Veja o discurso do Observatório do Marajó no plenário da Câmara dos Deputados sobre a exploração de petróleo na Foz do Amazonas

No dia do Meio Ambiente, a Câmara dos Deputados instalou Comissão Geral no plenário da Câmara para debater a exploração de petróleo na foz do Amazonas. O Observatório do Marajó esteve presente

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Assista o vídeo com a íntegra da fala feita por nosso diretor executivo, Luti Guedes, na Comissão Geral da Câmara dos Deputados, em 05 de junho de 2023:

https://youtu.be/BGx3j-iVu8k

Na Comissão, com o tempo limitado, a fala foi feita apenas com trechos do texto completo elaborado pela equipe do Observatório do Marajó.

A seguir, disponibilizamos o texto completo para leitura:

Como ponto de partida, é fundamental que as comunidades tradicionais do Oiapoque sejam informadas, consultadas, ouvidas e respeitadas, mas esse projeto ameaça toda a margem equatorial, que começa no Oiapoque e passa por Sucuriju, pelo Bailique, por toda a costa do Marajó, salgado paraense e vai até o Maranhão. Há 14 anos eu trabalho com comunidades tradicionais ribeirinhas e quilombolas do Marajó que é a maior unidade de conservação da costa da Amazônia, hoje sua mesorregião é composta por 17 municípios, é maior do que o estado do Rio de Janeiro, já tem 04 reservas extrativistas reconhecidas, dezenas de comunidades quilombolas e centenas de comunidades ribeirinhas, além de manguezais, rios, igarapés, lagos, lagoas, baías, floresta, mata, campos naturais, centenas de espécies de vida diferente. Foi lá que nasceu o carimbó, Dona Onete, Dona Vandira, Edel Moraes, Seu Zé Piranha, Mestre Damasceno, Mestre Diquinho, Teodoro Lalor de Lima, que era pra estar em cima dessa tribuna aqui hoje ou, enfim, onde quisesse, mas foi assassinada dez anos atrás por defender seu território quilombola em Cachoeira do Arari de grileiros, que seguem agindo no Marajó com a cumplicidade de autoridades públicas.

Graças às pesquisas arqueológicas, sabemos que a ocupação humana no Marajó data de 4 mil anos, quando populações tradicionais construíam não só cerâmicas, mas também tesos. Tesos são elevados numa floresta que alaga.

Marajó vem da palavra HMBARAYÓ, na língua comum dos povos indígenas que viviam na região. Afinal, o Marajó, como todo este lugar que hoje é nosso país, é território indígena, de comunidades tradicionais há muito tempo, muito antes de 1988. HMBARAYÓ quer dizer barreira do mar porque a maior ilha fluviomarítima do mundo é uma verdadeira barreira do mar para a terra firme deste país, bem ali, onde o Amazonas e o Tocantins dançam pra se encontrar com o mar.

Que governadores e parlamentares da Amazônia usem dos seus cargos públicos para pressionar e coagir o IBAMA e o governo federal a rever a decisão tomada é uma vergonha. O poder que o povo lhes emprestou é para cuidar da Amazônia, não para afogá-la em óleo. Porque é isso que vai acontecer se seguirmos insistindo na ideia de explorar petróleo na região.

Estudos de cenários mostram que, na trajetória atual, uma parte enorme da região estará submersa já em 2050 e totalmente em 2060.

O Marajó é um excelente exemplo de maretório, de território que é composto e determinado também pelas marés. Essa relação desse território com as marés parece nem ter sido levado em consideração pelos estudos apresentados pela Petrobrás até aqui.

Vocês estão deixando o Marajó e a Amazônia afundarem e ainda querem que seja no óleo!

Como vocês podem ter a indecência de dizer que o dinheiro ficaria pros territórios se vocês não estão comprometidos sequer em garantir que esses territórios ainda existirão? Vocês deveriam estar propondo e investindo em políticas de adaptação climática hoje e não repetindo promessas de 50 anos atrás como se ainda fossem resolver problemas hoje. Vocês foram eleitos para proteger a vida e o futuro do nosso país. Não para naegociá-los e barganhá-los com as empresas de petróleo e gás.

É uma mentira a propaganda enganosa de que a exploração de petróleo na foz do Amazonas é para gerar desenvolvimento para região. Não levou pra Coari, no Amazonas; não levou pra Macaé, no Rio de Janeiro; não vai levar pro Oiapoque, pro Bailique, pra Sucuriju, pro Marajó, pro salgado paraense, pro Maranhão.

O que, na realidade, chega pros territórios é o aumento do desmatamento; da ocupação desordenada, da pilhagem de terras e dos conflitos territoriais; das ameaças contra comunidades tradicionais e suas lideranças; da violência contra crianças e jovens, sobretudo meninas e mulheres; chega a poluição das águas e campos, o sumiço de peixes e aves, a escassez dos recursos naturais (o açaí e o peixe sumindo da mesa das pessoas).

A promessa de que virá da exploração descontrolada dos recursos naturais da Amazônia o desenvolvimento é estratégia antiga e já conhecida. Falam isso, prometem trabalho e desenvolvimento. Atraem pessoas sem garantir qualificação técnica necessária, deixam multidões desamparadas sem infraestrutura urbana, de habitação e de serviços públicos adequados, enchem as cidades de gente sem oportunidades a não ser as informalidades e ilegalidades e depois são os mesmos que berram que nossas cidades se tornaram violentas! A Amazônia e o Brasil já viram isso acontecer muitas vezes. Não queremos mais!

Esse paradigma fracassado que alguns ainda defendem não dá conta de todo mundo e só aprofunda desigualdades. A gente já sabe disso. Em qualquer interior da Amazônia tem comunidades e territórios que foram cortados pra passar linhão de energia, sem consulta, sem informação, fazendo derrubada da floresta sem orientação das populações locais, inaugurando cadeias de trabalho informal que levam todo tipo de violência pros territórios: ameaças, crime organizado, exploração sexual. E as comunidades tradicionais, que tão ali vendo tudo isso acontecer do escuro, continuam sem luz. Luz que é um direito da dignidade humana, né, por causa da segurança, da conservação de alimentos, da comunicação, do acesso à educação, à telemedicina. Já vimos essa promessa com a entrada de hidrelétricas na Amazônia, que apesar de gerar 26% da energia elétrica do país, tem 1 milhão de pessoas vivendo no escuro!

Entendam, as pessoas sabem quais são os seus direitos. A gente quer que esses direitos sejam garantidos, não instrumentalizados em discursos políticos que não se transformam em políticas concretas pra resolver a emergência climática gerada pela indústria do petróleo e gás e o negacionismo de seus aliados políticos.

Queremos programas e políticas de autonomia e soberania energética para já.

Com o valor que a Petrobrás desperdiçou desde dezembro com a plataforma parada para pressionar o IBAMA teria sido possível comprar UMA PLACA SOLAR PARA CADA PESSOA DO MARAJÓ. Um programa “Minha placa, minha vida” e todo marajoara com acesso à energia. Quem vai ser responsabilizado por isso? Que esse volume de recurso público tenha sido mobilizado para fazer lobby e pressão a serviço das indústrias de petróleo e gás, quando poderia ter sido realmente investido em transição energética e acesso à energia hoje.

Porque as pessoas continuam em situação de insegurança energética e cada dia que passa sendo mais coagidas a aceitar um projeto de exploração de petróleo que não faz o menor sentido, só traz riscos sem sequer apresentar planos de contenção adequados.

Ninguém que pensa com razoabilidade (um princípio da gestão pública), que escuta um barqueiro, ou um marinheiro, uma bióloga, uma veterinária, pode achar razoável um plano de contingência que demora dois dias pra chegar e mais dois dias pra voltar pra Belém pra em Belém haver atendimentos, né?

A biodiversidade é tão enorme e rica nessa região que as pesquisas que existem são tão insuficientes que tem gente até hoje que ainda não conhece nada sobre os recifes de corais da região e acha que não existe, um dos mais complexos sistemas recifais do planeta. Esse tipo de desconhecimento que é instrumentalizado por políticos e distorcido pra gerar desinformação e espalhar mentiras para tentar convencer as pessoas de que é uma boa furar a região pra procurar petróleo.

Estamos falando da região com a maior concentração de manguezais do planeta, essa é a responsabilidade que temos. Não queremos que os manguezais sejam destruídos para virar portos e rota das embarcações dessa indústria.

Diferente das praias do nordeste de onde foi possível, com muita luta da sociedade civil, retirar das areias e águas boa parte do óleo, não há tecnologia capaz de limpar manguezais numa situação semelhante. Como esse nível de risco pode ser assumido e minimizado por vocês?

Depois, se acontecer algum vazamento, manifestarão solidariedade às vítimas da tragédia do acidente ambiental. Não é acidente se vocês aprovarem, consentirem, permitirem.

Por isso, temos orgulho que o Governo Brasileiro não tenha aprovado. Aprovar a exploração de petróleo na foz do Amazonas seria mais um crime ambiental contra ecossistemas e populações de diferentes territórios da Amazônia, contra o patrimônio socioambiental brasileiro, contra o futuro das novas gerações, do nosso país e do planeta.

No Marajó, em Soure, está a primeira reserva extrativista marinha do Pará, cheia de manguezais. Nos manguezais de Soure, mas de todo o Marajo e a Amazônia, existe hoje uma juventude dos manguezais muito organizada, articulada, sagaz, responsável, criativa, comprometida com o seu próprio futuro. Existem redes de mulheres guardiãs dos manguezais do Marajó e de toda a Amazônia. Pescadores que tudo o que sabem escrever são seus nomes porque muitas vezes tiveram que ir pescar ao invés de ir pra escola porque é desse mangue, desses rios, dessas águas que vêm a comida da sua mesa e das da sua comunidade. Esse debate também é sobre o futuro pesqueiro na costa norte do país!

As soluções que o Estado brasileiro deve a essas juventudes, essas mulheres e homens e seus territórios são outras, deputados e deputadas. São soluções que não proponham os erros, os problemas, as violências que já foram feitas há anos e anos. Estamos falando de empregos verdes de verdade, que reconheçam práticas tradicionais de conservação, que garantam recompensa pelas práticas históricas de proteção do patrimônio nacional e compensações pelas violências que muitas vezes foram e ainda são submetidas.

O Marajó mesmo acabou de ser palco de um suposto programa do Governo Bolsonaro que prometia desenvolvimento pra região, mas quando perguntados pela participação das comunidades tradicionais na construção do plano de ação pra esse suposto desenvolvimento, a resposta foi que eram as indústrias e o agronegócio que representavam as comunidades tradicionais no Comitê Gestor do Programa. Quando falam de desenvolvimento, todo mundo já sabe pra quem tão prometendo retorno! O Marajó não é bobo!

Não é à toa que não se importam em descumprir a convenção 169 da OIT, que garante o direito das comunidades tradicionais à consulta informada, livre de coação ou manipulação, e prévia a cada mudança de etapa do processo. Não foi uma vez que o direito à consulta das comunidades tradicionais da região foi violado – foram e ainda são várias.

Toda vez que um representante do Estado brasileiro, seja um governador, um deputado, um secretário usa da desinformação pra confundir a cabeça das pessoas e tentar conquistar apoio à exploração de petróleo na foz ele tá violando a convenção 169 da OIT. Como representantes do Estado, o dever que têm perante essas populações é o de informar e consultar com respeito à liberdade e autonomia dessas populações a cada etapa nova do processo; não de desinformar, confundir, distorcer a realidade, manipular, muito menos coagir, pressionar, chantagear.

Na semana passada, Hannah Balieiro, diretora do Instituto Mapinguari, importante organização socioambiental do Amapá entregou na Comissão de Meio Ambiente desta casa um documento que, em nome do Observatório do Marajó, eu trouxe de novo hoje, dia do meio ambiente, para entregar para os senhores e senhoras presentes que ainda não tenham. É uma carta assinada por mais de 50 organizações do Amapá e do Pará se posicionando em apoio à decisão do IBAMA. É importante que os alertas, as colocações, as reivindicações, os argumentos da sociedade civil sejam ouvidos e respeitados. Que os senhores se comprometam com a defesa da vida em toda a sua sociobiodiversidade e parem de atacar as instituições públicas de conservação e proteção socioambiental, como o IBAMA, os Ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas. Apoiem que façam o trabalho que devem e façam os senhores o trabalho dos senhores de trazer propostas decentes, adequadas para os nossos tempos, que garantam orçamento pras pastas socioambientais, pra programas efetivos de autonomia energética para as comunidades e transição energética para o país!

Obrigado!

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Observatório do Marajó
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