plantas e toda sua crença. Eu me considero uma encatada. Sou feliz de ter nascido lá. E quem me conhece sabe…”sou de ponta de pedras” e todos lembram de mim pelo frase que tomei pra mim… “ porque lá em ponta de pedras… é melhor e/ou não é assim.

Curioso, a gente tem tendência a ficar bobo pelas coisas simples.

Ponta de pedras é assim.

Obs do Marajó: A cultura e a identidade marajoara estão atrelada ao cotidiano da população, no jeito de falar, nas pinturas, nos artesanatos, nas embarcações, etc. No seu município existem movimentos culturais? Conta pra gente como os artistas estão organizados hoje, lá.

Sonyra: O engajamento cultural no município de Ponta de Pedras se dá por meio de associações, minha formação musical se iniciou no início dos anos 2000 na Associação Musical Antônio Malato, uma escola de música começou a tomar forma e foi o berço musical de muitas crianças e jovens. Os grupos de danças tradicionais e companhia teatral são um diferencial em nossa cidade.

De forma pessoal posso dizer que a Comunicação é uma Arte e a Arte nos ensina a comunicar por entre as linhas musicais, das Artes visuais, linhas das danças e teatral. Nesse quesito a cidade inteira possui por mais que seja pouco, mas tem um laço com as Artes. Eu vejo as Artes no Marajó um ato de resistência antigo, que até se confunde com sua existência. Mas tá ali, com força, moldando verdadeiros tesouros que tem muito a somar com o avanço do pensamento artístico, filosófico e intelectual humanista.

Obs do Marajó: Tu está sempre indo e vindo de Ponta de Pedras. Como a maioria que busca oportunidade de realizar sonhos no Marajó. O quanto isso implica nas tuas escolhas profissionais?

Sonyra: Bem, eu nunca fui tão criteriosa em analisar minhas escolhas no que diz respeito a moldar e ter uma formação profissional específica. Porém, especificamente no meu caso a principal implicação foi natural, o desejo e a sensação de pensar “ tem algo a mais” me moveu. Minha mãe sempre me disse que eu jamais poderia deixar passar as oportunidades e assim fiz o melhor que puder durante os anos e circunstâncias.

De onde eu vim, aprendi a dar valor em tudo, até na casa que minha mãe conseguiu construir meu irmão e eu ajudamos com nossas vendas de bombons e Chopps em frente a casa de uma tia, para ter, para ser é preciso construir e de fato isso foi feito desde muito cedo por uma necessidade e isso foi me moldando a querer ter o que eu sonhasse pois eu sabia como ter: tem que ser peixe nadando contra a maré.

Por fim, eu me tornei o que quis ser e sou grata por toda força e garra que vi e aprendi lá no Marajó.

Obs do Marajó: Deixa aqui pra gente uma reflexão acerca da cultura e a identidade marajoara, e como você enxerga o papel da arte na educação marajoara.

Sonyra: Arte na educação do Marajó pode ajudar o povo a reconhecer seu papel e seu papel no território. Eu lembro que em 2007 eu participei do Ifnopap e lá foi meu contato com a obra de Dalcidio Jurandir intitulado “ Marajó “ lá fiz alguns recortes com coisas que ouvia muito falar e isso me ajudou a ter curiosidade sobre o lugar que eu morava, comecei a ter mais orgulho e isso permanece em mim, então, para refletir sobre as nossas riquezas dentro do lugar que vivemos se faz necessário ouvir, zelar e também exigir do poder público melhorias que possam fazer que mais e mais pessoas possam tomar conhecimento de onde vem, ou de onde estão e o que são.

Obs do Marajó: Para finalizar, nós estamos com um formulário de mapeamento de artistas locais marajoaras. Você sabe de algum sindicato, coletivo ou forma de organização de artistas locais? se sim, você faz parte de algum?

Sonyra: Eu faço parte da associação musical Antônio Malato, porém existem associações de estudos literários, de teatro, danças tradicionais e isso já fortalece e organiza bastante o cenário artístico local.

Essa entrevista tem cheiro de arte não é mesmo? Aliás, o Marajó tem a arte como uma resistência, perpetuando a identidade da sua população.

Não é necessário falar muito, sabemos que ainda há muitos conhecimentos a serem desvendados nos municípios marajoaras, e muita encataria para se viver e receber. Conhecer a história do teu município te fortalece, te fixa na tua raiz e te sustenta. Fica aí pensando no quando tu sabe do lugar que tu vieste e o quanto isso te torna quem tu é hoje. Eu por exemplo, nasci em São Sebastião da Boa Vista, mas morei minha infância toda em Muaná, no Rio Atatazinho e no Rio Fronteiras, sou uma mulher ribeirinha, ponto. Isso é o que eu sou. E tudo que eu escolhi, foi a partir disso. Somos, porque viemos de algum lugar. E é por isso que sei que além da arte que encanta, temos um outro tipo de arte.

As comunidades tradicionais vivenciam diariamente a arte: de se equilibrar por cima dos rios, de cortar caminhos de lama e barro, de mirar por entre os galhos, de resistir, de proteger, de sobreviver!

Quem melhor para ensinar sobre arte do que a natureza?

Lá em Itaguari a arte fervilha na resistência. E sabemos, falta valorização, mas lá em Itaguari, eles resistem, eles persistem!

Se tu conhece um lugar assim, uma pessoa assim, fica o convite pra compartilhar o formulário que visa mapear e encontrar essas resistências da cultura.

Link do formulário:

https://forms.gle/qkf3N8qXa19K9bie9

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Acesse: www.observatoriodomarajo.org

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